Rio - Os familiares de 14 vítimas da operação da Polícia Civil no Jacarezinho entraram na Justiça em busca de reparação. Ao todo, 60 parentes dos jovens mortos ingressaram com ações indenizatórias contra o Estado cobrando pensão, dano moral e tratamentos para saúde mental. A operação policial tem o maior número de mortos na história do Rio de Janeiro, sendo no total 28 vítimas. Ela completará dois anos no próximo dia 6 de maio.
O advogado dos familiares das 14 vítimas, João Tancredo, afirma que os pedidos de indenização se baseiam em incontáveis irregularidades cometidas pela operação que, se ignoradas pelo Judiciário, normalizarão o aumento exponencial da brutalidade contra os moradores de favelas.
“A letalidade policial no Rio já é das mais altas do mundo. A Polícia Civil tem uma média de quase 5 mortos por operação. No Jacarezinho, esse número foi superior em aterrorizantes 460%. O crescimento dessa máquina estatal de matar precisa ser freado, isso nunca reduziu a criminalidade, apenas ampliou o sofrimento do povo preto e pobre”, disse.
Ingressaram com as ações os familiares das seguintes vítimas: Cleyton da Silva Freitas de Lima, Diogo Barbosa Gomes, Guilherme de Aquino Simões, Isaac Pinheiro de Oliveira, Jonas do Carmo Santos, Marlon Santana de Araújo, Márcio da Silva Bezerra, Mateus Gomes dos Santos, Maurício Ferreira da Silva, Natan Oliveira de Almeida, Richard Gabriel da Silva Ferreira, Rodrigo de Paula de Barros, Toni da Conceição e Wagner Luiz de Magalhães Fagundes.
As ações movidas pelos parentes questionam o desrespeito da operação policial à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF); ao direito à investigação adequada e ao direito ao tratamento adequado dos corpos.
Irregularidades
A ADFP 635 determinou que as operações policiais deveriam ser excepcionais, excepcionalmente cuidadosas e imediatamente justificadas. “Tudo descumprido no Jacarezinho: não foi excepcional pois o único objetivo era o cumprimento de 21 mandados de prisão; não foi cuidadosa, uma vez que foram 28 mortos em 9 horas de operação; e não foi imediatamente justificada, já que o Ministério Público foi comunicado da operação 3 horas depois de iniciada”, destaca Tancredo.
Quanto à precariedade da investigação criminal, as ações trazem uma série de denúncias contra as autoridades, como a alteração dos locais onde as vítimas foram mortas e o desprezo a provas trazidas por moradores.
No caso da execução do pedreiro e pizzaiolo Jonas do Carmo Santo, a versão policial afirma que seu corpo foi retirado do local do crime para prestação de socorros no Hospital Municipal Evandro Freire. Entretanto, fotos e relatos dados por testemunhas, mas desprezados pela investigação, mostram Jonas baleado, estirado ao solo e já morto dentro da favela. A perícia, por sua vez, apontou que, embora o tempo estivesse bom, encontrou o piso molhado e concluiu: "constatado na via a presença de uma extensa mancha de sangue diluída em água, inferindo tentativa de lavagem".
No caso do assassinato de Matheus Gomes, uma foto de seu corpo sentado em uma cadeira de plástico sobre uma poça de sangue circulou pelas redes sociais. A cadeira, porém, sumiu e não pode ser periciada. Não há na investigação nenhum registro de arma encontrada com ele. Até o momento, os assassinatos de Richard Gabriel da Silva Ferreira e Isaac Pinheiro de Oliveira são o único caso no qual policiais foram denunciados por forjar a cena do crime. Relatos de testemunhas, fotos e um áudio apontam que os jovens foram mortos dentro de uma casa quando já estavam rendidos.
A defesa dos familiares de 14 vítimas da operação ainda criticou os trabalhos de investigação por desconsiderar lesões que caracterizam execução ou intenção de atirar para matar; pela imparcialidade ao buscar antecedentes criminais das vítimas e seus familiares e ignorar o histórico de letalidade dos agentes envolvidos; e pela falta de empenho na busca de todas as provas para elucidar os fatos e suas circunstâncias.
“O que se viu foi a transferência da obrigação de investigar para os familiares. Os policiais responsáveis pelas execuções sequer foram afastados e, cruelmente, continuavam na localidade. E os familiares, a cada vez que falavam com o Ministério Público, ainda recebiam a pecha de sua incapacidade de levar essas testemunhas”, resumiu Tancredo.
As ações indenizatórias também reclamam pelo direito ao tratamento adequado dos corpos das vítimas. Testemunhas afirmaram que vítimas, já mortas, foram retiradas da favela por policiais em um carrinho, tiveram as mãos e pés amarrados e os corpos lançados em um caveirão, onde ficaram empilhados.
Em audiência de custódia, um dos presos na operação relatou que foi obrigado por policiais a carregar mais de dez corpos para dentro de um "caveirão".
"Ele botou a gente para descer num beco assim, tinha vários corpos assim no beco. E ele falou: bora, você vai ser obrigado a levar esses corpos aqui. [...] Já comecei a chorar e ele: chora, não. Querendo pegar minha cara e tacar assim na tripa do moleque que estava pra fora."
Pedidos
Como forma de reparação, as ações apresentadas pelos familiares pedem o pagamento de indenizações por três tipos distintos de dano moral. Para o dano causado pelas execuções, os pedidos variam de R$ 100 mil a R$ 500mil. Já para os danos causados pela violação dos direitos à investigação adequada e ao tratamento adequado dos corpos, os valores são de R$ 50 mil e R$ 100 mil, respectivamente.
Os familiares ainda cobram pensões para os dependentes das vítimas, cujas as quantias variam de um salário-mínimo até R$ 3 mil, e o pagamento de tratamentos para a saúde mental, em valores a serem estipulados caso a caso, após avalição de peritos.
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