Brasil gerou 2,4 milhões de toneladas de lixo eletrônico em 2022, mas apenas 3% foi descartado de forma corretaCircoola / Luan Dutra
A falta de informação e a escassez de pontos de coleta são alguns dos principais obstáculos para o descarte correto. Robson Esteves, presidente da Associação Brasileira de Reciclagem de Eletroeletrônicos e Eletrodomésticos (Abree), reforça que a baixa adesão da sociedade à cultura do descarte correto torna o trabalho de conscientização fundamental.
Enquanto o PNRS estabelece metas progressivas para a reciclagem — como a coleta de 17% dos produtos eletrônicos lançados no mercado até 2025 —, muitos brasileiros, como a aposentada Angela Cathoud, de 72 anos, ainda enfrentam dificuldades: “Há alguns anos, era bem difícil encontrar postos para descartar. Hoje, as informações ainda são insuficientes, principalmente fora dos grandes centros”.

Angela comenta que joga os aparelhos eletrônicos fora em postos localizados nos shoppings ou faz doação para grupos de estudantes de eletrônica que reparam e doam os equipamentos para pessoas carentes. Ela busca ainda informações nas redes sociais e, principalmente, em conversas com filhos e netos.
O que é lixo eletrônico?
Lixo eletrônico, ou e-lixo, refere-se a todos os dispositivos eletroeletrônicos, eletrodomésticos e equipamentos que funcionam com energia elétrica, pilhas ou baterias e que foram descartados por não terem mais utilidade.
Segundo a consultora ambiental e diretora de Projetos na Rede Sul, Rhariane Ornelas, esse tipo de resíduo é o mais perigoso, já que não se decompõe facilmente e libera substâncias altamente poluentes quando descartado ou queimado de forma inadequada.

“Ele contém metais pesados tóxicos, como chumbo, mercúrio e cádmio, além de produtos químicos nocivos, que podem contaminar o solo, a água e o ar, causando danos graves à saúde humana e ao meio ambiente”, ela explica. “A exposição a essas substâncias pode causar problemas neurológicos, respiratórios e até câncer”, completa.
Desafios para o descarte adequado
A estudante Isabel Teixeira, de 18 anos, comenta que gostaria que houvesse informações mais claras sobre o que fazer com o lixo eletrônico. “Eu pergunto para as pessoas por aí se elas sabem onde tem pontos de coleta, mas ninguém consegue me responder. Também vejo muitos adolescentes sem saber o que fazer com o e-lixo, principalmente o vape”, diz.

Os vapes são classificados como lixo eletrônico, já que contém baterias de íon-lítio. No Brasil, estima-se que tenham sido comercializados 2,9 milhões de cigarros eletrônicos em 2023, conforme dados do estudo de Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec). O valor totaliza mais de 145 mil quilos de resíduos.
Já outra dificuldade apresentada pelo presidente da Abree é a vasta extensão territorial do Brasil, devido aos altos custos envolvidos nos deslocamentos necessários para o transporte de resíduos. Esse problema, segundo ele, é agravado pela falta de sistemas plenamente desenvolvidos na grande maioria dos municípios. Esteves afirma que isso dificulta a implementação de soluções eficientes e a sustentabilidade de empresas privadas para o armazenamento e tratamento de resíduos eletroeletrônicos.
A engenheira ambiental Jéssica Carvalho também não acredita que o País tenha infraestrutura suficiente para o descarte adequado de lixo eletrônico. “É necessário maior investimento na estrutura das cooperativas que recebem esse material, possibilitando um processamento apropriado”, expõe.

Segundo Jéssica, o reuso e o recondicionamento de dispositivos eletrônicos são estratégias essenciais para a economia circular, permitindo que componentes em boas condições sejam recuperados para doação, revenda ou reaproveitamento em novos produtos.
A rápida evolução tecnológica, aliada à obsolescência programada, tem incentivado um consumo acelerado de dispositivos eletrônicos, resultando em um aumento expressivo na geração de resíduos. Jéssica diz que uma das principais soluções é a logística reversa: “Ela permite que produtos eletrônicos descartados retornem aos fabricantes para reaproveitamento de peças ou destinação ambientalmente adequada”.
Robson Esteves esclarece que, para fins de logística reversa, se destacam as atribuições ao setor empresarial, que compreende fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de produtos eletroeletrônicos de uso doméstico e seus componentes. A PNRS e o Decreto Federal 10.240/2020 estabelecem a responsabilidade compartilhada tanto pelos consumidores quanto pelas empresas pelo ciclo de vida do produto. Para a esfera pública, cabe desenvolver as regras e fiscalizar a execução.

Para o presidente da Abree, o consumidor desempenha um papel fundamental na logística reversa, ao procurar os pontos de coleta oficiais mais próximos da residência. “A destinação correta do e-lixo parte dos clientes”, frisa.
Para se desfazer de um eletroeletrônico quebrado, a orientação é buscar o Ponto de Entrega Voluntária (PEV) mais próximo. No site da Abree, é possível localizar os locais de coleta mais próximos, utilizando o CEP. A associação conta com mais de 3,5 mil pontos de recebimento presentes em quase 1,2 mil municípios brasileiros.
Jéssica afirma que, antes de descartar um aparelho eletrônico, é possível adotar diversas práticas sustentáveis para reduzir seu impacto ambiental e prolongar sua vida útil. “Muitas vezes, problemas técnicos podem ser solucionados com pequenos consertos, substituição de peças ou atualizações de software, evitando o descarte prematuro.”
Isabel sempre guarda seus dispositivos sem uso para doá-los a uma conhecida que repara celulares com peças usadas. “Eu gostaria de que fosse mais comum a prática de dar um aparelho antigo para obter descontos na compra de um novo”, comenta. Angela, por exemplo, fez isso da última vez que precisou trocar e afirma que os grandes fabricantes devem se comprometer com a sustentabilidade dos processos produtivos, cuidando tanto do início do desenvolvimento do produto quanto da destinação e reaproveitamento.
O descarte e a reciclagem dos eletroeletrônicos envolvem três etapas principais. Primeiro, os equipamentos descartados são transportados dos pontos de recebimento até a manufatura reversa. Depois, ocorre a desmontagem, em que certos componentes recebem tratamento especial para evitar impactos ambientais, enquanto outros são reciclados e reintroduzidos na produção.

A Circoola é um exemplo. A empresa de logística reversa e reciclagem oferece soluções para o descarte responsável de eletrônicos no Rio de Janeiro, Niterói e Baixada Fluminense. Ela faz coletas domiciliares 100% gratuitas para pessoas físicas, mediante agendamento no site www.circoola.com.br ou pelo app, além de ter serviços sob demanda para empresas. Em pouco mais de três anos de atuação, a iniciativa já coletou cerca de 393 toneladas e reciclou 366 delas de resíduos eletroeletrônicos.
"Há incentivos governamentais para empresas que investem em logística reversa. Além dos acordos setoriais que exigem que grandes fabricantes implementem esse processo, existem benefícios fiscais, como isenção ou redução de impostos, além de linhas de crédito para projetos sustentáveis", diz Bruna Mendes, coordenadora de logística do Circoola.


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