Publicado 29/10/2022 15:57
Rio - O corpo do jovem Lorenzo Dias Palhinhas, 14 anos, foi sepultado na tarde deste sábado (29) no Cemitério Municipal de Irajá, na Zona Norte do Rio. O adolescente morreu durante uma operação da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no Complexo do Chapadão na noite de quinta-feira (27). A ação teve como objetivo encontrar os culpados do assassinato do agente Bruno Vanzan Nunes, ocorrido no mesmo dia.
Familiares e amigos foram até o local para homenagear o menino. A PRF alegou que o jovem atirou contra os agentes na operação, mas segundo parentes, o adolescente foi morto quando trabalhava como entregador para uma lanchonete, por volta das 23h. Os familiares contam que testemunhas presenciaram o momento em que Lorenzo foi baleado na cabeça pelas costas após uma abordagem de um policial na localidade conhecida como Beco do Suede.
De acordo com o avô do jovem, Fernando Francisco Palhinhas, nenhuma arma ou pólvora foram encontradas com o neto. O familiar apontou que o ele foi morto depois de realizar uma entrega e estava com apenas R$ 10 reais do troco de um trabalho. Segundo o parente, Lorenzo tinha o sonho de comprar uma moto para continuar trabalhando com entregas e ajudando a mãe.
"Lorenzo era um menino muito carismático. Tinha muitas amizades e sonhos, mas, infelizmente, foram interrompidos covardemente. Está circulando aí um boato que ele tinha envolvimento [com o crime]. Ele não tinha envolvimento com nada e nem sabe o que é arma. O propósito dele era trabalhar e ajudar a mãe dele. Ele foi assassinado covardemente. Foi uma covardia. Eles falaram que o Lorenzo trocou tiro com eles, mas a única coisa que ele tinha na mão dele era R$ 10 de uma entrega. Tiraram a vida do meu neto covardemente. Quero Justiça e que ela seja feita", pediu o avô.
Testemunhas do crime alegam que agentes da PRF queriam mudar a cena do crime e retirar o corpo do local, o que não foi permitido pelos próprios moradores. Emanuelle Araújo, amiga da família e considerada uma tia para Lorenzo, lamentou o ocorrido com o jovem e cobrou que a justiça seja feita.
"Eles tentaram levar o corpo. Estão falando que ele era bandido. A gente não aguenta mais a polícia entrar em uma comunidade, matar um inocente e falar que era bandido. Eles tem que pagar pelo o que fizeram. Cadê a pólvora e cadê a arma? A gente não aguenta mais essa injustiça. Todo mundo é bandido? Como que ele estava trocando tiro se eles atiraram por trás? Eles vão pagar pelo o que fizeram. Não tinha tiroteio naquele pedaço", disse Emanuelle.
A professora Neusa Maria Silva, que deu aula para Lorenzo em uma escola de Honório Gurgel, Zona Norte, também foi ao local para prestar apoio à família. "Ele sempre gostou de ganhar o dinheirinho dele. Tem que acabar com essa mania de achar que todo mundo que mora em comunidade é marginal. Na Zona Sul também tem marginal. Vê se a polícia vai lá atirando assim", indagou a mulher.
Sônia Bonfim Vicente, mãe do jovem Samuel Bonfim Vicente, 17 anos, morto no ano passado em uma incursão policial também no Complexo do Chapadão, foi até o cemitério como forma de auxílio para a família de Lorenzo. A mulher passou por um caso parecido com o seu filho e lamentou ocorrer uma nova situação na comunidade.
"Vim apoiar a mãe desse menino. O que fizeram é inadmissível. Na hora que eu vi, eu me senti passando por tudo de novo. Até quando vamos passar por isso? Favelado, pobre e preto não tem vez. Até quando vamos perder nossos filhos? Até quando vão ficar com esse kit bandido? Só os policiais tem vez. Esse auto de resistência tem que acabar. Chapadão pede paz", lamentou a mulher que ainda ressaltou que nada foi feito no caso de seu filho.
Homenagem e protesto
Durante a cerimônia, familiares, amigos e moradores do Chapadão realizaram um protesto como forma de homenagem a Lorenzo Palhinhas. O jovem trabalhava como entregador de lanches e diversos motociclistas levaram seus veículos para fazer um buzinaço.
O pai do menino chegou ao cemitério com a bolsa que o adolescente usava para realizar as entregas. Um vídeo que circula nas redes sociais mostra o menino, instantes antes de sua morte, chegando no estabelecimento em que trabalhava.
No ato do sepultamento, os presentes na cerimônia gritaram por Justiça e mostraram as bolsas que levam as entregas. O objeto virou uma forma de representar a luta em relação ao caso. Familiares e amigos ainda levaram bolas preto e branca como homenagem.
Polícia diz que jovem era do tráfico
A PRF, porém, contesta a versão de que o menino estivesse trabalhando com entregas. Segundo a corporação, responsável pela ação na comunidade do Chapadão, Lorenzo teria disparado contra a equipe que realizava a incursão na comunidade. O adolescente seria um dos seguranças de "plantão" em uma boca de fumo. Outros dois menores foram apreendidos na ação, que tinha por objetivo localizar os suspeitos da morte do agente da Polícia Rodoviária Federal, Bruno Vanzan Nunes, de 41 anos.
"O Lorenzo revidou a ação policial, o que obrigou a repelir essa injusta agressão. Até então, isso está sendo levantado pela perícia. Nas redes sociais dele, ele tem um envolvimento com o tráfico do Complexo do Chapadão. É o que foi levantado. A única alternativa por parte dos policiais foi reprimir essa injusta agressão. O local é extremamente conflagrado e de difícil acesso e obrigou os policiais a fazerem a volta em todo o Complexo para prestar socorro a essa vítima. Quando chegaram, já estava sem vida", explicou o chefe de comunicação da PRF, Marcos Aguiar.
Na ocasião, foram apreendidos uma pistola 380 com dois carregadores e 23 munições; uma pistola Taurus 9mm com 5 carregadores, sendo um deles estendido e 45 munições; um carregador de fuzil 556; 600 papelotes de crack; 622 pinos de cocaína; 149 frascos de lança perfume ou "loló" e 425 tabletes de maconha.
A morte de Lorenzo é investigada pela Delegacia de Homicídios da Capital (DHC). "Investigações estão em andamento para esclarecer as circunstâncias do fato", disse a corporação em nota. O Ministério Público Federal (MPF) também abriu um inquérito para investigar a morte do adolescente.
Questionada sobre as recentes acusações, a PRF ainda não respondeu até o fechamento desta reportagem. O espaço está aberto para manifestações.
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