Bandeira do MéxicoAFP

A controversa reforma do presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, que propõe a eleição popular de juízes e magistrados, começou, nesta terça-feira (10), sua tramitação final no Senado, em meio a protestos, tensões com os Estados Unidos e nervosismo econômico.

A sessão começou com uma dura troca de acusações dentro do partido de oposição PAN, pois um de seus senadores, Miguel Ángel Yunes, se ausentou por motivo de saúde e foi substituído por seu pai, alimentando suspeitas de que a situação de esquerda poderia, assim, obter o voto que lhe faltaria para aprovar a reforma constitucional.

"Traidor! Pouco homem!", gritaram da bancada do conservador PAN para Miguel Ángel Yunes pai, também político, que não antecipou seu voto, embora estivesse acompanhado de líderes governistas.

"Covarde e traidor é você!", retrucou Yunes, dirigindo-se ao presidente do PAN, Marko Cortés.

Espera-se que o projeto seja votado entre terça e quarta-feira.

Com bandeiras do México e cartazes, centenas de trabalhadores do Poder Judiciário em greve se concentraram nos arredores do prédio do Legislativo para repudiar a iniciativa, aprovada na semana passada pela maioria governista na Câmara dos Deputados, que se reuniu em um ginásio poliesportivo porque sua sede foi bloqueada.

López Obrador, que entregará o poder para sua partidária Claudia Sheinbaum no dia 1º de outubro, garante que a eleição de juízes e magistrados, inclusive os da Suprema Corte, é urgente porque o Judiciário está "podre de corrupção".

"O que mais preocupa quem é contra esta reforma é que vão perder seus privilégios porque o poder Judiciário está a serviço de potentados (...), da criminalidade do colarinho branco", afirmou, nesta terça, o presidente, que tem 70% de popularidade.

Na véspera do debate, a presidente do Supremo, Norma Piña, equiparou a alteração a uma tentativa de "demolir o poder Judiciário", o que foi rejeitado pelo presidente, que mantém um duro confronto com a máxima corte, após esta bloquear reformas-chave nos setores de energia e segurança.

Caso único no mundo
A oposição, os Estados Unidos, especialistas das Nações Unidas e organizações como a Human Rights Watch afirmam que o voto direto vai minar a independência judicial e deixar os juízes à mercê do tráfico de drogas.

A emenda colocaria o México "em uma posição única em termos do método de eleição de juízes", assinalou Margaret Satterthwaite, relatora da ONU sobre a independência de juízes e advogados.

O outro caso similar na América Latina é o da Bolívia, onde os magistrados de altos tribunais são eleitos pelo voto popular, enquanto os juízes comuns são designados por um conselho da magistratura.

Mas a independência dos magistrados eleitos foi posta em dúvida em meio à disputa entre o presidente boliviano, Luis Arce, e seu padrinho político, o ex-presidente Evo Morales (2006-2019).

A tramitação da proposta no Senado mexicano é marcada pelo suspense, uma vez que faltaria ao partido no poder um único voto para completar os 86 (dois terços) necessários para aprovar as reformas constitucionais, embora o líder do Senado, Gerardo Fernández Noroña, afirme que 85 seriam suficientes.

Com um passado de deserções e escândalos, o partido opositor PRI anunciou que reunirá seus senadores em um hotel após denunciar ameaças do crime organizado.

"Ao cara que vota contra [o que foi acordado pela oposição, que] linchem o idiota", pediu a senadora conservadora do PAN, María de Jesús Díaz.

Os partidos da oposição, PAN, PRI e Movimento Cidadão disseram que votarão contra a iniciativa, ao mesmo tempo em que denunciam pressões de parte da situação.

"Lutaremos até o fim para evitar este atropelo", escreveu no X a senadora do Movimento Cidadão, Alejandra Barrales.

"Intervencionistas"
Os Estados Unidos e o Canadá também alertam para os danos à democracia e ao acordo de livre comércio T-MEC em caso de litígios, em um momento em que o México se consolida como o principal parceiro comercial do seu vizinho do norte.

López Obrador, que rejeita estas críticas, as quais denomina como "intervencionistas", insiste em que o voto direto aproximará a justiça da população do país, que registra diariamente cerca de 80 homicídios e onde a impunidade ultrapassa os 90%, segundo ONGs.

A presidente da corte apresentou no domingo duas propostas de reforma elaboradas pelo poder Judiciário que preveem maior orçamento para os tribunais locais, assim como a formação e a certificação de promotorias e polícias de investigação.

Na semana passada, López Obrador instou a corte a não bloquear a reforma, depois que a ministra Piña resolveu consultar seus colegas sobre se esse tribunal é competente para frear a iniciativa, como pediram funcionários judiciais mediante um recurso legal.

Especialistas afirmam que as preocupações de investidores sobre a reforma contribuíram com uma queda na cotação do peso frente ao dólar, embora López Obrador o atribua a "fatores externos".