O cartão de crédito é o principal instrumento de pagamento e acesso ao consumo do brasileiro, segundo a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs). No entanto, os gastos acima da capacidade do orçamento familiar e parcelamentos muito longos colocam em risco as finanças pessoais. Os consumidores precisam ter cautela ao usar o cartão de crédito. Isso porque a modalidade de pagamento representa uma das principais causas de endividamento no País. De acordo com dados do último Mapa da Inadimplência, do Serasa, quase 30% das dívidas dos brasileiros estão relacionadas ao uso incorreto do cartão.
Segundo o Serasa, o segmento de bancos e cartões de crédito representa a maior parcela do endividamento dos inadimplentes brasileiros. Em fevereiro, 29,27% de todas as dívidas são de cartões de crédito, em linha com o mês anterior, seguido por utilities ou contas básicas (22,7%) e as financeiras (17,2%) — empresas de crédito que não são bancos. Entretanto, o percentual de famílias com dívidas caiu e atingiu 28,1% em fevereiro, a quinta redução seguida desde setembro de 2023, quando o indicador estava em 30,2%, e o menor nível desde março de 2022 (27,8%). Os dados fazem parte da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), divulgada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).
Cerca de 40% da população que possui um cartão de crédito utiliza-o para pagar contas do dia a dia, como compras em supermercado e farmácia, além das despesas básicas de água, luz e gás, conforme dados do Serasa. Para o gerente do Serasa Crédito, Lucas Barleta, o problema reside no fato de que o limite disponível no cartão muitas vezes é encarado como um valor adicional ao orçamento mensal dos brasileiros. “Nesse cenário, se o consumidor está pegando um valor para complementar a renda e usando esse valor para pagamento de contas recorrentes, ele sempre vai precisar desse incremento de renda e não terá a renda possível para fazer o pagamento em dia”, explica Barleta.
De acordo com o educador financeiro e diretor da Multimarcas Consórcios, Fernando Lamounier, o erro do consumidor está em agir impulsivamente, sem considerar a perspectiva de longo prazo da dívida. “A falta de conscientização de finanças na realidade do brasileiro abre brechas para gastos desnecessários”, explica. “As pessoas vêm utilizando o cartão de crédito para compras do dia a dia e a capacidade de parcelamento levou-as a acreditar que ao dividir uma compra a dívida fica menor, quando na realidade, antecipa as dívidas do próximo mês”, completa Lamounier.
O descontrole com o uso do cartão de crédito pode resultar em uma dívida bem acima da capacidade de pagamento do consumidor, a ponto de comprometer a sua qualidade de vida. Quem não quita a fatura no prazo corre o risco de ter o nome negativado, o que dificulta o acesso a outras modalidades de crédito, como financiamentos e empréstimos. O Serasa Score, que mede a confiabilidade do consumidor, também tende a cair, reduzindo as chances de acessar crédito no mercado.
Outro desafio comum enfrentado pelos consumidores ao lidar com o cartão de crédito é a tentação de gastar mais para aproveitar os benefícios oferecidos pelos programas de recompensas. Márcia Barbosa, arquiteta aposentada, revela que sua estratégia de compras se baseia principalmente no uso do cartão para acumular pontos. No entanto, essa prática resultou em faturas mais altas do que o esperado, levando-a a ficar no limite especial.
"Eu não consigo controlar meus gastos com o cartão, porque acabo gastando mais do que deveria só para acumular pontos", disse Márcia. "Não uso débito nem dinheiro, por isso minhas faturas são altas e sempre fico no especial", completa. Essa prática pode levar a um ciclo vicioso, especialmente quando não há controle rigoroso dos gastos e uma compreensão clara dos limites financeiros pessoais.
Apesar disso, Márcia sempre se manteve em dia com o pagamento de suas faturas e tem um planejamento específico para lidar com os pagamentos do cartão. Ela possui três cartões de bancos diferentes, que usa de maneira estratégica para fazer compras por 10 dias em cada cartão sem cobrança de juros no cheque especial. Assim, ela pode liquidar o pagamento do cartão e receber o valor no mesmo banco, garantindo um fluxo financeiro mais estável e organizado.
Como usar o cartão de forma inteligente
Para evitar problemas financeiros, é fundamental adotar práticas inteligentes ao lidar com o cartão de crédito. Especialistas e entidades reguladoras dão dicas para utilizar o cartão de forma consciente:
1. Aproveitando os recursos adequadamente:
Raquel Pinto Viana Barbosa, consultora de Meios de Pagamento da Sicredi, destaca que o cartão oferece uma variedade de recursos que podem ser vantajosos se utilizados de maneira adequada. Programas de recompensas, segurança nas transações, acumulação de milhas aéreas, seguros e cashback são apenas alguns exemplos desses benefícios. Além disso, o cartão permite um melhor controle dos gastos, uma vez que todas as despesas são detalhadas na fatura, permitindo que o usuário acompanhe suas despesas de forma online ou mensalmente.
2. Planejando o orçamento mensal:
A Associação Brasileira de Profissionais de Educação Financeira (Abefin) orienta os consumidores a planejarem seus orçamentos mensais, levando em consideração os gastos fixos e variáveis, as receitas e as reservas para emergências. Dessa forma, é possível evitar ultrapassar o limite do cartão e comprometer a renda futura. Também é recomendável acompanhar regularmente o extrato do cartão e revisar as compras efetuadas para evitar riscos e adquirir itens desnecessários.
3. Evitando o Crédito Rotativo:
Fernando Lamounier alerta para a modalidade de crédito rotativo oferecida aos clientes de cartão de crédito que não conseguem quitar a fatura integralmente. Ele explica que essa opção possui taxas de juros muito elevadas e pode levar ao superendividamento. Lamounier enfatiza que é crucial evitar essa modalidade e, caso seja utilizada, optar pelo pagamento à vista para evitar a incidência de juros.
Mudanças no rotativo
Sobre o impacto das mudanças nas regras do rotativo do cartão de crédito nos índices de inadimplência, Lucas Barleta, gerente do Serasa Crédito, explicou que a imposição de um teto no uso do rotativo pode proporcionar aos consumidores uma maior capacidade de pagamento para quitar seus compromissos. No entanto, ele ressalta que essa não é uma mudança de curto prazo, pois muitos consumidores possuem várias dívidas em diferentes segmentos.
De acordo com o mais recente Mapa da Inadimplência da Serasa, os inadimplentes têm cerca de 4 dívidas em média. Portanto, a expectativa é que o indicador de usuários inadimplentes por conta do cartão de crédito comece a diminuir gradualmente ao longo do tempo, à medida que as mudanças nas regras do rotativo surtam efeito.
* Reportagem da estagiária Júlia Sofia, sob supervisão de Marlucio Luna
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