Presidente do Banco Central, Roberto Campos NetoFabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil
Cenário prospectivo de inflação se tornou mais 'desafiador', afirma Campos Neto
Segundo presidente do Banco Central, indicadores macroeconômicos seguem consistentes com um cenário de resiliência
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, destacou nesta quarta-feira, 15, que os indicadores macroeconômicos seguem consistentes com um cenário de resiliência. "Em relação ao comportamento da inflação, observa-se a manutenção da trajetória de desinflação da inflação cheia ao consumidor", disse durante a Conferência Anual do Banco Central do Brasil, em Brasília, adicionando, porém, que o cenário prospectivo para a inflação se tornou mais "desafiador".
Os dados referentes à inflação corrente, de acordo com ele, se mostraram benignos, tanto na inflação cheia quanto nos núcleos de inflação. Campos Neto ressaltou, porém, que, após uma sequência de surpresas altistas, notou-se arrefecimento dos núcleos de inflação, embora sigam em níveis acima da meta.
"Apesar disso, há preocupação com a inflação de alimentos no curto prazo e com o papel da inflação de serviços", considerou Campos Neto, acrescentando que as inundações no Rio Grande do Sul, além dos seus impactos humanitários, terão desdobramentos econômicos que requerem acompanhamento
O presidente do BC citou que há também um debate sobre a possível transmissão do aperto verificado no mercado de trabalho para salários e preços, especialmente a inflação de serviços, e seus impactos na trajetória prospectiva de inflação. "Uma evidência preliminar é a inflação nos serviços intensivos em trabalho, que tem se mostrado persistentemente acima do nível compatível com o cumprimento da meta", disse. "Nossa avaliação é que o cenário prospectivo de inflação se tornou mais desafiador, com o aumento das projeções de inflação de médio prazo, mesmo condicionadas em uma taxa de juros mais elevada", continuou.
Campos Neto comentou também que observaram-se surpresas benignas no período recente, mas também elevação das projeções de prazos mais curtos, envolvendo preços livres e administrados. "Além disso, as expectativas de inflação dos agentes de mercado permanecem desancoradas", evidenciou, enfatizando que as projeções para 2024 e 2025, assim como as inflações implícitas, mostraram piora nas últimas leituras.
O BC também tem acompanhado os desenvolvimentos recentes da política fiscal e seus impactos sobre a política monetária, segundo ele. "O BC reafirma que uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária."
Assim como já estava na ata publicada na terça-feira, Campos Neto ressaltou que, ainda que as projeções de resultado primário e de trajetória da dívida não tenham se alterado significativamente, observou-se, no período recente, um aumento do prêmio de risco e uma percepção de piora da situação fiscal, de acordo com os agentes que respondem o Questionário Pré-Copom.
Também repetindo o documento, o presidente do BC disse que, em sua última reunião, o Comitê de Política Monetária (Copom) debateu possíveis motivos da recente desancoragem das expectativas de inflação, listando como principais fatores: a piora do cenário externo; os recentes anúncios de política fiscal; e a percepção de agentes econômicos acerca do compromisso da autoridade monetária com o atingimento da meta ao longo dos anos.
"De forma mais relevante, o Copom unanimemente avalia que se deve perseguir a reancoragem das expectativas de inflação independentemente de quais sejam as fontes por trás da desancoragem ora observada", afirmou Campos Neto, acrescentando que essa reancoragem é vista como elemento essencial para assegurar a convergência da inflação para a meta.
Meta de inflação
O presidente do Banco Central disse ainda que, em política monetária, não deve haver discussão sobre centro ou banda da meta de inflação. "O debate de política monetária não deveria falar de centro e banda, nossa meta é 3% e deveríamos perseguí-la", afirmou.
Ele destacou um momento específico da sua fala para fazer apontamentos sobre a última decisão do Copom, que decidiu diminuir o ritmo de corte da Selic e reduziu a taxa básica de juros em 0,25 ponto porcentual, de 10,75% para 10,50% ao ano. Ele explicou que a ata, divulgada na terça-feira, mencionava as condicionantes para o guidance - em março, o colegiado havia indicado que continuaria com o corte de meio ponto porcentual, o que acabou não ocorrendo diante das mudanças de cenário.
"O debate (na reunião do Copom) foi sobre a validação dos condicionantes, a graduação", disse Campos Neto.
Ele pontuou que, no cenário externo, houve o entendimento de que a taxa terminal havia piorado e que no âmbito doméstico, há risco de elevação da inflação de alimentos e também pressão por causa do petróleo. Ele observou que as expectativas, implícitas e as registradas no relatório Focus, vinham piorando.
"Decidimos reconhecer que as expectativas estavam desacordadas, e não com ancoragem parcial", disse. Além dos debates sobre elevação de risco na parte longa da curva de juros, também foram observados pontos sobre a credibilidade do arcabouço fiscal e os impactos na política monetário.
Ele reiterou que o debate no Copom foi centrado em argumentos técnicos e que o entendimento da maioria do colegiado é de que as alterações no cenário foram relevantes para reduzir o ritmo de cortes. Ele acrescentou, ainda, que havia integrantes do grupo que viram motivos para modificar o balanço de riscos do Copom - o que acabou não ocorrendo.
O presidente do BC também reforçou que a reancoragem das expectativas é vista como elemento essencial para convergência da inflação à meta e que o Copom concluiu unanimemente pela necessidade de uma política monetária mais contracionista e cautelosa.
Ambiente externo adverso
Campos Neto frisou que a conjuntura macroeconômica atual é marcada pelo ambiente externo mais adverso, por causa da incerteza elevada e persistente em relação ao início da flexibilização da política monetária nos Estados Unidos e à velocidade de queda da inflação de maneira sustentada em diversos países.
Ele frisou que o risco de maior resiliência da inflação de serviços e núcleos demanda cautela, e que há ameaças à continuidade do processo de desinflação global.
Outra observação feita pelo presidente da autoridade monetária foi em relação aos mercados de trabalho globais, que apresentam pouco ou nenhum afrouxamento.
No âmbito doméstico, ele citou a situação do Rio Grande do Sul como exemplo de eventos climáticos extremos que estão mais frequentes e, além dos impactos humanitários, afetam toda a cadeia produtiva.
Campos Neto agradeceu aos funcionários do BC, que ajudaram a organizar a conferência.
Cenário nos EUA
O presidente do BC ainda avaliou que os passos para a condução da política monetária dos Estados Unidos estão abertos e repetiu que não há relação mecânica entre a dinâmica dos juros norte-americanos e no Brasil.
Ele pontuou que nos Estados Unidos a dificuldade de responder ao questionamento sobre fatores que contribuirão para a queda da inflação reforçou o cenário de maiores custos para esta redução e a necessidade de cautela na condução da política monetária.
"As expectativas do mercado relativas ao processo de distensão monetária têm apresentado grandes oscilações, sugerindo um cenário mais aberto sobre os próximos passos na condução da política monetária nos Estados Unidos. Para além do cenário mais aberto, também houve uma reprecificação do ciclo de cortes pelo Fed, com redução de sua extensão e postergação de seu início", disse Campos Neto.
Para o presidente do BC, além da indefinição sobre o ciclo contracionista da política monetária, há preocupação com a condução da política fiscal também em países avançados. Por isso, esse cenário representa maior risco para os países emergentes, principalmente pela chance de forte reprecificação de ativos.
"Embora esses países estejam mais bem preparados para enfrentar choques externos, o impacto de uma reprecificação global mais acentuada poderia ser significativo. Esse cenário fortalece a importância de maior cautela na condução da política monetária doméstica, devido à possível ocorrência de movimentos mais abruptos no cenário prospectivo", disse Campos Neto.
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