O contrato intermitente de trabalho não prevê indenização de 40% sobre o saldo do FGTS em caso de demissãoReprodução

Criado na reforma trabalhista do governo Temer, em 2017, o trabalho intermitente nasceu da necessidade de fornecer direitos básicos aos colaboradores que se encontram sem arteira assinada. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE), o país terminou o ano de 2022 com 12,9 milhões de brasileiros sem registro formal de vínculo empregatício.

Com o estabelecimento desta modalidade de contratação muitas dúvidas surgiram, tanto por parte dos empregadores, quanto dos empregados. O trabalho intermitente compreende o contrato de trabalho, cuja prestação dos serviços ocorre com subordinação, mas não é contínua, apresentando alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade.
“Sem a contratação na modalidade intermitente, os trabalhadores não têm qualquer segurança jurídica, visto que prestam serviços aos seus empregadores, que não são obrigados a reconhecer o vínculo empregatício, firmado por meio de um contrato de trabalho”, explica Priscila Silva, advogada do escritório Aparecido Inácio e Pereira Advogados Associados.

O contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por escrito e conter especificamente o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele recebido pelos empregados do estabelecimento em que exerçam a mesma função. O empregador pode convocar o empregado por qualquer meio de comunicação com, pelo menos, três dias corridos de antecedência da realização do serviço, informando qual será a jornada de trabalho.
Ainda que não seja o modelo de contratação ideal, o trabalho intermitente ajuda o garçom Cleiton Ramos, de 49 anos, a pagar as contas. Ele era empregado de um bar que fechou durante a pandemia de covid-19. Desempregado e sem conseguir recolocação no mercado, Ramos faz parte de um contingente cada vez maior de trabalhadores que atuam de forma intermitente.
"Eu chamo essa forma de contratação de 'bico registrado'. Na época da pandemia, foi um desespero só. O bar onde eu trabalhava havia nove anos fechou e me vi sem ter como pagar as contas da casa. Minha mulher também foi despedida logo depois, o que só deixou as coisas piores. Quando o comércio voltou a abrir, pensei que conseguiria emprego logo. Mas isso não aconteceu. Aí apareceu a oportunidade de trabalhar com contrato intermitente para um bufê. É o que me salva. Trabalho toda sexta, sábado e domingo. Às vezes, também sou chamado na quinta. Assim vou levando. É o ideal? Claro que não. Não tenho segurança de quando terei trabalho, mas é o que temos. Melhor assim do que desempregado. Pelo menos estou contando tempo de serviço para a aposentadoria", diz Ramos.
Já para Yasmine Feital, de 29 anos, que trabalha como recepcionista em feiras e eventos, a contratação intermitente representou ganhos. Ela presta serviços como Microempreendedor Individual (MEI) e na modalidade celetista. A possibilidade de ter contratos intermitentes, no caso dela, é vantajoso.
"Para mim, é vantagem. Como MEI, pago impostos sobre o que ganho. Em uma das agências em que trabalho, eles preferem fazer a contratação como pessoa física. Aí tenho ganhos proporcionais de férias, de FGTS e para a aposentadoria. É mais uma opção na hora de procurar trabalho. No meu ramo, é raro encontrar alguém contratado fixo. Antes de 2017, o trabalho era mais informal. Você recebia por dia, assinando um recibo — sem descontos, mas sem direitos. Agora é melhor", explica.

Direitos contemplados

O empregado tem direito aos direitos trabalhistas previstos no artigo 7º da Constituição Federal. Além disso, o empregador deverá efetuar o recolhimento da contribuição previdenciária e o depósito do FGTS relativos à remuneração do período de atividade, com base nos valores pagos no período mensal, devendo fornecer ao funcionário o comprovante do cumprimento dessas obrigações.

O trabalhador intermitente, ao contrário dos demais trabalhadores formais, receberá os valores referentes ao período de férias e ao 13º salário quando terminar a prestação de serviço e de forma proporcional.

“Entre os diversos benefícios fornecidos à empresa que opta por esta modalidade de trabalho, tais como flexibilidade da mão de obra e otimização de custos, dentre outros, existe uma série de deveres previstos na legislação trabalhista que cabe ao empregador, como registro do colaborador na carteira de trabalho, elaboração do contrato de trabalho, cadastro de todas as informações do funcionário no eSocial, entre outras obrigações”, conta a especialista.

Diferenças nos regimes de contratação

As principais diferenças entre os regimes de contratação tradicionais e o trabalho intermitente estão no tempo de contrato de trabalho, no número de horas, no cálculo de horas no exercício da função. Além disso, para a modalidade intermitente, não há previsão de pagamento de aviso prévio e multa rescisória de 40% sobre o FGTS em caso de demissão sem justa causa.

No modelo de trabalho intermitente não há uma empresa terceirizada envolvida, e a relação de emprego é estabelecida diretamente entre contratante e contratado. Assim, o colaborador assume a posição de empregado formalmente registrado pela empresa.

Outra diferença refere-se ao fato de que o contrato de trabalho temporário com relação ao mesmo empregador não deverá ser superior a 180 dias, podendo ser prorrogado por até 90 dias, consecutivos ou não. Já no regime intermitente não existe prazo preestabelecido quanto à duração do contrato.

Pagamento e horas trabalhadas

O pagamento, no trabalho temporário, é mensal, sendo que a lei garante a remuneração equivalente à dos empregados da mesma categoria da empresa, calculada à base horária. Este valor não pode ser menor do que o salário mínimo.

Embora o trabalho intermitente tenha como principal característica a imprevisibilidade ao empregado, pois este somente tem conhecimento sobre o momento da prestação dos serviços e de sua duração total — horas, dias ou meses —, quando for convocado para executar a atividade, o estabelecimento de trabalho intermitente deve respeitar o limite constitucional previsto, de 8 horas diárias e 44 horas semanais, ainda que o empregado venha a trabalhar apenas por alguns dias.

“É importante ressaltar que enquanto o empregado não é convocado para prestar os serviços à empresa, não é considerado tempo à disposição do empregador, portanto a legislação permite que o colaborador preste serviços de qualquer natureza a outros contratantes”, esclarece Priscilla.