Gangues tentam paralizar Porto Príncipe, capital do Haiti, para derrubar o atual primeiro-ministro do paísClarens Siffory / AFP

O governo do Haiti prorrogou por um mês, nesta quinta-feira (7), o estado de exceção no departamento a que pertence a capital, Porto Príncipe, em plena onda de violência criminal nesse empobrecido país caribenho.

A medida, publicada no Diário Oficial haitiano, é acompanhada até segunda-feira por um toque de recolher entre as 18h e as 5h locais.

O estado de emergência havia sido declarado no fim de semana passado junto com um toque de recolher noturno na capital. Ambos estavam em vigor até quarta-feira.

Gangues armadas controlam grande parte de Porto Príncipe e do resto do país e estão engajadas em uma luta violenta contra a administração do primeiro-ministro Ariel Henry, de quem exigem a renúncia.

Na noite de quarta-feira, essas gangues atearam fogo em um novo posto policial, provando mais uma vez que não têm intenção de parar com a espiral de violência.

A subestação policial atacada fica em Bas-Peu-de-Chose, em um bairro de Porto Príncipe que é frequentemente atacado por gangues, disse à AFP Lionel Lazarre, coordenador-geral do sindicato da polícia haitiana, Synapoha.

Os policiais do posto tiveram tempo de deixar o prédio antes do ataque, disse ele, acrescentando que a investida havia sido planejada desde o último fim de semana.

Os grupos criminosos também incendiaram uma viatura policial e várias motocicletas.

'Perto do colapso'
Com a constante falta de segurança, o sistema de saúde haitiano está "perto do colapso", alertou a ONU em um comunicado nesta quinta-feira.

"Muitas instalações sanitárias estão fechadas ou tiveram que reduzir drasticamente suas operações devido a uma preocupante escassez de medicamentos e à ausência de pessoal médico", informou o Escritório para a Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha).

Além de medicamentos, faltam sangue, equipamentos médicos e leitos para tratar ferimentos a bala, acrescentou o órgão da ONU.

Um influente líder de gangue, Jimmy Chérizier, advertiu na terça-feira que, se o primeiro-ministro Henry não renunciasse, o país se encaminharia para "uma guerra civil que levará ao genocídio".

Henry, no poder desde o assassinato do presidente Jovenel Moïse em julho de 2021, deveria ter deixado o posto em fevereiro, mas selou um acordo com a oposição até que haja novas eleições.

O premiê está em Porto Rico desde terça, após uma tentativa fracassada de retornar ao Haiti e de tentar pousar na República Dominicana, que negou a entrada de seu avião.

Henry havia viajado ao Quênia para negociar o envio de uma missão policial multinacional apoiada pela ONU. Mas não conseguiu voltar a Porto Príncipe devido à falta de segurança em torno do aeroporto, atacado pelas gangues.

Em um país sem presidente nem Parlamento ativo e onde não há eleições desde 2016, a posição de Henry é incerta.

Os Estados Unidos instaram na quarta-feira o líder a "acelerar a transição" em direção a "eleições livres e justas", esclarecendo que não estava pedindo a renúncia imediata do primeiro-ministro.

Com a administração pública e as escolas fechadas, muitos moradores estão tentando fugir da violência com seus poucos pertences, enquanto outros se aventuram apenas para comprar o essencial.

'Abandonado'
A Rede Nacional de Defesa dos Direitos Humanos no Haiti (RNDDH) denunciou a falta de ação do governo haitiano diante dos distúrbios.

"Hoje, os fatos são claros: as autoridades governamentais renunciaram", escreveu a associação em um relatório datado de quarta-feira.

"As ruas da capital e de todo o departamento do Oeste estão entregues a bandidos armados. E o povo haitiano foi abandonado à sua própria sorte", acrescenta, lamentando a ausência de policiais nas ruas.

O Conselho de Segurança da ONU concordou em outubro com o envio de uma missão internacional de segurança liderada pelo Quênia, que prometeu contribuir com 1.000 policiais. Mas seu início foi adiado pelo sistema judicial queniano e pela flagrante falta de financiamento.

Nesta quinta-feira, a ONG Médicos Sem Fronteiras publicou um estudo sobre a mortalidade no Haiti ao longo de 10 anos, que "revela níveis extremos de violência sofridos pelos residentes da favela de Cité Soleil em Porto Príncipe".

Nessa área, quase 41% das mortes estão relacionadas à violência e a taxa bruta de mortalidade é de 0,63 óbitos por cada 10.000 pessoas por dia, aponta o relatório. Níveis semelhantes aos registrados em 2017 nos campos de Raqqa, a cidade síria que foi bastião do grupo Estado Islâmico.

A ONG anunciou na quarta que reforçaria sua presença em Porto Príncipe para atender a um maior número de feridos.