Fabiano Gonçalves, presidente da Federação da Câmara dos Dirigentes Lojistas do Rio de JaneiroDivugação

Em agosto deste ano, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, criticou a modalidade de parcelamento sem juros no crédito (PSJ). Ele chegou a argumentar que este é um dos grandes motivos para a inadimplência no país. O economista também citou que não há uma solução definida para a questão. As declarações foram encaradas com temor pelos micro e pequenos empreendedores.
Muitos destes empreendedores consideram o pagamento parcelado no cartão crédito importante para seus negócios. De acordo com uma pesquisa da SumUp, o número chega a 54% das pessoas destas categorias.
“Os dados do levantamento mostram como as compras parceladas são importantes para a economia brasileira como um todo, pois contribuem para as vendas dos micro e pequenos negócios e democratizam o acesso ao consumo de bens ou serviços mais caros, como, por exemplo, viagens aéreas ou eletroeletrônicos”, afirma Evelyn Bueno, diretora jurídica da empresa.
O DIA entrou em contato com empresários para dimensionar o impacto de uma mudança como essa. Julia Araújo, de 26 anos, que possui uma loja física de biquínis e atua também com vendas pela internet, disse que a possibilidade de mudança na forma de pagamento a preocupa. Ela revelou que grande parte de suas vendas é proveniente de compras parceladas no cartão de crédito.
''Em uma média de 150 vendas, 40% dos consumidores da minha loja optam pelo parcelamento em até três vezes sem juros. Sem o parcelamento sem juros, o faturamento diminuiria bastante'', garantiu.
Julia Araújo, dona de loja de biquínis - Arquivo Pessoal
Julia Araújo, dona de loja de biquínisArquivo Pessoal
Bárbara Sirino, de 39 anos, proprietária de uma clínica de estética em Maricá, também citou a importância do parcelado sem juros para o seu negócio.
''Muitas pessoas utilizam o parcelamento sem juros para adquirir serviços de valor mais alto, algo que não poderiam se não fosse a opção do parcelamento. Utilizo essa modalidade para os serviços de valor mais alto, o que representa em média 30% do valor dos meus rendimentos'', revelou. 
'Contrários', mas sem temor
O presidente da Federação da Câmara dos Dirigentes Lojistas do Rio de Janeiro, Fabiano Gonçalves, garante que todo o setor de comércio e serviço é contrário a essa medida.
''Posso afirmar que o setor do comércio e serviço é totalmente contrário, até porque quem arcaria com isso somos nós, os lojistas. Somos veementemente contrários a essa interferência por parte do Banco Central'', frisou.
Gonçalves, no entanto, demonstrou tranquilidade de que esta ideia não irá adiante. Ele atribui o posicionamento de Campos Neto a uma disputa com os demais bancos que atuam no País.
''Estamos convencidos de que esta fala do presidente do Banco Central é, de certa forma, uma 'queda de braço' com os bancos, que não querem abaixar o juros do rotativo. Nós temos certeza que não vai ter essa alteração na política de parcelamento'', afirmou.
Fabiano Gonçalves, presidente da Federação da Câmara dos Dirigentes Lojistas do Rio de Janeiro - Divugação
Fabiano Gonçalves, presidente da Federação da Câmara dos Dirigentes Lojistas do Rio de JaneiroDivugação
O Sebrae, assim como o representante do CDL no Rio de Janeiro, também se posicionou contra qualquer alteração nesta modalidade de pagamento. A entidade entende que isso prejudicaria os comerciantes de duas maneiras distintas.
''A primeira, e mais óbvia, é o impacto que o fim do parcelamento acarretaria sobre a decisão de consumo dos brasileiros que têm nas compras a prazo no cartão um dos meios mais utilizados na aquisição de produtos e serviços'', afirma o Sebrae quando questionado pela reportagem.
O segundo motivo é que, de acordo com pesquisas realizadas pela instituição, ''50% dos empreendedores no país usam o parcelamento no cartão de crédito como alternativa de financiamento do próprio negócio''. 
Febraban e operadoras de 'maquininhas' não aprovam medida
A rejeição à medida também se estende para Federação Brasileira de Bancos (Febraban). A entidade afirmou que nunca defendeu o fim do parcelado sem juros nem tampouco substituir essa modalidade de compra pelo parcelado com juros.
''Defendemos abertamente um modelo sustentável de financiamento do consumo para o cliente, que precisa ter alternativas que evitem a ciranda financeira do empilhamento do parcelado das compras'', disse a federação por meio de nota enviada a O DIA. A federação também garantiu que o alto valor dos juros do rotativo não é decorrente de parcelamentos sem juros.
''Apresentamos ao Banco Central e ao Ministério da Fazenda um diagnóstico que aponta que o subsídio cruzado crescente entre os financiamentos com juros e os sem juros nas compras com cartão contribuem significativamente para os altos juros do rotativo''.
Da mesma forma, a PagBank, que administra máquina de cartões que intermediam as operações, se posicionou a favor da manutenção da modalidade de parcelamento sem juros. A empresa disse seguir o posicionamento da Associação Brasileira de Internet (Abranet).
A Abranet afirmou ser contra o limite do parcelamento sem juros. "Muitas vezes, o parcelado é a única opção de consumo de grande parte da população, e é a linha de crédito mais barata para o lojista: as taxas são inferiores a 20% ao ano, 22 vezes menor que os 446% do rotativo de cartões", disse a associação em carta enviada ao Banco Central.
A reportagem entrou em contato as fintechs Nubank e a Picpay para representar entender o posicionamento das empresas. Ambas, no entanto, optaram por não se manifestar diante da polêmica.
O DIA também tentou contato com a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços. No entanto, não houve resposta aos questionamentos sobre o posicionamento da entidade.
Juros do rotativo
O juro rotativo é uma modalidade de taxa que ocorre quando o titular do cartão de crédito não paga o valor total da fatura até a data de vencimento. Em vez de liquidar o saldo integral, o titular pode optar por pagar apenas uma parte do valor devido, deixando o restante como saldo pendente para o próximo mês.

Quando isso acontece, os juros rotativos entram em cena. Eles são aplicados sobre o saldo remanescente não pago na fatura anterior, e essa taxa de juros geralmente é elevada.
Relembre
Em agosto de 2023, o presidente do Banco Central, Campos Neto, fez críticas ao parcelamento sem juros no cartão de crédito (PSJ), insinuando possíveis mudanças no sistema. A situação gerou uma série de repercussões negativas.
Ainda no mês de agosto, Campos Neto disse que nunca propôs o fim da modalidade, mas sim criar ''desincentivos'' para ela. Ele afirmou, na época, que não tem solução tomada para a questão. A reportagem entrou em contato com o Banco Central para entender o atual posicionamento da entidade, mas não obteve resposta.
O Ministério da Fazenda realizou entrevista coletiva na tarde da última quarta-feira (6). Em dado momento, o tema foi citado e o secretário de Reformas Econômicas, Marcos Barbosa Pinto, desconversou quando questionado sobre o novo acordo envolvendo os parcelamentos no crédito.
''A Fazenda não tem visão sobre o assunto. A lei diz que os emissores vão fazer uma proposta de autorregulação, encaminhar essa proposta ao Banco Central. A partir daí, o Banco Central vai trazer esse assunto ao Conselho Monetário Nacional. O assunto não chegou até o Conselho Monetário Nacional. Então a discussão está ocorrendo nesse momento entre os emissores, que levarão suas propostas de acordo ao Banco Central'', disse.
Entretanto, também no mês de agosto, o ministro Fernando Haddad havia dado uma declaração a favor da manutenção do parcelamento sem juros.
“O parcelado sem juros responde hoje por mais de 70% das compras feitas no comércio. Temos que ter muito cuidado para não afetar as compras do comércio e não gerar um outro problema para resolver o primeiro”, afirmou o ministro.