Cláudio Cajado é o relator do projeto do arcabouço fiscalPablo Valadares/Câmara dos Deputados

Dois dispositivos inseridos pelo relator do novo arcabouço fiscal na Câmara, Cláudio Cajado (PP-BA), vão permitir que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva possa ampliar as despesas em cerca de R$ 80 bilhões adicionais nos próximos dois anos, segundo estimativas do mercado financeiro. Técnicos da Câmara que assessoram o parlamentar admitem a expansão, mas projetam um valor bem menor, ao redor de R$ 42 bilhões.
Na prática, os mecanismos abrem espaço para o governo inflar os gastos nos dois primeiros anos da regra. Ao Estadão/Broadcast, Cajado afirmou que os dispositivos foram incluídos para compensar os efeitos da desoneração dos combustíveis em 2022, no governo Jair Bolsonaro (PL).
No primeiro ano de funcionamento do novo marco fiscal, em 2024, o governo poderá ampliar as despesas primárias no limite máximo permitido pela regra: 2,5% acima da inflação. A previsão não constava do texto original do Ministério da Fazenda e, segundo parlamentares, foi fruto de negociação de Cajado com a equipe econômica.
O acréscimo no relatório de Cajado determina que, no primeiro ano, o crescimento das despesas se dê no topo da permissão de gastos do novo arcabouço fiscal, que tem como um de seus pilares a regra de que as despesas devem crescer entre 0,6% e 2,5% acima da inflação a cada ano.
Segundo cálculos do ex-secretário do Tesouro Nacional e economista da gestora ASA Investments, Jefferson Bittencourt, a medida pode fazer com que o governo ganhe uma folga de R$ 40 bilhões no primeiro ano de vigência da regra fiscal.
Ele ressalta que a despesa deveria crescer no ano que vem pelas projeções perto do piso de 0,6%. "De uma maneira direta, é incluído na regra que a despesa em 2024 não crescerá pelo piso, mas pelo teto. Tem aí 1,9% de crescimento das despesas que já é definido extra-regra", afirmou.
Inflação
A segunda brecha abre mais R$ 40 bilhões em 2025, prevê Bittencourt, ao permitir que, naquele ano, seja incorporado à base de gastos um crédito suplementar gerado em 2024 a partir da inflação do segundo semestre de 2023 - já que o relator alterou o cálculo da inflação que irá corrigir o limite de gastos.
O novo arcabouço fiscal prevê que as despesas sejam corrigidas em 70% do aumento da arrecadação nos 12 meses encerrados em junho do ano anterior. A variação da inflação de julho a dezembro deverá ser incorporada aos gastos do governo, segundo a regra, por meio de um crédito suplementar.
O texto de Cajado diz que o crédito suplementar do diferencial de inflação não pode ser incorporado ao limite despesas, com exceção de 2025. "O diferencial de inflação que será verificado entre o acumulado de 12 meses até junho deste ano e o final do ano, vai ser incorporado de maneira definitiva a partir de 2025", explicou Bittencourt.
Isso representará gasto adicional pelo segundo ano seguido, segundo Bittencourt, uma vez que os economistas projetam que a inflação ao fim do ano de 2023 deverá ser superior ao calculado até junho.
"Esses dois pontos jogam para frente o ajuste que o novo desenho do arcabouço que o relatório do deputado Cajado trouxe", disse. Na sua avaliação, o relatório contém avanços para forçar a gestão fiscal entregar as metas, mas o "enforcement" (incentivo para atingir os objetivos) foi atenuado por esse dois dispositivos.
Pelas contas de técnicos da Câmara, porém, a ampliação de despesas na largada do arcabouço fiscal ocorreria apenas em 2024, com a incorporação dos valores extras na base. A partir daí, seriam apenas correções do valor ampliado.
O governo já está em um nível mais alto de despesas, após ter elevado em R$ 145 bilhões os gastos em 2023 com a PEC da Transição, aprovada no fim do ano passado. Com as duas brechas extras, Lula terá pelo menos três anos de seu mandato com espaço adicional para gastar.
Outras instituições financeiras, como o BTG, incorporaram em seus cálculos despesas adicionais, como o bônus de investimento em 2023, que daria cerca de R$ 23 bilhões - o que significa que as despesas extras na largada poderiam chegar a R$ 65 bilhões em 2024, nas estimativas do banco.
"Adicionalmente, foi mantido o trecho que incorpora ao teto o valor do bônus de investimento de 2023 (R$ 23 bi)", diz trecho de relatório enviado a clientes nesta quarta-feira, 17.
Compensação
O relator do texto afirma que esses mecanismos foram inseridos para compensar os efeitos da desoneração dos combustíveis no ano passado pelo governo federal, que baixaram a inflação temporariamente e afetaram o cálculo de 2023.
"No governo anterior, houve uma diminuição da receita pela desoneração dos combustíveis. Então, a receita que você está calculando de junho do ano passado a julho deste ano será impactada pela queda da receita. Além disso, houve uma deflação por conta dessa desoneração. Nós calculamos que isso daria os R$ 40 bilhões, que estamos acrescendo para o ano de 2024, na largada", disse Cajado ao Estadão/Broadcast.
A partida mais alta virou assunto entre parlamentares já na quarta-feira, 17, durante a votação do pedido de urgência. Integrantes do mercado financeiro também procuraram o relator e sua assessoria técnica para buscar detalhes sobre os trechos inseridos.
O deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), que chegou a elaborar um projeto paralelo de arcabouço fiscal, afirma que o espaço para discussão técnica diminuiu com a apresentação do relatório, uma vez que várias críticas foram sanadas, como a previsão de gatilhos para a correção de rota. No entanto, ele afirma que a Casa ainda debate reduzir a permissão de crescimento da despesa em 2024.
Até a votação do texto, prevista para a próxima quarta-feira, 24, esses temas deverão ser discutidos. Cajado afirma que recebeu pedidos de diversas bancadas, que incluem desde a previsão de convocação periódica do ministro da Fazenda para dar explicações sobre o cumprimento da meta até questões sobre como incorporar o bônus do Fundeb (Fundo de Educação Básica no limite de gastos).
"Eu vou avaliar cada uma delas, mas eu não posso dizer que eu vou acatar. Vai ser uma decisão coletiva", disse.