Soldado ucraniano em programa de reabilitação para amputados na guerra contra RússiaBill O'Leary/The Washington Post
"Obrigada por segurar minha mão", Yurchuk disse a ele.
"Bom, eu fiquei com medo de que você puxasse o pino", respondeu o médico. O braço esquerdo de Yurchuk tinha ido embora abaixo do cotovelo, e a perna direita, acima do joelho.
Nos 18 meses que se passaram, Yurchuk recuperou o equilíbrio, tanto mental, quanto físico. Ele conheceu a mulher que viria a se tornar sua esposa no hospital de reabilitação, onde ela era voluntária. E ele agora carrega nos braços a filha bebê e a leva para passear sem a menor hesitação. Sua mão e sua perna novas são totalmente pretas.
O próprio Yurchuk se tornou o principal motivador para os recém-chegados do front, dando incentivo enquanto se recuperam das feridas, e servindo de professor enquanto aprendem a viver e a se mover com as novas deficiências.Esse tipo de conexão precisará ser reproduzida em toda a Ucrânia, formalmente e informalmente, para milhares de amputados.
"O sistema locomotor inteiro deles precisa ser reorientado. Há toda uma redistribuição de peso. É um ajuste bem complicado de se fazer, e precisa ser feito com outro ser humano", diz a Dra. Emily Mayhew, historiadora médica do Imperial College, especializada em lesões causadas por explosões.
Escassez de especialistas
Na Ucrânia não há nem de longe especialistas suficientes em próteses para atender à necessidade crescente, diz Olha Rudneva, diretora do Superhumans, um centro de reabilitação para militares ucranianos amputados. Antes da guerra, segundo ela, apenas cinco pessoas em toda a Ucrânia tinham treinamento formal em reabilitação de pessoas com amputações de mão ou braço, que em circunstâncias normais são menos comuns que as de pernas e pés, que às vezes precisam ser amputados por complicações de doenças como diabetes.
Rudneva estima que 20 mil ucranianos tenham sofrido pelo menos uma amputação desde o início da guerra. O governo não diz quantas dessas pessoas são soldados, mas ferimentos por explosão estão entre os mais comuns em uma guerra com uma linha de frente extensa.
Os centros de reabilitação Unbroken e Superhumans fornecem próteses para soldados ucranianos com recursos oferecidos por países doadores, organizações de caridade e empresas privadas ucranianas.
"Alguns doadores não estão dispostos a oferecer ajuda militar à Ucrânia, mas se dispõem a financiar projetos humanitários", explica Rudneva.
Alguns dos homens em reabilitação lamentam estar fora da guerra, incluindo Yurchuk e Valentyn Lytvynchuk.
Lytvynchuk, ex-comandante de batalhão, extrai forças de sua família, especialmente a filha de 4 anos que gravou um unicórnio em sua perna protética.
Ele recentemente se dirigiu a um centro de treinamento militar para ver o que ainda poderia fazer.
"Percebi que não é algo realista. Eu consigo pular em uma trincheira, mas preciso de tração nas quatro rodas para sair dela. E quando eu me movo ‘rapidamente’, até uma criança consegue me alcançar", diz. Então, depois de uma pausa, acrescentou: "Além disso, a prótese cai".
A parte mais difícil para muitos amputados é aprender a conviver com a dor - dor da prótese, dor do próprio ferimento, dor dos efeitos remanescentes da onda de choque, diz Mayhew, que já conversou com centenas de militares amputados ao longo de sua carreira. Muitos deles também estão lidando com a desfiguração e as consequentes cirurgias plásticas.
"Essa comorbidade de TEPT e lesão por explosão e dor - é muito difícil de resolver", observa. "Quando as pessoas sofrem uma lesão física e há uma lesão psicológica que a acompanha, essas coisas nunca podem ser separadas."
Para os gravemente feridos, a reabilitação pode levar mais tempo que a duração da guerra.
As cirurgias plásticas são essenciais para que os soldados se sintam confortáveis na sociedade. Muitos ficam tão desfigurados que consideram que é só isso que as pessoas enxergam neles.
"Não temos um ano, ou dois", diz a Dra. Natalia Komashko, cirurgiã facial. "Precisamos fazer isso para ontem."
Bilyak, o soldado que passou dirigindo por cima das minas antitanque, às vezes ainda sonha com a batalha.
"Estou deitado sozinho no leito da enfermaria, e pessoas que eu não conheço vêm até mim. Percebo que são russos, e começam a atirar na minha cabeça à queima-roupa com pistolas, fuzis", conta. "Eles começam a ficar nervosos porque as balas estão acabando, e eu estou vivo, mostro o dedo do meio para eles e dou risada."
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