Ambiente tóxico nas empresas e excesso de trabalho são algumas das causas das demissões voluntáriasInternet/Reprodução
Cresce o número de pessoas que deixam voluntariamente empregos estáveis
Cerca de 30% das demissões no Brasil foram pedidas pelos empregados
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que o desemprego no país fechou o mês de janeiro em 8,4%. São cerca de 12 milhões de sem ocupação. Contudo, um levantamento da LCA Consultores revelou que vem se intensificando: um terço das demissões foram voluntárias — ou seja pessoas que optaram por deixar o emprego.
As estatísticas mostram uma contradição: há desemprego, mas um grupo expressivo de pessoas está desistindo do trabalho formal. Isso revela que o Brasil já experimenta o fenômeno “the great resignation” (em tradução livre, “grande renúncia”), cenário em expansão em vários países. Na prática, o termo reflete a insatisfação de parcela da população ativa não apenas com o trabalho, mas com o modo de vida que leva. Os especialistas buscam entender o fenômeno.
“As pessoas estão encontrando no abrir mão do emprego e tentativa de novas experiências, um caminho para buscar satisfação e felicidade”, pontua o executivo Márcio Monson, fundador e CEO da Selecty, empresa de tecnologia para recrutamento e seleção.
Com 15 anos de contato próximo com a área de RH, Monson avalia que o fenômeno traz desafios às organizações e, em particular, aos setores de recrutamento e seleção.
“Os dados, as notícias recentes e a vivência prática mostram que ‘the great resignation’, onda verificada nos Estados Unidos, na Europa, na China e na Índia, também já é realidade no Brasil. As organizações precisam estar preparadas, identificando como tornar as vagas que oferecem não só atraentes do ponto de vista da empregabilidade, mas da satisfação que proporcionam ao profissional”, sugere.
As expressões “big quit” e “great reshuffle” (“grande debandada” e “grande remodelação”, em tradução livre) são outras formas de nomear a onda. Todas mostram o que está por trás desse movimento, observa o CEO da Selecty. “É uma migração de pessoas, de seus trabalhos, muitas vezes bem remunerados e relativamente estáveis, para outros propósitos. Pessoas que consideram que certas atividades trazem menos dinheiro e status, mas geram mais felicidade, por exemplo”, explica.
Trata-se de um comportamento, ainda segundo Monson, bastante acentuado depois da pandemia da Covid-19. A crise fitossanitária forçou a mudança de hábitos, trouxe incertezas e medos, além de trazer reflexões. Nesse caminho, vieram decisões por rupturas, por alterar estilos de vida.
“Recentemente, foi noticiado que, nos Estados Unidos, apenas em dois meses, 8,5 milhões de pessoas pediram demissão, sem ter outra vaga em perspectiva. E, aqui no Brasil, a constatação da LCA, de que, dos 1,8 milhão de desligamentos registrados apenas em um mês, mais de 600 mil (ou 33%) foram voluntários. São dados para serem observados e acompanhados com atenção”, sublinha o executivo.
Afinal, continua o especialista, além de engrossar as estatísticas de desemprego, “the great resignation” costuma afetar principalmente postos-chaves, vagas que exigem qualificação profissional e outros atributos muitas vezes difíceis de serem encontrados no mercado de trabalho. “Os efeitos internos, nas organizações, e externos — na conjuntura econômica — devem ser mensurados e, seguramente, são significativos”, avalia Monson.
Reverter o fenômeno passa por combater culturas tóxicas nas empresas, excesso de pressão, insegurança e falta de reconhecimento profissional. Nesses casos, a questão salarial é secundária. “As organizações, de um modo geral, e os profissionais de recrutamento e seleção, em particular, precisam estar atentos a isso”, alerta.
Esgotamento físico e mental
O analista de sistemas Carlos Grotz Rommany, 48 anos, faz parte das estatísticas de empregados que deixaram voluntariamente o emprego em 2022. Em setembro, após uma crise de angina que o levou à internação hospitalar por cinco dias, ele tomou a decisão de pedir demissão do cargo de gerente em uma empresa multinacional.
“Trabalhava em média 12, 13 horas por dia. Levava trabalho para casa após o expediente na empresa. Era comum passar os fins de semana analisando projetos, elaborando relatórios. Fui me submetendo às cobranças da diretoria e vivia sob pressão constante. Em algum momento, a bomba iria explodir — e foi o que aconteceu. Os dias no hospital me fizeram repensar a vida”, conta Rommany.
A decisão foi discutida com a família. Questões como perda do padrão de vida e a necessidade de cortar gastos na nova realidade foram debatidas. Quando o analista de sistemas recebeu alta, pediu demissão. Rommany não se arrepende.
“Deixei um cargo de gestão, com um salário excelente, mas que me sugava a energia física e mental. Estava esgotado. Hoje, tenho uma renda 40% menor, mas ganhei muito mais em qualidade de vida. Pude ficar mais perto da família, aproveitar mais a vida. Olho para trás e não consigo entender como suportei por tantos anos cobranças descabidas, o clima de competição permanente, a pressão constante para atingir metas e resultados. Isso não é saudável”, avalia Rommany.
No novo emprego, o analista de sistemas adotou um comportamento diferente. Rommany mudou de área e hoje atua como consultor. Para seus clientes, ele sempre conta a sua história e destaca a importância de mudanças na filosofia das empresas. Para ele, o ambiente tóxico afugenta profissionais competentes e mina a eficiência das companhias.
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