Rio - As marcas próprias das redes varejistas estão conquistando um espaço significativo nas compras dos brasileiros. De acordo com o levantamento mais recente da NielsenIQ (NIQ), no País, 51% dos consumidores acreditam que esse tipo de produto apresenta qualidade igual ou superior às marcas comercias. Para 72%, o "excelente custo-benefício" é o fator crucial na hora de levar um item para casa. Os itens podem ser até 30% mais em conta do que os produtos das marcas líderes.
A pesquisa também mostra que 69% dos entrevistados consideram as marcas próprias uma alternativa aos produtos líderes do mercado. Além disso, 66% dos brasileiros comprariam mais marcas próprias caso houvesse maior variedade disponível.
Segundo Moritz Neto, especialista em varejo, o crescimento das marcas próprias não é apenas uma tendência do mercado, é uma estratégia sofisticada de posicionamento e margem.
"Quando redes desenvolvem seus próprios produtos, de alimentos básicos a itens de limpeza, elas não estão apenas oferecendo opções mais baratas. Estão redesenhando a lógica de consumo e fidelização dentro da loja", afirma.
O especialista explica que existem três motores principais por trás dessa movimentação: maior controle de margem e cadeia produtiva; diferenciação e fidelização; e resposta inteligente ao cenário econômico.
"Ao produzir suas próprias marcas, as redes eliminam intermediários e negociam diretamente com fabricantes terceirizados. Isso permite reduzir o custo por unidade e aumentar a margem de lucro, mesmo oferecendo preços mais baixos ao consumidor", aponta.
Ele também destaca que esse tipo de produto se torna um atrativo exclusivo da rede.
"Se o cliente gosta do 'leite Carrefour' ou do 'detergente Qualitá', ele não vai encontrar esse produto em outro lugar, o que cria uma barreira implícita à troca de supermercado. É uma forma de tornar a experiência única e prender o consumidor ao ecossistema da marca", destaca.
Por fim, Neto aponta que em tempos de inflação ou instabilidade, muitos consumidores trocam marcas tradicionais por opções mais acessíveis.
"As redes aproveitam esse movimento natural para posicionar seus produtos como equivalentes, ou até superiores em qualidade, mas com preço competitivo. Isso amplia o volume de vendas e melhora a percepção de valor da rede como um todo", diz.
"As marcas próprias transformam o supermercado em plataforma de marca, não só de distribuição. É uma forma inteligente de criar exclusividade, margem e fidelização em uma tacada só", avaliou Moritz Neto, fundador da Unfair Advantage.
Moritz Neto, especialista em varejoDivulgação
Os produtos desenvolvidos pelos próprios grupos de varejo alimentar têm servido como uma das principais estratégias para reduzir a evasão de clientes para o atacado. Diversas companhias já se destacam pela qualidade e confiabilidade de suas marcas próprias. No setor de supermercados, o Carrefour e o Grupo Pão de Açúcar (GPA) são alguns exemplos.
No ramo desde 1970, o GPA é pioneiro nesse movimento. Atualmente, a empresa conta com as marcas próprias Qualitá, Taeq e Club des Sommeliers.
Segundo Allan Gate Hock, diretor de marcas exclusivas do GPA — grupo controlador das redes Extra Mercado e Pão de Açúcar —, atualmente 8 a cada 10 cestas contam com algum item de marca própria. Além disso, os clientes que compram esses produtos têm uma frequência média 2,4 vezes maior.
No quarto trimestre de 2024, as marcas próprias atingiram uma penetração de 20,6% nas vendas totais das bandeiras da GPA, com destaque para a Extra Mercado, com 24,2%. Já no primeiro trimestre, a penetração das marcas no total das vendas da companhia alcançou 21,1%.
"As marcas próprias são um dos projetos estratégicos da companhia, com um olhar diferenciado para o desenvolvimento de táticas que colaborem para potencializar e reforçar os atributos das marcas, especialmente Qualitá", afirma.
"No primeiro trimestre de 2025, notamos que as marcas próprias seguiram desempenhando papel fundamental para reforçar a confiança dos consumidores nas nossas bandeiras e representando um diferencial competitivo com alto potencial de crescimento. Com uma proposta de valor baseada em qualidade comparável à de líderes de categoria a preços competitivos, essas marcas já demonstram eficácia na fidelização", aponta Hock.
Ainda de acordo o diretor, cerca de 80% dos consumidores da empresa levam algum produto de marca exclusiva, sendo que seis em cada 10 levam pelo ao menos 1 item Qualitá.
"Como forma de conectar a marca à diferentes perfis de consumidores, a Qualitá expandiu sua presença, oferecendo desde produtos acessíveis para um público que está em busca de trazer maior indulgência e descobertas para sua alimentação, até a oferta de produtos que atendem a necessidade do consumidor AA e aumentam sua identificação com a marca", explica.
Entre os principais desafios para inserir as marcas próprias na rotina dos consumidores, o diretor da GPA aponta a primeira aquisição do cliente do produto.
"Depois vem o conhecimento e a construção da confiança. Temos um nível de exigência altíssimo para liberarmos um item para venda, com projetos que levam até dois anos para chegarmos ao produto final, para termos certeza da qualidade que queremos oferecer aos nossos clientes", complementa Hock..
A empresa ainda prevê o lançamento e relançamento de mais de mil produtos com as novas embalagens e identidade visual até o fim do ano. Os principais itens incluem vinhos, cápsulas de café e fraldas.
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Ana Laura Tambasco, diretora executiva de marcas próprias, sourcing e inovação do Grupo Carrefour Brasil, aponta que a empresa trouxe o rótulo para o Brasil na década de 1980. Ela destaca que, apesar do consumo de marcas próprias ser, inicialmente, um opção de substituição temporária por estar atrelado aos períodos inflacionários do País e de maior dificuldade econômica da população, ao longo dos anos, esses itens "conquistaram relevância e credibilidade entre os brasileiros".
"A marca própria Carrefour pode ser encontrada em diversos setores de nossos hipermercados, supermercados, lojas de proximidade (Carrefour Express) e e-commerce. A Member’s Mark, marca própria do Sam’s Club, o clube de compras do grupo, também é um destaque de mercado", destaca.
Segundo a executiva, 62% dos clientes acrescentam um produto da linha no carrinho. Em 2024, os itens registraram um aumento de 0,8 ponto percentual em relação ao ano anterior. Já a Member’s Mark, 91,5% dos sócios da empresa adquirem um produto da categoria durante as compras, aumentando, inclusive, o fluxo de clientes em lojas e de vendas.
Ana Laura afirma que o maior desafio do seguimento é oferecer um produto de alta qualidade a um preço bastante competitivo e que esse fato acompanha "os momentos de inflação e de maior dificuldade econômica entre a população".
"Por isso, precisamos estabelecer boas negociações com fornecedores para conseguirmos atender o público com um portfólio alinhado à sua proposta inicial de valor, ou seja, com ótimo custo-benefício, e adotar estratégias que ajudam a diminuir os gastos de produção, transporte e propaganda, por exemplo", aponta.
"Outro desafio que encontramos também é o olhar atento sobre as tendências de mercado e os comportamentos dos nossos próprios clientes. Precisamos sempre acompanhar quais são os produtos mais procurados pelo público e, claro, quais são aqueles que estão com baixa saída. Assim, entendemos como podemos recalcular a rota e atender os consumidores com maior assertividade", acrescenta.
Ela também destaca as sazonalidades — períodos do ano, frequentemente ligados a fatores como estações, feriados ou eventos específicos —, em que são desenvolvidos produtos especiais para as datas, como Páscoa e Natal, em que é possível estabelecer a marca própria como uma opção de custo-benefício para os consumidores.
Segundo as redes Carrefour e o Grupo Pão de Açúcar, os itens de marca própria podem ser até 30% mais em conta do que os produtos das marcas líderes.
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O professor de Educação Física Rodrigo Gomes, de 32 anos, conta que há dois anos tem optado por dar preferência a produtos exclusivos na de escolher o que levar para casa. Entre os motivos, o principal é o custo-benefício.
"Passei a perceber que o valor de um item de uma marca própria do local era consideravelmente menor do que o das marcas mais tradicionais. Sempre desconfiei da qualidade, mas resolvi fazer o teste quando não tive mais saída, precisava economizar. Até que me surpreendi, a qualidade não deixa a desejar. Mesmo já estabilizado economicamente tem uma coisa ou outra que eu já não abro mão e até recomendo para outras pessoas", diz o professor.
A aposentada Fernanda Vieira, de 62 anos, relata que também tinha receio de adquirir itens de marcas próprias. Ela explica que os produtos tradicionais sempre foram a primeira opção na hora da compra, mas que após ter acesso a uma amostra grátis de um requeijão em um evento, descobriu que o novo também tem qualidade.
"A minha criação sempre foi baseada no tradicionalismo. Via a minha mãe comprando sempre os mesmo produtos, das mesmas marcas, eram sempre muito boas, caras. Por isso, nunca abri mão do que já estava acostumada e sabia que eles eram de qualidade. Isso me impedia de experimentar outras coisas. Confesso que os valores me pareciam sempre pegadinha", conta.
"As vezes quando algo é muito barato a gente já sabe que a qualidade não é lá aquelas coisas. Mas tive a oportunidade de ir a um evento com a minha filha, vimos todo mundo falando bem do requeijão. No primeiro momento, desconfiamos. Eu não queria comer, mas a minha filha resolveu experimentar e disse que era bom. Levamos um potinho para casa. Hoje em dia já não vivo mais sem", diz.
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