Luiz Miguel toca trompete na orquestra do projeto. Sua família disse que não teria condições de bancar seus estudos se não fosse o programa Cleber Mendes

Rio - É em uma casa, na Rua Saint Roman, na subida do Pavão-Pavãozinho, Zona Sul do Rio, que mais de 400 crianças e adolescentes estudam em horário integral de graça, de segunda-feira a sexta-feira. Com refeições, oficinas no contraturno escolar e uma biblioteca comunitária com mais de 4.000 livros, o projeto Solar Meninos de Luz é um trampolim para muitas famílias da comunidade. Com a sua filha estudando perto de casa, a enfermeira Roberta Lessa, de 47 anos, conseguiu trabalhar e se formar na faculdade. Além do ensino tradicional, o programa também conta com aulas de música gratuitas para os alunos. 

O Solar Meninos de Luz é um projeto socioeducacional que oferece educação integral a crianças e adolescentes residentes das comunidades do Pavão-Pavãozinho e Cantagalo, ambas na Zona Sul do Rio, em situação de vulnerabilidade social. O programa, que começou como creche e hoje abrange fundamental I, II e Ensino Médio, também tem o objetivo de inserir o jovem no universo da arte, música, esporte e ciência, possuindo espaços como laboratório, teatro e até mesmo uma orquestra. 

O projeto entrou na vida de Roberta em 1994, quando sua irmã começou a trabalhar como auxiliar de creche. Quatro anos depois, em 1998, teve uma filha, Maria Eduarda, e conseguiu uma vaga para que ela pudesse estudar no local. "Eu tinha 23 anos na época e era muita responsabilidade. Não tinha muita perspectiva de futuro, de crescimento, porque eu era muita nova, morando em comunidade, com filha pequena, sem um casa estruturada", disse.

Com a sua filha estudando em horário integral, ela conseguiu trabalhar para custear a reforma da sua casa, que ainda não era de alvenaria, e estudar para dar um futuro melhor para a sua família. "A Duda entrou com quatro meses no berçário e se formou lá. Além de se preocupar com a criança, o projeto também dá muita atenção aos pais e a família. Eu sempre confiei neles. Aprendi muita coisa, tive muita oportunidade e, como sempre quis ser enfermeira, consegui ir atrás do meu sonho com tanto apoio emocional e motivacional".

Além de Roberta, seu marido também conseguiu se formar na faculdade de direito. "Nesse meio tempo, terminamos de construir a casa, porque quando temos o nosso filho em lugar seguro, conseguimos viver e batalhar para dar o melhor a eles. O crescimento não foi só da Duda, mas meu e do meu marido também", disse ela, que se mudou da comunidade recentemente e agora está morando na Tijuca, Zona Norte do Rio.

Depois de 13 anos veio a outra filha, Maria Clara, 13, que hoje estuda também no projeto. "Consegui vaga para ela também com 4 meses de idade. Eu já estava formada, exercendo a minha profissão, mas não abrimos mão de matricular ela lá. O Solar ajudou a nos libertar, irmos em busca de oportunidades, melhorias para a nossa família". Hoje, sua filha mais nova está indo para o sexto ano e a mais velha está cursando medicina.

"A Duda entrou pelo FIES depois de muita luta, muito suor. É um orgulho muito grande vê-la cursando medicina, saindo da comunidade. Meu sonho sempre foi ter uma casa fora dali, eu cresci com isso na cabeça porque é um ambiente hostil querendo ou não. Nós nos habituamos a viver ali, mas são muitas dificuldades", explicou Roberta. Para ela, a sua paz e a da sua não tem preço.

Luiz Miguel Ferreira, 15, é um dos estudantes do projeto e faz aulas de música nas oficinas oferecidas pelo programa, onde toca trompete. "Eu entrei na escola no Pré II com 5 para 6 anos, já estou há 10 anos no Solar. Quando era do quarto ano foi criada a orquestra na escola, então eu fiquei com vontade de aprender o instrumento que até aquele momento eu não sabia direito o que era, porém, eu só poderia fazer flauta doce". Só depois de um tempo, segundo Luiz, que ele percebeu que realmente o seu instrumento era o trompete.

"No 6° ano eu poderia tentar entrar para fazer as aulas, no entanto, no meu primeiro dia machuquei minha boca e não pude ir. Com isso, as vagas foram preenchidas e não teria mais como eu fazer aquele instrumento, então fui para o violino, onde eu fiquei quase um ano. Fiz algumas apresentações pela escola e a que mais foi importante pra mim naquele tempo foi a do Copacabana Palace", disse ele.

Passados alguns anos, Luiz conseguiu entrar na aula de trompete e se encontrou. Hoje ele faz parte da orquestra do projeto fazendo algumas apresentações. Para ele, a que mais o impactou foi o dia em que se apresentou no Theatro Municipal, no Centro do Rio. "Ele gosta muito de aprender. Desde que entrou na música, aprende sozinho, vai no youtube, olha partitura, toca. Se não fosse o projeto, não teríamos condições de pagar aula de música para ele", disse sua mãe, Márcia Cristina Ferreira, 45.

De acordo com a diretora do programa, Isabella Maltaroli, de 57 anos, tudo começou na véspera de natal de 1983, quando uma forte chuva atingiu a cidade. Sua casa, na Rua Sá Ferreira, em Copacabana, Zona Sul, dava de fundos para a comunidade Pavão-Pavãozinho, e sua mãe ouvia os pedidos de socorro de famílias que tiveram suas casas levadas pela caixa d'água que desmoronou. "No dia seguinte, minha mãe já se prontificou em ajudar e estava lá, perguntando quem precisava de alguma coisa. Levaram ela para o salão da Associação de Moradores, onde eles estavam e, no local, tinha uma pré-escola. Foi para onde os sobreviventes tinham sido levados".

Ao se deparar com o cenário desolador, Iolanda Maltaroli, fundadora do projeto, não tinha o que fazer, então fez uma prece. "Todos se acalmaram e pediram que ela retornasse. No dia seguinte, retornamos e nós, filhos, ficamos com as crianças enquanto ela conversava e consolava os adultos. Todo fim de semana íamos para lá e fomos fazendo amigos, trazendo voluntários para ajudar. Levamos assistência, acolhimento e amor". Após dois anos de trabalho, novas necessidades foram surgindo e, de acordo com Isabella, uma das principais era com quem as famílias deixariam seus filhos para sair para trabalhar.

Em 1991, a Escola de Educação Integral Solar Meninos de Luz nasceu. "Eu já era professora também nessa época, então fiz o programa com a minha mãe e a gente percebeu que só a creche não adiantava, a gente precisava acompanhar o desenvolvimento das crianças dando oportunidades reais de transformação, de vida, através de educação de qualidade". O colégio já formou ex-alunos que atualmente estão terminando doutorado em Nova York, que hoje são médicos, advogados, engenheiros, entre outras profissões.

"Nós já temos a segunda geração, filhos de ex-alunos estudando aqui também. Muitos também se tornam voluntários do projeto e vêm ajudar a gente", finalizou Isabella, que informou que a Prefeitura do Rio é um dos parceiros do programa.

A ajuda financeira da prefeitura, para Isabella, é boa, mas não custeia todos os gastos do projeto. "A parceria não cobre todos os custos das crianças. O custo médio de um aluno nosso está em cerca de R$ 1350. A prefeitura só envia R$ 650 reais, então nós temos que custear mais da metade".

Através de nota, a Secretária Municipal de Educação informou que a parceria existe desde 2004 e mensalmente há um repasse referente ao custeio educacional e nutricional de pelo menos 88 crianças, com idades que vão de seis meses a três anos e 11 meses.

Sobre o projeto

O programa conta com 10 horas diárias, servindo 3 refeições e oferecendo mais de 30 oficinas, entre danças, artes, esportes e música, incluindo uma orquestra formada por alunos e moradores dessas comunidades.

Com 4.500m2 de área construída, no espaço há um teatro para 400 pessoas, um complexo poliesportivo, uma biblioteca comunitária, uma galeria de artes e um laboratório de ciências entre outros.

Uma das atividades extras é a Escola de Música Solar, onde Luis Miguel toca trompete. Nas oficinas de Educação Musical, Canto Coral e Percussão, e a Orquestra Solar Meninos de Luz, os jovens tem acesso a aulas gratuitas - abertas também aos moradores destas comunidades - de violino, viola, flauta transversa, violoncelo, clarineta, trompete, trombone e contrabaixo acústico.