Publicado 17/06/2021 15:36 | Atualizado 17/06/2021 15:50
Rio - O advogado criminalista Bruno Cândido, que irá acompanhar o processo de Matheus Ribeiro, acusado por dois jovens brancos de furtar uma bicicleta elétrica no Leblon, disse que irá buscar a tipificação de racismo no caso do instrutor de surfe. O rapaz foi abordado, no sábado, pelo casal de brancos em frente ao Shopping Leblon. O objetivo, segundo Cândido, é encaminhar a ocorrência para a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi).
"Queremos que o caso seja investigado pela especializada exatamente pela incapacidade da delegacia local conceber que aquele foi um crime racial. Segundo, queremos sustentar a legislação que obriga que a entidade policial registre a ocorrência como racismo quando a vítima afirmar que é racismo, de acordo com a lei 2235/1994", explicou.
O crime de calúnia, como foi tipificada a acusação de Mariana Spinelli e Tomás de Oliveira, está previsto no artigo 138 do Código Penal, e consiste em atribuir falsamente a alguém a autoria de um crime. Para provar que foi vítima de uma calúnia, o instrutor de surfe teria de mostrar que o casal sabia que ele não havia furtado o equipamento e ainda assim o acusou. Para Cândido, a palavra de Matheus seria colocada em dúvida pela segunda vez; a primeira quando precisou se defender e a segunda se precisasse provar que o casal o acusou falsamente.
"Há uma ideia de raça aliado a uma desconfiança social, assim como os policias que acabam conduzindo pessoas negras que não cometeram crime apenas por acreditar que elas podem cometer um crime. O Rio de Janeiro sedia o termo 'atitude suspeita' e isso está diretamente relacionado a pessoa negra criminalizada. As pessoas da sociedade onde ele convive não conseguem conceber que um jovem como ele, com a aparência dele, tenha uma bicicleta de valor", pontua.
O delegado Orlando Zaccone explicou ao DIA que a prática de abordagem policial a jovens negros é superior a feita em jovens brancos e que o problema é estrutural e não apenas de formação das polícias. Segundo ele, é preciso entender a conduta racista que é mantida culturalmente nas instituições policiais e cujas estruturas demandam mudanças que estão acima do que o direito penal pode oferecer.
"O principal é não confundir o racismo como prática social com o crime de racismo. Imagina se todo policial fosse responder por crime de racismo ao abordar um jovem negro como suspeito? O sistema penal parava de funcionar. A isso chamamos racismo estruturante. Ele não é contra a lei. Ele é a favor da lei, infelizmente", afirma Zaccone.
O advogado criminalista que atua na defesa dos direitos humanos, Ivson Limoeiro, acredita que uma acusação de calúnia, no caso de Matheus, poderia ficar impune. Na lei de crimes raciais, fica especificado que a tipificação deve ocorrer quando é citada a cor da pele da vítima. No entanto, o artigo 20 da mesma norma explicita que a indução do racismo também deve ser inserida na aplicação da lei.
"No subconsciente do casal, eles estavam certos de que o Matheus havia furtado a bicicleta, só por causa da cor dele", disse Limoeiro.
Bruno Cândido, advogado do instrutor de surfe, disse que o rapaz também busca a acusação de racismo. "Pra ir como calunia pra mim não vai ter adiantado nada, não quero ganhar cesta básica em cima de ninguém, quero que isso seja considerado racismo pela sociedade, pela Justiça", disse Matheus, em áudio enviado ao defensor.
Nesta quarta-feira, a delegacia responsável pelo caso, a 14ªDP (Leblon), prendeu o autor do furto. Um jovem branco, de 22 anos, com 28 anotações criminais, sendo 14 delas, por furto de bicicleta.
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