Tempo médio de espera para concessão de algum benefício é de 56 diasEstefan Radovicz / Agencia O Dia

Rio - Brasileiros que buscam se aposentar ou receber algum tipo de benefício da previdência precisam ter uma boa dose de paciência. Há anos, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) tem dificuldades para processar o grande número de requerimentos que chegam diariamente — o que tem causado extensas filas de espera. Apesar dos esforços do governo federal para reduzir o número de pedidos em espera, a instituto encerra o ano com 1.635.105 pessoas no Brasil aguardando o processamento. Já no Estado do Rio, 87 mil contribuintes continuam esperando meses a fio.
A diarista Virgínia de Souza, de 36 anos, espera há quase um ano pelo salário-maternidade do INSS após o nascimento do seu filho, hoje com dez meses. O pedido foi feito poucas semanas antes de a criança nascer, mas foi negado por falhas no Meu INSS, o que a impediu de enviar os documentos.
Com o filho recém-nascido, recorreu ao atendimento presencial em agência da Previdência, na Zona Norte do Rio, onde mora. Lá, foi orientada a recorrer da negativa, mas até agora o pagamento não foi liberado.
"Tive que parar de trabalhar nos primeiros meses de vida do meu filho, fiquei sem dinheiro e tive que pegar emprestado. É muito difícil ter um direito nosso negado, e por falhas deles. Sempre contribui certinho, nunca deixei atrasar um mês e quando eu mais precisei, não pude contar", relata.
O carioca João Batista, 65 anos, também vive meses de agonia. Motorista de caminhão, ele conta que desenvolveu problemas de coluna e teve que abandonar a profissão. Hoje vive com a ajuda dos filhos, à espera da concessão da tão sonhada aposentadoria.

"Eu amo trabalhar, fiz isso a minha vida toda. Desde novinho já carregava frutas e verduras com o meu pai. Herdei essa vontade dele. Mas chega um momento da vida que a gente tem que reconhecer que não dá mais. Preferia continuar fazendo o meu dinheiro e não depender da autorização de gente que nem me conhece, que não sabe da minha história para permitir que eu ganhe o que é meu", reclama.
Hoje ele vive no interior do Estado com os filhos, onde o custo de vida é menor que na capital. "Estão lá, os documentos mostrando que sempre fui contribuinte, os papéis mostrando que estou com problemas de saúde. Eles querem que a gente viva de quê? O que mais posso fazer para conseguir receber? Agora tenho que ficar vivendo da ajuda dos meus filhos. Isso não é justo com eles", lamenta Batista.
 
O carioca João Batista, 65 anos, também vive meses de agonia à espera da aposentadoria - Gabriel Carvalho
O carioca João Batista, 65 anos, também vive meses de agonia à espera da aposentadoriaGabriel Carvalho
 
Número de requerimentos continua alto
Nos cinco estados com maior quantidade de pessoas na fila, entre agosto e setembro, apenas no Rio o número caiu. Comparado com o mesmo período de 2022, ele está abaixo — mas, em relação a dezembro, a quantidade pouco se alterou.
- Agosto 2023 — O estado de São Paulo possuía a maior fila, com 208 mil à espera, a frente de Minas Gerais (156 mil), Bahia (138 mil), Ceará (122 mil) e o Rio de Janeiro (102 mil).
- Setembro de 2023 — São Paulo continua com o índice alto, com 211,5 mil à espera, a frente de Minas Gerais (145,9 mil), Bahia (136,9 mil), Ceará (124,6 mil) e o Rio de Janeiro (87 mil).
- Dezembro de 2022 - O Rio registrava quase 95 mil pessoas na fila de espera, encerrando o ano com uma redução de quase 6,5 mil pessoas, com 88,5 mil aguardando resposta ao pedido.
 
Não há dados atualizados referentes a outubro, novembro e dezembro de 2023, por isso, as comparações são feitas entre setembro de 2022/2023 e dezembro de 2022.

De acordo com o Portal da Transparência Previdenciária, até agosto, 60% dos pedidos estavam na fila há mais de 90 dias. Segundo o Ministério da Previdência, 38% aguardavam de 0 a 45 dias; 22%, de 45 a 90 dias; de três meses a seis estão 23%; de seis a 12 meses, 15%; e 2% esperavam há mais de um ano.

Já em setembro, 24,3% pedidos estão na fila há mais de 90 dias. O número de requerimentos de 0 a 45 dias subiu e está a 55%; 20,7% 45 a 90 dias; de três meses a seis estão 15,2%; de seis a 12 meses, 7,5%; e que esperam há mais de um ano caiu para 1,6%.
 
O número de contribuintes à espera de perícia médica também caiu de agosto (637.427) para setembro (624.002) deste ano. O mesmo aconteceu com os pedidos em fase de análise administrativa. Cerca de 1.054.210 processos estavam em fase de espera em agosto. Já em setembro, eram 999.263.
 
Além disso, mais pedidos foram concedidos em agosto (571 mil) do que em setembro (561 mil). Ainda conforme os dados do ministério, hoje são mais de 38 milhões de segurados aptos a receber algum benefício, com 55 milhões de contribuintes.
 
No Estado, quase 35 mil pessoas vão terminar o ano com os pedidos aguardando perícia médica ou em fase administrativa. Já à espera do resultado da tão sonhada aposentadoria são mais de 13 mil.

No Benefício Assistencial à Pessoa com Deficiência são 21,9 mil requerimentos, entre os outros tipos de pedidos (salário-maternidade, pensão por morte, auxílio-reclusão, entre outros) o total fica acima mais de 17 mil.

Segundo o Ministério da Previdência, o tempo médio de espera para concessão de algum benefício de setembro e outubro era de 57 dias. Em novembro,  caiu para 56 dias em todo o país. Em 2022, o tempo médio era de 76 dias.
 
Em nota enviada ao O Dia, a pasta explicou que a fila "não será zerada porque mensalmente entram um milhão de requerimentos no INSS". O ministério ainda salienta que o instituto tem como meta chegar aos 45 dias de tempo de análise.
 
"O instituto ressalta que tem adotado diversas estratégias para reduzir o tempo de espera do cidadão, entre elas estão o PEFPS; os mutirões de Serviço Social nos fins de semana; o apoio aos mutirões da Perícia Médica Federal; os mutirões administrativos; os seis pólos de análise dedicados ao combate à fila e a capacitação teórica e prática dos novos servidores", disse a Superintendência Regional Sudeste III do INSS por meio de nota.
 
O ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, disse recentemente que, até dezembro de 2024, a pasta pretende atender a todos os pedidos de benefícios em um prazo máximo de 30 dias — a legislação prevê que o atendimento aconteça em até 45 dias.
 
"Eu sou um pouco ousado. Pretendo que, no ano de 2024, tenhamos todos numa fila de 30 dias. Até o final do ano que vem. Para isso, a gente está fazendo uma série de medidas", afirmou.
 
Programa para redução da fila

Em meio ás fortes cobranças do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o INSS lançou em julho o Programa de Enfrentamento à Fila da Previdência Social (PEFPS), com o objetivo de reduzir o tempo de análise de pedidos na fase de análise administrativa — quando os servidores do órgão verificam o cumprimento de requisitos de cada benefício e a documentação apresentada. A ação prevê o pagamento de adicional aos servidores.
 
O bônus de produtividade já foi posto em prática em 2019 para reduzir as filas na concessão de aposentadorias, pensões e auxílios. Com o aumento do tempo de espera dos processos nos últimos meses, o atual governo decidiu retomar a prática.
 
Segundo o INSS, desde o início do PEFPS, 170 servidores do órgão no Estado analisaram e concluíram os processos do programa. Os servidores recebem R$ 68 por tarefa; e os médicos ganham R$ 75 por perícia realizada. Já no Brasil, 4.262 profissionais estão no programa para reconhecimento inicial de direitos.
 
Com o grande volume de requerimentos, o instituto resolveu aumentar de seis para 15 o número máximo de processos extras por dia por funcionário. O programa durará nove meses, prorrogáveis por mais três.
 
Para Cristiano Machado, diretor da Secretaria de Formação Política e Sindical da Federação Nacional de Sindicatos de Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social (FENASPS), o pagamento adicional aos servidores não surtiu o efeito esperado pela direção do instituto. Ele ainda aponta que é preciso realizar concursos públicos e ter mais servidores trabalhando nas agências.

"A gente vai terminar o ano em torno de 300 mil processos a mais que tinha no ano passado. Isso demonstra que a política de bônus, de produtividade e salário variado que são impostas para os servidores e as pressões por metas não surtiram o resultado que o INSS previu. Isso porque a gente teve uma redução brutal no quadro de servidores nos últimos anos. Perdemos aí em torno de 50% da nossa força de trabalho", aponta.

"Nós temos menos de 20 mil servidores ativos. Houve algumas contratações aí no último período, mas ainda insuficiente, são 23 mil cargos vagos. Não há órgão público que se sustente com uma redução tão grande do quadro de servidores. Para reduzir esse números, é necessário a realização de concursos públicos e ter mais servidores para a análise", acrescenta o diretor.

Em mais uma tentativa de tentar diminuir a fila e evitar fraudes, o o presidente do Instituto Nacional de Seguro Social, Alessandro Stefanutto, anunciou que a autarquia vai utilizar inteligência artificial. 
 
"A inteligência artificial é uma necessidade. O médico perito não tinha um banco de dados para comparar a letra do atestado, saber se fugia do padrão. A inteligência artificial vai sendo alimentada e consegue comparar estes padrões", aponta.
 
Além disso, o próximo passo para agilizar a concessão do auxílio-doença é a implantação do atestado eletrônico — que acontece no âmbito do Ministério da Saúde e que tem o INSS como "entusiasta".

"Com o atestado eletrônico, o auxílio-doença vai ser entregue em minutos. A pessoa sai da sala do SUS [Sistema Único de Saúde], entra no aplicativo ou vai na agência, nosso sistema já busca no DataSUS, e o benefício é rapidamente concedido", indica.
 
Mas Cristiano Machado, diretor da Secretaria de Formação Política e Sindical da FENASPS, indica que recursos como a análise automática podem não ser a solução, desconsiderando a realidade do trabalhador brasileiro, o que pode acarretar problemas futuros.

"A análise automática tem um problema. Não é ser contra as tecnologias, mas isso depende de ter parâmetros mais precisos no sistema, o cadastro estar em ordem, as contribuições dos segurados estarem todas em ordem, os salários, os vínculos e não é a realidade do trabalhador brasileiro. As pessoas trabalham em vínculos que muitas vezes não houve contribuição. Às vezes elas não têm carteira de trabalho, aquilo não é registrado. Enfim, essa análise não depende apenas de uma inteligência artificial; depende de ter uma conversa, um servidor de carreira que conheça a realidade do segurado, considerando como é a vida laboral do trabalhador brasileiro e as suas contribuições para a previdência. Ainda não é algo simples", afirma.
 
"Nós defendemos a necessidade da recomposição do quadro de funcionários do INSS. Temos discutido com o Ministério do Trabalho a retomada do atendimento presencial das agências, para melhorar esse quadro, para que seja dado a entrado no benefício já com o processo bem instruído", disse.
 
Ele ainda alerta que a federação não é contra os canais digitais de atendimento, desde que sejam um mecanismo que amplie o acesso da população à previdência, mas não substituindo totalmente o presencial. "A análise automática, ou faz a concessão errada ou faz o procedimento errado e tem que fazer a revisão", conclui o diretor da Secretaria de Formação Política e Sindical.