A loja Vidromar, na Rua do Senado, é a única da Rua dos Vidros que permanece abertaAnna Clara Sancho / Agência O Dia

Rio – Com fachada simples e interior impressionante, a loja de embalagens de vidro Vidromar, na Rua do Senado, no Centro, guarda pedaços da história do Rio em sua própria narrativa e prateleiras.
Fundada em 1980 pelo português Manuel Caetano, a Vidromar é a única loja remanescente da chamada Rua dos Vidros, que existiu até por volta de 2008 em um trecho da Rua do Senado, entre a Rua dos Inválidos e a Avenida Gomes Freire, quando os estabelecimentos começaram a falir. Nada mais justo do que ser reconhecida como Patrimônio Cultural Carioca, em 2015, pela Prefeitura do Rio.
A história da venda de artigos de vidro naquela região começou na primeira metade do século XX, com a figura do garrafeiro. Eram, em geral, imigrantes portugueses e espanhóis que usavam carroças do tipo conhecido como ‘burro sem rabo’ e percorriam o Rio comprando vidraria. Para chamar a atenção do público, os comerciantes tinham um jeito singular de gritar a palavra 'garrafeiro' com entonação forte nos dois erres. Após rodar a cidade adquirindo os objetos, eles os vendiam na então conhecida Vila dos Garrafeiros, localizada em uma parte da Rua do Senado, onde moravam em casarões de dois andares. Foi ali que José Dionízio do Carmo, futuro dono da Vidromar, iniciou a sua trajetória.
"Meu pai comprava frascos, recipientes de vidros de lugares que tinham fechado e vendia para os comerciantes da Vila dos Garrafeiros. Até que teve um incêndio na vila, alguma casa do local pegou fogo e destruiu tudo. Quem tinha dinheiro pôde abrir loja e todos acabaram no mesmo quarteirão, por isso ficou conhecido como Rua dos Vidros", contou José Dionízio, de 55 anos, hoje à frente do negócio.
As lojas se instalaram na década de 1960, mas a Vidromar só foi abrir as portas em 1980. José Dionízio pai foi contratado para gerenciar o comércio. Em 1987, prestes a falir por má administração, o dono do lugar ofereceu vendê-lo à José. A loja com todo acervo foi parcelada em 24 prestações.
"A loja foi comprada pelo meu pai em setembro de 1987. Em janeiro de 1988 ele teve infarto fulminante e morreu. Eu tinha 17 anos, trabalhava em um banco, saí do banco e tive que ser emancipado para tomar conta da Vidromar. Eu não sabia nada de vidro, arregacei as mangas e fui trabalhar. A última parcela foi paga no dia do aniversário do meu pai", lembrou, saudoso, Dionízio Filho. "Éramos os únicos brasileiros, todo mundo português. Tinha uma competição entre a gente, mas era uma coisa saudável", esclareceu.
Atualmente, José Dionísio cuida da loja com a sua mulher Anídia, professora de História que fica de olho em leilões para comprar acervos diferentes, como recipientes antigos de remédios, mas também abrindo exceções para achados preciosos. Quando a Casa Neiva, comércio tradicional especializado em artigos e equipamentos para hospitais que ficava na Rua dos Andradas, no Centro, encerrou as atividades, o casal adquiriu os móveis e vidraçarias.
"As pessoas falavam que eu não iria vender, aqueles móveis de consultório, hospital, cadeira branca, maca. Coloquei aqui na loja e vendi tudo em dois meses", divertiu-se.
O perfil de cliente é bem diverso: vai de emissoras de televisão atrás de potes, vasos e garrafas para compor sets e cenários, passando por confeiteiros, laboratórios, restaurantes, faculdades, cervejarias artesanais e pessoas físicas, inspiradas a decorar a casa. No passado, o então ex-presidente João Figueiredo (1979-1985) comprava itens na loja. Os produtos são todos nacionais, obtidos de fornecedores de São Paulo, Minas Gerais e da região Sul.
Walter Netto, engenheiro civil de 33 anos, tinha um negócio de cestas de café da manhã e comprava embalagens pequenas na Vidromar, para itens como geleias e granolas. Com o fim da empresa, passou a frequentar a loja para enfeitar a casa. "Eu passava aqui sempre e sempre me dava interesse em procurar outras coisas, que não só para o trabalho. Aqui eu sei que tem bastante opção, é uma loja de referência e hoje eu estou de volta aqui para comprar um vidro para colocar rolha de bebida para decorar a casa", contou.
Outra clientela assídua do comércio vem da Petrobras, que fica bem próxima à loja. Thiago Maia, de 37 anos, economista na empresa, costuma comprar potes de vidro de laboratório conhecidos como becker para usar como copo em sua casa. 
Questionado se pensa em um dia fechar a loja, Dionísio garantiu às gargalhadas que não. "Só fecho se eu morrer [e ainda assim o filho Yan ficaria à frente], mas eu ainda vou durar muito tempo", finaliza.