Torcedores LGBTs relatam que ainda sentem desconforto em frequentar estádios - Daniel Castelo Branco
Torcedores LGBTs relatam que ainda sentem desconforto em frequentar estádiosDaniel Castelo Branco
Por Yuri Eiras
Rio - Os estádios são bons retratos da sociedade. No Brasil, a alegria e a espontaneidade do povo sempre deram tons coloridos ao futebol. Mas nesse desenho há uma face assustadora que só recentemente veio à luz. Estamos no país que mais mata LGBTs no mundo, segundo dados do Grupo Gay da Bahia (2018), e em mais de cem anos de futebol no país, não há registro de jogadores assumidamente homossexuais nos principais times.
A jornada é longa, mas o primeiro passo foi dado: a CBF promete punir com multa e até com perda de pontos os clubes cujas torcidas entoarem cânticos homofóbicos.
Publicidade
William de Lucca é jornalista, palmeirense e uma das vozes contra a homofobia nas arquibancadas. Já foi ameaçado por torcedores do próprio time."Eu nunca me senti diretamente ameaçado porque nunca fui identificado como gay dentro deles. Todo homem gay ou mulher lésbica sabe que o ambiente é hostil e que você não pode, por exemplo, demonstrar afeto para alguém do mesmo sexo. É preciso estar dentro do padrão esperado para aquele espaço".
"Na única vez que eu me posicionei de dentro do estádio sobre cantos homofóbicos, a repercussão fez com que eu acumulasse ameaças de violência e até de morte", conta William. "Se os ambientes do futebol são homofóbicos, além de machistas e racistas, é porque eles espelham nossa sociedade. Chamar alguém de bicha ou viado ainda é aceitável, ainda é uma forma de ofender socialmente aceita, e no futebol é ainda mais frequente".
Publicidade
NUMERAÇÃO DOS JOGADORES REFLETE HOMOFOBIA
Publicidade
A homofobia se reflete até na numeração dos jogadores. Entre todos os clubes da Série A de 2019, apenas o Grêmio tem um jogador que veste a camisa 24, historicamente associado ao veado no jogo do bicho: Brenno é o terceiro goleiro do Tricolor Gaúcho. Em todos os clubes, a explicação é de que o número é uma escolha do jogador. A maioria pula do 23 para o 25 nas listas. Os campeonatos sul-americanos, que tem numeração obrigatória entre o 1 e o 30, são as exceções.Eduardo Bulhões, torcedor do Fluminense, entende que o cenário atual é complexo.
"O futebol é um reflexo da sociedade, e existe uma polarização na política. O fascismo saiu do armário, e os movimentos por liberdade individuais também tiveram relevância maior. Esse embate é maior hoje do que há décadas. Hoje, acho mais assustador o posicionamento de uma galera de dentro das torcidas: acham que não se deve falar disso (homofobia) no futebol".
Publicidade
TORCIDA SE MOBILIZA
Amanda Vieira faz parte da diretoria da Nação 12, torcida do Flamengo que decidiu há dois anos não entoar cânticos homofóbicos contra os adversários. Ela costuma levar sua namorada aos jogos, mas com discrição. Evitam, por exemplo, caminhar de mãos dadas no trajeto até o estádio.
Publicidade
"Quando eu descobri que a Nação 12 me dava o espaço para eu poder ser quem eu sou, fiquei tranquila. Se eu quiser comemorar dando um beijo nela, não terei problema", explica. "Mas, pelo estádio ser um ambiente machista, um casal de mulheres é mais aceito do que um casal de homens. Infelizmente, homens sexualizam casais lésbicos.Somos milhões de torcedores. Quantos não frequentam os estádios porque não podem levar seus companheiros?".