Rio - Desde que a 123Milhas anunciou o cancelamento dos pacotes da linhas promo, no dia 18, o assunto tem repercutido nas redes sociais. São comuns os relatos de consumidores que economizaram e pretendiam realizar viagens para comemorar datas importantes, como aniversário de casamento, por exemplo, lamentando a postura da organização e se sentindo perdidos. O DIA conversou com especialistas em Direito do Consumidor, que orientam como agir quando empresas cancelam pacotes já adquiridos.
A advogada Roberta Milanez, da Dall'Olmo Milanez Advocacia, é categórica ao afirmar que o consumidor não pode ser prejudicado pela decisão da empresa. "O Código de Defesa do Consumidor prevê que, se o fornecedor se recusar a cumprir a oferta, o consumidor poderá escolher entre exigir o cumprimento forçado da obrigação (emissão das passagens), aceitar outro produto ou serviço equivalente ou ser reembolsado pelo valor pago, devidamente atualizado. Portanto, a conduta adotada pela 123Milhas, que oferece somente a utilização de vouchers para compras futuras junto à empresa, é considerada uma prática abusiva pela legislação, porque limita a livre escolha do consumidor", explica.
O Presidente do Procon-RJ, Cássio Coelho, também alerta que toda comunicação com a empresa deverá ser registrada através de números de protocolos e e-mails, pois ajudará o consumidor caso ocorram problemas futuros.
Ainda segundo o Procon, os consumidores com viagem no período anunciado devem entrar em contato com a empresa, solicitar informações e verificar se a proposta atende para ser feita uma conciliação. Caso o consumidor não concorde com a solução apresentada, ele deve registrar uma reclamação no Procon Estadual, pois além do procedimento administrativo já iniciado, a autarquia abrirá um procedimento específico para cada consumidor. As denúncias ou reclamações podem ser enviadas pelo o site oficial da autarquia: www.procon.rj.gov.br.
Até o fechamento desta reportagem, o Procon Estadual do Rio de Janeiro havia recebido mais de mil reclamações contra a 123Milhas. Além disso, a autarquia conseguiu nesta sexta-feira (25) uma liminar que obriga a 123 Milhas a cumprir os contratos. A empresa também deverá apresentar, no prazo de cinco dias, garantias de ressarcimento dos consumidores lesados, sob pena de bloqueio do valor e da indisponibilidade do patrimônio da empresa e de seus sócios.
Na quinta-feira, 24, a 123Milhas começou a sofrer as primeiras derrotas judiciais. O Tribunal de Justiça de São Paulo determinou o bloqueio de R$ 44.358 da empresa para reembolsar a compra de cinco passagens aéreas de um cliente que tem viagem marcada para 10 de setembro.
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Pirâmides Financeiras, da Câmara dos Deputados, também aprovou na quarta-feira, 23, as quebras de sigilo bancário e fiscal da 123Milhas, além de convocar os sócios-administradores Ramiro Júlio Soares Madureira e Augusto Júlio Soares Madureira para depor.
Modelo de negócio em crise
Em abril deste ano, a Hurb se envolveu em um caso semelhante. Na ocasião, hotéis e pousadas suspenderam reservas de hospedagens feitas pela plataforma, após atrasos ou falta de pagamentos por parte da empresa. Para o coordenador do Startup Lab da ESPM, Fernando Domingues, os dois casos — Hurb e 123Milhas — têm um ponto em comum: ambas apostaram em uma estratégia arriscada para enfrentar os efeitos da pandemia da covid-19 no setor. “As duas apostaram em um retorno do mercado pós-pandemia muito aquecido. De fato, o turismo retornou mais movimentado, porém não o suficiente para dar o retorno esperado para essas plataformas de viagens”, diz.
Domingues também lembra que havia um grande expectativa de que, com a pandemia controlada, todo o setor de turismo promoveria ações para estimular o consumo. Acreditava-se que as companhias aéreas baixariam os preços das passagens, o que não aconteceu. "A Hurb e a 123Milhas têm como modelo de negócio trabalhar com preços superagressivos, apostando em um boom. Só que o setor de turismo possui uma cadeia muito complexa e muito sensível aos fatores econômicos", pontua.
Já Karine Karam, professora de pesquisa e comportamento do consumidor da ESPM, destaca que a promessa de viagem que não tem garantia de reserva gera um risco para o relacionamento com o consumidor, algo que reflete no setor. “Vive-se uma frustração do cliente e faz o consumidor desconfiar. Quando uma empresa perde a credibilidade, ela transforma todo o setor. Tem todo um efeito no mercado”, diz Karam.
Especialista em negócios e sócio-diretor da Cherto Consultoria, Américo José, engrossa o coro e também acredita que esse episódio afeta o mercado on-line como um todo. "Não é apenas a devolução do dinheiro, mas o prejuízo emocional das pessoas. Elas estavam se programando para a viagem dos sonhos e até mesmo ansiosas pelo grande dia das férias com a família. Quem vai se responsabilizar por isso? E como esse consumidor vai se programar para usar em uma outra viagem? Então é necessário ter um cuidado muito grande com esse cliente, pois isso enfraquece o sistema on-line e deixa um ponto de interrogação no mercado", afirma.
Já Vinicius Vilaça, assessor de investimentos do escritório Arcani Investimentos, recomenda cautela por parte do consumidor antes de efetuar uma compra on-line. "Sempre sugiro que a pessoa que está pesquisando seja um pouco mais tradicional. Mesmo que ela não consiga o melhor negócio do mundo, ela não vai correr riscos de comprar algumas enrascadas. Então, quando eu digo ser mais tradicional, é em relação às ferramentas de busca. Eu, por exemplo, gosto de usar alguns comparadores. Mas gosto também de entrar nos sites de cada uma das companhias, dar uma olhada nos preços, porque, comprando no site da própria companhia, a sua chance de erro é zero", aconselha.
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