Rio - Pelo menos 150 representantes de comunidades de Volta Redonda, no Sul Fluminense, participaram, na noite desta quinta-feira, na Cúria Diocesana, no Centro da cidade, da criação do "Movimento dos Atingidos pelo Pó da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN)". Boa parte deles levou, em vidros, pó preto recolhido de suas casas e supostamente originário da Usina Presidente Vargas (UPV). O produto foi depositado em uma caixa, em sinal de protesto contra a poluição no município, expressado também em cartazes e postagens nas redes sociais.
Durante a assembleia, organizada pela ONG Comissão Ambiental Sul (CAS), e que durou quase quatro horas, foram definidas duas linhas de ações imediatas: a realização de uma audiência pública, com data a ser marcada, com representantes da CSN, Ministério Público Federal (MPF-VR), Instituto Estadual do Ambiente (Inea), prefeitura, entre outras instituições; e a tomada de depoimentos formais de pessoas, cujas famílias se sentem prejudicadas diretamente pela poluição do ar. Principalmente pela poluição originada das partículas de pó emitidas pela siderúrgica, pelas chaminés dos Altos-Fornos e Aciaria, quanto das que saem do depósito de escória (subproduto do aço) irregular no bairro Brasilândia e adjacências, conforme denunciado em série de reportagens pelo DIA.
O movimento tem apoio de outras entidades voltadas para a defesa dos direitos humanos, como o MPF-VR, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-VR), Movimento pela Ética na Política (MEP-VR), e igrejas de diversas denominações.
"Os moradores estão demonstrando, de diversas formas, a indignação com a questão da poluição na cidade, que voltou a ter problemas seríssimos, a exemplo de décadas atrás. O movimento pretende estreitar os laços dos moradores que sofrem com o problema, para cobrar e apoiar ações urgentes de fiscalização para e controle da poluição, bem como punições para os agentes envolvidos por supostos crimes ambientais na cidade", ressaltou a presidente da CAS, Adriana Vasconcellos.
Analista ambiental, engenheiro florestal e membro da comissão, Sandro Alves afirmou que o movimento também exigirá mais transparência dos órgãos fiscalizadores. "Hoje, a população não consegue ter dados imediatos e, muito menos, confiáveis sobre a qualidade do ar que respira", lamentou. "O movimento é apartidário e aberto ao público", frisou.
Também participaram do lançamento do movimento, representantes do Instituto Chico Mendes, Pastoral da Saúde, Movimento Nacional por Moradia, associações de moradores e pesquisadores da Fiocruz.
Na semana passada, ao ser questionada sobre a criação do movimento, a CSN informou que não se pronunciaria, pelo menos por hora, sobre o assunto.
Reclamações
Carlos Alberto da Silva, 45 anos, gerente de loja e morador do Retiro, foi um dos que participou da assembleia. "Não aguentamos mais tanta poluição. No meu bairro, a maior parte dos vizinhos, assim como eu, sofre com sérios problemas respiratórios", lamentou. "São décadas de sofrimento, que só vem piorando. Graças a Deus as autoridades estão começando a tomar providências", Ângela Maria Firmino Cruz, 52, moradora do bairro Volta Grande IV.
No Facebook (www.facebook.com/atingidospelopodacsn), moradores passaram a postar fotos e denúncias de poluição supostamente originadas da CSN.
As ações pelo fim do descontrole das operações envolvendo escória (subproduto de Altos-Fornos e Aciaria da CSN da produção de aço), começaram a ser tomadas depois de uma série de matérias exclusivas feitas pelo DIA.
Durante o encontro desta quinta, o suposto descaso da CSN com a segurança de seus operários também foi discutido. Na semana passada, houve mais um acidente fatal – o quinto desde 2016 -, vitimando o metalúrgico Daniel Silvério Bragança, de 34 anos, que não resistiu ao acidente no interior da Usina Presidente Vargas, provocando queimaduras graves em 85% do corpo.
No domingo, mais dois funcionários tiveram queimaduras no interior da usina, mas sem gravidades. A CSN já havia se manifestado, em nota à imprensa, lamentando as ocorrências e garantindo que a família de Daniel está amparada pela empresa.
Entenda a situação
As investigações de descaso com o meio ambiente pela CSN ganharam mais um capítulo no início do mês, quando a Justiça Federal concedeu uma liminar determinando que companhia e a Harsco Metals limitem em quatro metros de altura a pilha de escória depositada às margens do Rio Paraíba do Sul.
O caso ganhou repercussão após série de reportagens publicadas pelo DIA, denunciando a penúria de pelo menos 15 mil moradores de seis bairros da periferia, que sofrem com montanhas de escórias que ultrapassariam os 30 metros de altura na localidade de Brasilândia.
Com a decisão judicial, concedida a partir de uma ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF) e pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), as empresas terão 120 dias para reduzir o tamanho da pilha de escória.
Segundo denúncias feitas pelos órgãos e ambientalistas, as irregularidades cometidas possibilitam a contaminação da água que impactaria no abastecimento fluvial de municípios do Sul Fluminense e da Região Metropolitana.
A montanha de escória é um resultado das atividades da CSN e possui sobras da produção de aço dos altos fornos da usina, que podem ser usadas na fabricação de cimento, pavimentação de ruas e apoio de vias férreas. A gestão do material está a cargo da multinacional Harsco Metals, que é contratada da CSN.
Na liminar, o juiz Bruno Otero Nery registra que quatro metros é o limite previsto pela licença de operação concedida pelo Inea para a pilha de escória. No entanto, documentos anexados ao processo registram montes de 20 metros de altura. Outro problema sinalizado pelo autor da decisão é com relação à distância entre o muro que circunda o depósito de resíduos e as margens do Rio Paraíba do Sul.
Em nota, na ocasião, a CSN informou que já tinha conhecimento da liminar e prestará os devidos esclarecimentos à Justiça, quando solicitada. A empresa disse também que "está empenhada e comprometida em buscar alternativas para o assunto" e argumentou que a área possui "as devidas licenças de operação, não havendo razões para urgência ou preocupação da comunidade".
Já a Harsco declarou que sempre prestou todos os esclarecimentos solicitados pelas autoridades. Além disso, a empresa garantiu ter cumprido "com todas as condicionantes e medidas de controle ambientais estabelecidas".