Rio - O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) anunciou, nesta terça-feira (21), a mudança de nome do conjunto de bens antes denominados "Coleção Magia Negra" para "Acervo Nosso Sagrado", após atuação do Ministério Público Federal (MPF), em apoio à reivindicação da comunidade religiosa de matrizes afro-brasileiras.
Desde 2017, o MPF vinha cobrando a mudança, a partir do nome definido coletivamente por representantes da sociedade civil organizada. No fim de 2022, o MPF fez nova cobrança. Nos ofícios dirigidos ao presidente do Iphan, ao superintendente do Iphan no Rio de Janeiro e ao diretor do Departamento de Patrimônio Material e Fiscalização (Depam), o MPF relembrou que o tombamento foi feito durante a ditadura do Estado Novo e no contexto de uma violenta e sistêmica repressão praticada pelo Estado brasileiro contra as religiões de matrizes afro-brasileiras. Por isso, o acervo foi batizado pelo ponto de vista discriminatório e estruturalmente racista predominante da época.
Para a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, "a mudança da nomenclatura se afigura necessária como medida reparatória e se destina a conciliar a integral proteção do acervo com os objetivos previstos na Constituição Federal, quais sejam, de erradicar a marginalização, o preconceito, o racismo e a discriminação baseados em motivos religiosos, bem como o de construir uma sociedade livre, justa e solidária e cujo fundamento está assentado na dignidade da pessoa humana".
Nesse sentido, a designação da coleção deve estar "livre de proposições ou abordagens que perpetuem estereótipos e estigmas historicamente utilizados pelo Estado brasileiro para manter indevidas hierarquizações e inferiorizações baseadas nas orientações religiosas de seus cidadãos”. Assim, como medida de reparação e de forma a contribuir para o enfrentamento do racismo religioso e da intolerância religiosa, a coleção precisava ter o nome alterado, passando a ser chamada de "Nosso Sagrado", conforme decisão coletiva.
No anúncio da mudança de nomenclatura, o Iphan destacou que o processo de retificação do tombamento constitui uma revisitação e ressignificação por parte do instituto dos valores atribuídos aos bens culturais e é fundamental para fortalecer iniciativas de combate ao racismo no Brasil.
Entenda o caso
Os objetos considerados sagrados por religiões de matrizes afro-brasileiras foram apreendidos ainda na vigência do Código Penal de 1890 e permaneceram durante todo o século XX custodiados no Museu da Polícia Civil, no Centro do Rio.
O MPF instaurou o Inquérito Civil n.º 1.30.001.003468/2017-16 levando em conta as obrigações do Estado de evitar novas violações a direitos e garantias fundamentais, e de proteger e promover a diversidade cultural e a pluralidade religiosa.
Em 2020, o acervo de mais de 200 peças foi transferido para o Museu da República. Desde então passou a existir uma gestão compartilhada entre o museu e a sociedade civil, para possibilitar a proteção adequada e a produção de conhecimento.
"A transferência do acervo para o Museu da República e mudança de nome são medidas muito significativas para o enfrentamento do racismo religioso no Brasil. Não por coincidência a alteração foi anunciada em 21 de março, Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial e também Dia Nacional das Tradições de Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé. Vivemos um momento histórico de mudanças de paradigmas. Com essa nova postura adotada pelo novo governo, o Estado brasileiro reconhece a importância de respeitar e valorizar a diversidade cultural e a pluralidade religiosa como valores fundantes da nossa democracia. Essas mudanças são vitórias da comunidade de axé e de todo povo brasileiro", avalia o procurador regional dos direitos do cidadão, Jaime Mitropoulos.
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor.