O que muita gente não sabe é que a aplicação rubro-negra foi além do alto valor investido. Os bastidores da negociação entre Flamengo, Cruzeiro e Arrascaeta, representado por seu empresário, Daniel Fonseca, poderiam render um livro. E a obra contém episódios interessantes, como a saída do jogador da Raposa "à francesa", ameaças de torcedores cruzeirenses, viagem ao Uruguai, acordo de cavalheiros, reunião com muitas idas e vindas em uma chácara escura, clima hostil, presença de seguranças armados e muito mais.
Quem conta as histórias é André Cury, um dos principais empresários do futebol mundial e que foi crucial nas tratativas. Em entrevista exclusiva ao Jornal O Dia, Cury, que também participou da ida de Neymar ao Barcelona, destrinchou os dias de tensão entre Flamengo e Cruzeiro e revelou detalhes que pouca gente sabe da negociação envolvendo Arrascaeta.
Eu queria te frisar que, em janeiro de 2015, eu ofereço o jogador ao Cruzeiro, viajo ao Uruguai e fizemos a contratação dele para o Cruzeiro, comprando metade do passe dele. Compramos o jogador por 4 milhões de euros, por 50%, foi bem no Cruzeiro, foi vencedor, sempre fez muito boas atuações, foi para a seleção uruguaia e culminou no interesse do Flamengo. Marcos Braz me levou em uma reunião e eu conheci Bruno Spindel. Eles estavam decididos em contratar Arrascaeta. Eu conhecia bem os trâmites do Arrascaeta e fui cuidar da negociação pelo Flamengo. Além de ser vencedora dentro de campo, essa negociação tem uma marca por ser a maior transferência de mercado interno do futebol brasileiro. O Flamengo pagou 18 milhões de euros por 75%. Se calcularmos a proporção, isso vai dar 22,5 milhões de euros por 100%.
Em novembro, dezembro, (de 2018) começou. Arrascaeta tinha feito partidas decisivas contra o Flamengo, na Copa do Brasil, e isso ficou marcado também. O interesse do Flamengo começou aí. Então, quando Marcos Braz me procurou, sabíamos que era uma negociação muito complicada. Ela se inicia, ao meu ver, equivocada. O empresário abandona o Cruzeiro. Um movimento gigante da torcida do Cruzeiro. O jogador recebeu mais de 240 mil mensagens de torcedores do Cruzeiro no celular do jogador (imagem abaixo). Eles (empresário e Arrascaeta) viajaram para o Uruguai esperando uma resolução. O Cruzeiro não queria mais falar com o Flamengo porque achava que o Flamengo tinha aliciado o jogador. Tivemos que aparar muitas arestas e unir muitos cabos para ter uma solução favorável. Isso construímos entre 4 e 10 de janeiro (de 2019). Voltei para o Uruguai. Bruno Spindel e Fabinho (observador do Flamengo) também estiveram na reunião. Foi uma reunião tensa, com mais de 8 horas. Foi um clima hostil porque tinha seguranças armados. Eles não sabiam de nada e apenas me olhavam. Se eu estava lá para ver o lado do Flamengo ou do Cruzeiro. Depois de oito horas, a gente conseguiu resolver a situação. O resultado está aí.
A reunião foi na casa do Daniel (empresário de Arrascaeta). Foi em uma chácara escura dentro de Montevideo, uma rua estranha, com seguranças. Percebemos que tinha muitas pessoas que não faziam parte da negociação que estavam presentes. Quando Arrascaeta foi para o Cruzeiro, algumas coisas não ficaram bem resolvidas. Na hora do almoço, por coincidência, eu encontrei Arrascaeta e disse para ele que teria uma reunião que iria decidir o futuro dele para não deixar igual da outra vez que ele não sabia de nada, nem de pagamentos. Ele me entendeu e se apresentou também à reunião por volta das 6 da noite. Foi curioso porque fazer reunião com a presença do jogador, né... tinha hora que você falava 'ah o jogador vale isso' e o cara está ali. Foi incomum para mim, mas foi bom para ele ficar ciente de tudo o que estava acontecendo.
Uma chácara escura, uma rua escura, para entrar na casa andava 150m, um jardim, com muita árvore. Você via que eram pessoas que não eram garçons, eu também não queria perguntar para que estavam ali (risos).
Ficou sempre muito calado. De vez em quando tomava a palavra. Mais escutou do que falou.
Eles (Arrascaeta e seu empresário) estavam muito assustados com o que estava acontecendo no Cruzeiro. Tinha mais de 240 mil mensagens para o jogador da torcida do Cruzeiro. Você sabe que o jogador não te manda mensagem de carinho quando está chateado. Aqui no Brasil ainda temos esse problema. Eles estavam jogando em casa, digamos assim (risos). Quando acabar aqui e resolver, eu saio. Eles não estavam à vontade para fazer reunião no Brasil, muito menos em Belo Horizonte.
O Itair (Machado, então dirigente do Cruzeiro) estava irredutível. Ele entendia que a forma como o Flamengo abordou Arrascaeta e o abandono de emprego do jogador naquele momento não era correto. Então ele dizia que não era correto. Chegou a me enviar um texto para eu mostrar a Arrascaeta dizendo que a torcida queria ele, que ele era ídolo e que ia aumentar o salário para ficar. Eu nunca mostrei para o Arrascaeta porque eu conhecia a situação econômica do Cruzeiro e eu achava que a venda era muito boa para o Cruzeiro. No futebol brasileiro não dá para esperar. Era muito dinheiro. O Cruzeiro também devia dinheiro ao Defensor (clube uruguaio que detém percentual de Arrascaeta), ao Flamengo e à Fifa. Ele disse 'por favor, mostra isso ao Arrascaeta', mas o jogador já havia deixado claro que queria o Flamengo.
Não. Isso foi equivocado. Ele tem contrato e tem que respeitar o contrato. A forma como foi lá, discutiu, levou o jogador e foi embora, acho que não foi legal.
Esse papo partiu do Itair. Itair disse que ia fechar a situação do Arrascaeta, mas ele disse que só ia fechar se o Flamengo se comprometesse em não ligar mais para o Dedé. O Bruno Spindel, de pronto, aceitou. Ele falou com os demais membros da diretoria do Flamengo antes, mas aceitou na hora.
Sempre pensei em fazer o negócio no Flamengo. Quando chegou em setembro (de 2018), o Cruzeiro já não conseguia mais pagar os salários. Imagina sem os 13 milhões de euros (da venda do Arrascaeta). Como ia ser?
Não. Eu fiz uma série de negociações e coloquei mais 100 milhões no Cruzeiro. Foi feito um planejamento sem responsabilidade econômica e deu no que deu.
Depois de seis horas de reunião avançou muito. Aí ele voltou para trás. Foi quando eu fui embora da reunião. Falei que não dava mais. Fui embora, e ele foi atrás de mim pedindo ajuda. Ficamos mais três horas e resolvemos. Achávamos que tínhamos resolvido. No dia seguinte, volta um monte de problema. Que era forma de pagamento, entramos de novo na negociação. Eu, Bruno, Marcos no telefone, de vez em quando falavam com o presidente Landim também. Graças a Deus, no dia seguinte, conseguimos fechar o acordo. Mas foi com medo, né. Porque foi um negócio muito trabalhoso. Eu acho que foi bom para todos os lados. O Itair não queria, mas muito mais por coisa de ego. Mas acho que para o Flamengo foi ainda melhor porque o jogador está dando retorno.
Na verdade, o negócio era tão estressante que não dava vontade de fazer nada. Era esgotamento total. Chegamos a almoçar junto, eu Fabinho e Bruno, num restaurante chamado Garcia ao lado do hotel, mas já estava em coisa de finalização e não tivemos oportunidade.
Eu que fui buscar ele lá no Uruguai para trazer para o Cruzeiro, depois trouxe para o Flamengo. Agora, sem dúvidas, é um jogador importante. Já fiz outros jogadores importantes. Otero, Cazares, Aranguiz. Muitos jogadores que trouxemos do futebol sul-americano e foram referências aqui. Gustavo Gomez, Vina, lateral que está no Palmeiras. Uma porção de jogadores estrangeiros. Devo ter feito mais de 50 negociações nesse sentido, no futebol sul-americano. Graças a Deus 85% desses jogadores e saíram bem.
No sul-americano? Não. Tem muitos que deram e dão mais trabalho.
Quando a coisa sai bem para todos é muito melhor. No caso de Arrascaeta deu certo também. É gratificante para o meu trabalho.
A torcida compara muito ele com Petkovic. Eu acho que o Arrascaeta tem mais bagagem. Primeiro que nunca jogou nos outros times do Rio e tem muito mais títulos do que o Petkovic. Ele é referência em um grande time com muita concorrência. É uma verdadeira Seleção. Jogadores que são de Seleção. Muito mais difícil de aparecer hoje do que o time em 2009.
"manda esses caras se fuder, não vou vender". E a cada ligação o preço aumentava. O negócio só saiu devido a Habilidade do Cury".
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