Ministro da Fazenda, Fernando HaddadAFP
O arcabouço fiscal autoriza o governo a abrir um crédito de R$ 15,7 bilhões em 2024 para gastos extras caso a projeção de receita para o ano seja mais elevada do que o inicialmente estimado. Atualmente, essa despesa só pode ser feita após o fim de maio e precisa ser aprovada pelo Congresso. Um projeto aprovado pela Câmara na semana passada, porém, antecipa essa possibilidade e autoriza o governo Lula a gastar esse dinheiro imediatamente por decreto, sem aprovação do Legislativo.
O gasto extra em 2024 pode virar permanente e entrar no Orçamento de 2025. Mas, se a arrecadação for menor do que o esperado atualmente, o gasto precisa ser cortado no ano que vem, de acordo com a lei atual do arcabouço.
Margem
O projeto aprovado pela Câmara abre margem para que essa "punição" seja vetada ou simplesmente ignorada e gerou preocupação no mercado financeiro. A antecipação foi aprovada por meio um "jabuti" - medida estranha ao projeto original - presente no texto que tratava da volta do seguro obrigatório veicular, anteriormente conhecido como DPVAT.
O projeto da LDO mantém a possibilidade do gasto extra em 2025, facilitando o uso do recurso ao colocá-lo no Orçamento, mas prevê uma trava a mais para o uso do dinheiro no ano que vem.
O governo não incluiu o valor no cálculo do limite de despesas do Orçamento de 2025. Além disso, o montante só poderá ser usado se o crescimento da arrecadação de 2024 for igual à estimativa que justificou o gasto extra neste ano - o que só poderá ser comprovado no fim de janeiro de 2025. Caso o governo não consiga aumento de arrecadação, o dinheiro não poderá ser utilizado.
O potencial de efeitos do dispositivo, no entanto, é limitado. A medida permite que o gasto seja incluído no Orçamento, ainda que fique na dependência de arrecadação, e facilita o uso do dinheiro sem necessidade de aprovar um novo projeto no Orçamento para colocar esse gasto nas contas em 2025, favorecendo o governo caso ele queira elevar gastos no próximo ano.
Além disso, a trava é opcional e terá de ser confirmada pelo Executivo no envio do projeto de Orçamento para 2025, que deve ser encaminhado para o Congresso no fim de agosto, e na aprovação da peça orçamentária pelo Legislativo, com previsão para dezembro. O texto do projeto da LDO esclarece que os recursos "poderão" ser condicionados à comprovação de arrecadação, ou seja, o dispositivo não é obrigatório, mas sinaliza um caminho traçado pela equipe econômica.
Ao enviar o projeto da LDO, o governo justificou a proposta por escrito. Texto assinado pela ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, diz que a medida foi elaborada para dar transparência e previsibilidade ao Orçamento em 2025.
Em resposta à reportagem, o Ministério do Planejamento e Orçamento afirmou que o dispositivo está em linha com o arcabouço fiscal. "O art. 14 da LC 200/2023 (lei do arcabouço) dispõe que o acréscimo do limite na base de 2025 depende de verificação da receita realizada em 2024, o que não estará encerrado quando do envio do PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual). Dessa forma o mecanismo prevê a possibilidade de estimar esse espaço e utilizá-lo no PLOA, condicionado à sua real apuração."
"O problema foi antecipar os R$ 15,7 bilhões em 2024. A antecipação mostra que não existe nenhum esforço para evitar o aumento de gastos. Se o objetivo é esse, qualquer buraco que o governo consiga encontrar na legislação para gastar, ele vai tentar, mesmo condicionando à receita", avalia o economista-chefe da Genial Investimentos, José Márcio Camargo.
O projeto não mexe nos R$ 15,7 bilhões que poderão ser gastos em 2024, pois a LDO trata somente das regras de 2025. O que pode acontecer é o dispositivo ser alterado no Congresso. Se o jabuti aprovado na Câmara for aprovado no Senado e sancionado pelo presidente Lula, alterando a lei do arcabouço, os parlamentares teriam uma justificativa para alterar o projeto da LDO de 2025 e manter o gasto extra sem amarras no próximo ano.
Conforme o Estadão mostrou, os "furos" no arcabouço fiscal começaram mais rapidamente do que os dribles feitos no antigo teto de gastos. Desde que a nova âncora fiscal foi aprovada, em agosto do ano passado, R$ 28 bilhões em despesas foram retiradas dos limites de gastos vigentes em 2023 e 2024.
Ao falar sobre o jabuti aprovado pela Câmara, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, afirmou que a equipe econômica acompanhou a negociação da proposta e agiu para preservar a espinha dorsal do arcabouço. Ele refutou as avaliações de que a flexibilização fragiliza a regra fiscal.
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