Imagem computadorizada do coronavírusDivulgação
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Contextualizando: Um recente vazamento de documentos do Instituto Robert Koch (RKI), órgão público alemão que esteve na linha de frente durante a pandemia de covid-19, tem repercutido entre comunicadores na Alemanha. Os chamados "Protocolos RKI" divulgam atas de reuniões do órgão e e-mails do período de 2021 a 2024. Nas mensagens, os responsáveis discutem ações de saúde e estratégias de comunicação, mas não chegam a insinuar que a pandemia foi uma "fraude", ao contrário do que afirma o post.
Órgão público que figura entre os mais importantes na área de saúde pública na Alemanha, o RKI teve arquivos vazados em 22 de julho por um grupo liderado pela jornalista Aya Velázquez. Anteriormente, o próprio órgão havia disponibilizado as atas de janeiro de 2020 a abril de 2021 (em alemão), divulgadas em 30 de maio após um pedido via Lei da Liberdade de Informação (IFG). Na época, o órgão disse que divulgaria os registros restantes "após análise adequada e participação de terceiros".
Os novos documentos abrangem o período de 2020 a 2023, que ainda não estavam disponíveis no site do RKI. Segundo Aya Velázquez, os documentos foram obtidos por meio de um ex-funcionário do Instituto. O primeiro vazamento dos Protocolos RKI, ou RKI Files, como ficaram conhecidos, reuniu todas as atas de reuniões em arquivo de mais de 10GB disponibilizado livremente. Dias depois, veio a nova fase, o que a jornalista chamou de "vazamento dentro de um vazamento". O novo conjunto de dados compreende e-mails enviados pelo órgão e até correspondências internacionais.
O jornal Die Weltwoche, que tem versões alemã e suíça, utilizou o vazamento para acusar o governo de "criar" a pandemia. O veículo publicou um artigo escrito por Philipp Gut e intitulado "Protocolos não editados do RKI: Não houve 'pandemia dos não vacinados'. Não houve pandemia alguma. O governo federal deu instruções à 'ciência' – e juntos eles enganaram o público", que foi amplamente compartilhado no X.
O veículo em questão é um periódico alinhado à direita comandado pelo político conservador suíço Roger Köppel, editor-chefe e acionista majoritário. Durante a pandemia, o Die Weltwoche, chegou a questionar a eficácia das vacinas e a apoiar políticos que criticaram abertamente a atuação das autoridades de saúde, como o ex-presidente Donald Trump.
Uma das acusações feitas pelo Die Weltwoche ao governo após o vazamento dos protocolos é de que os órgãos da Alemanha teriam causado pânico na população sobre uma suposta "pandemia de não vacinados". O termo aparece na ata de uma reunião feita em 5 de novembro de 2021.
No trecho em questão, os presentes discutem estratégias de comunicação. "A mídia está falando de uma pandemia dos não vacinados. Do ponto de vista técnico, isso não é correto, toda a população contribui. Isso deve ser abordado na comunicação?", diz no documento. O texto também afirma que o termo pandemia de não vacinados (em alemão) estaria sendo usado por um ministro do país, por isso, não era algo fácil de ser corrigido. Em seguida, a comunicação discute estratégias para incentivar a vacinação.
O ministro citado no documento é o ex-ministro federal da Saúde, Jens Spahn (em alemão). Após a divulgação dos Protocolos RKI, ele falou a respeito da "pandemia de não vacinados" para a ZDF (em alemão), emissora pública de televisão da Alemanha. "O que eu quis dizer com isso é que naquela época, nas unidades de terapia intensiva, víamos principalmente pessoas sem vacinação que apresentavam casos graves e extremamente graves", argumentou. Segundo ele, essa situação ameaçava sobrecarregar o sistema de saúde.
Pouco antes, em 29 de outubro de 2021, a ata afirma que o "ministro (Jens Spahn) recomendou a todos a dose de reforço e a vacinação dupla de recuperados", mas ainda não há dados do FG33 e da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre o segundo. O RKI destaca ainda que não havia feito recomendações nesse sentido pelo Comitê Permanente de Vacinação (STIKO). Em seguida, aparece a pergunta "O que realmente traz benefício adicional?"
Não há nas recomendações oficiais ou relatórios semanais de 2021 do RKI menção às recomendações feitas pelo ministro.
Em 23 de julho, o RKI emitiu um posicionamento em que critica o vazamento. "O RKI desaprova expressamente na medida em que dados pessoais e segredos comerciais e de empresas de terceiros sejam publicados ilegalmente nestes conjuntos de dados e, em particular, os direitos de terceiros sejam violados", escreveu. O órgão afirmou que não verificou os dados vazados e destacou que ainda vai publicar as atas de maio de 2021 a julho de 2023 após revisão, mesmo após o RKI Files.
Fontes consultadas: Consultamos veículos alemães para saber mais sobre os Protocolos RKI e procuramos atas e informações do próprio Instituto. As notícias nos levaram até a origem desses documentos, publicados pela jornalista independente Aya Velazquéz em 22 de julho. Uma busca pelas contas oficiais de Velazquéz nos permitiu ter acesso aos arquivos disponibilizado, onde foi feita uma busca pelos trechos utilizados para criticar o órgão.
Também buscamos o pronunciamento oficial do órgão e das figuras envolvidas.
Por que o Comprova contextualizou este assunto: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições. Quando detecta nesse monitoramento um tema que está sendo descontextualizado, o Comprova coloca o assunto em contexto. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Para se aprofundar mais: Em março, o RKI Files também gerou uma onda de acusações e conteúdos enganosos, como foi mostrado pelo Tagesschau (em alemão). Em abril, o Comprova publicou texto em que explica que o órgão de saúde alemão não determinou que lockdown era prejudicial, nem que covid matava igual à gripe. Em maio, a Folha de S.Paulo publicou reportagem mostrando que era falso que governo da Alemanha tenha considerado a pandemia uma fraude.
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