Dezenas de milhares de soldados russos morreram na guerraAnatolii Stepanov/AFP
Mais de dois anos após o início da invasão russa à antiga república soviética vizinha, dezenas de milhares de soldados russos morreram na Ucrânia e Moscou busca mais combatentes ao redor do mundo, às vezes com a ajuda de intermediários.
Um tradutor indiano que trabalha em um centro de recrutamento militar em Moscou relatou a jornalistas da AFP em Nova Déli que sua agência faz parte de uma rede com escritórios em toda a Rússia.
"Cada cidade importante tem um centro de recrutamento para estrangeiros", disse o homem, que pediu para permanecer sob anonimato.
Alguns cidadãos indianos relataram à AFP que lhes foram prometidas funções que não envolviam combate, mas foram treinados para usar fuzis Kalashnikov antes de serem enviados para a Ucrânia.
Um contrato redigido em russo pelo Ministério da Defesa de Moscou, ao qual a AFP teve acesso, refere-se a um "serviço militar nas Forças Armadas da Federação Russa", com o requisito de "participar de hostilidades" e "servir o povo russo sem limites".
A Índia é uma aliada de longa data da Rússia que não condenou explicitamente a invasão da Ucrânia.
A AFP entrevistou cinco cidadãos indianos recrutados para as forças russas e todos relataram que souberam dos empregos como "assistentes do exército" através das redes sociais, com um salário de cerca de 1.200 dólares por mês. Nenhum deles tinha experiência militar.
'Estou com medo'
Em uma postagem, Khan caminha por uma rua de São Petersburgo, na Rússia, e fala sobre um emprego como assistente do exército com um salário de 3.600 dólares. "Você não precisa lutar", diz ele em um vídeo gravado com seu telefone.
Em pouco tempo, ele recebeu uma avalanche de solicitações da Índia, onde a economia está crescendo, mas o desemprego está em alta histórica.
Khan afirmou que esteve envolvido no transporte de 16 cidadãos indianos para a Rússia entre novembro e dezembro.
"Eu trabalho com redes sociais e ajudo as pessoas a encontrar trabalho", disse Khan à AFP. "Um amigo da Rússia me contatou e disse que o exército precisava de assistentes, e eu pensei que era uma boa oportunidade e fiz um vídeo."
Em uma conversa posterior, Khan afirmou que ficou "desconcertado" ao ouvir que os recrutas receberam armas e houve relatos de "corpos sendo repatriados e feridos".
"Decidimos encerrar o processo de recrutamento", disse ele. Mas o vídeo que mostra Khan nas ruas de São Petersburgo, intitulado "Empregos no exército russo", ainda está on-line.
Um dos recrutados pela campanha de Khan é um graduado universitário originário de Uttar Pradesh, no norte da Índia. O homem contou à AFP que lutou na região de Donetsk, uma área no leste da Ucrânia ocupada pela Rússia.
"Fui ferido em combate e levado ao hospital, de onde consegui escapar", relatou ele de Moscou enquanto aguardava repatriação.
Outro cidadão indiano alistado foi enviado para Kherson, no sul da Ucrânia, junto com um compatriota agricultor e nove cubanos, e afirmou que estavam aguardando serem implantados na frente.
"Posso ser chamado para lutar a qualquer momento", disse o jovem de 27 anos originário de Gulbarg, no estado de Karnataka, que antes trabalhava em uma empresa que preparava alimentos para companhias aéreas.
"Estou com medo e tudo o que quero é ir para casa", lamentou. Vários dos recrutas que falaram com a AFP enviaram fotos de uniforme militar para suas famílias, e as imagens foram analisadas, sua geolocalização corresponde a um centro militar próximo a Moscou.
Nem a Rússia nem a Ucrânia divulgaram quantos estrangeiros estão combatendo em seus exércitos ou quantos estão detidos como prisioneiros de guerra.
'Uma vida melhor'
Várias famílias de cidadãos indianos recrutados afirmam terem sido enganadas e culpam as autoridades do país por não fazerem o suficiente.
Mohammed Imran, um comerciante de Hyderabad, não tem notícias de seu irmão mais novo de 30 anos há quase dois meses, quando ligou da cidade do sul da Rússia de Rostov do Don, perto da fronteira com a Ucrânia, para dizer que tinha sido levado para a linha de frente.
"Um dos rapazes que estava com ele conseguiu escapar e nos contou que meu irmão foi baleado", relatou Imran à AFP. "Ele foi para lá para poder proporcionar uma vida melhor para sua família e agora nem sabemos se está vivo", lamentou.
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