FB participou da audiência por videoconferência de uma sala no presídio federal de Catanduvas, no ParanáDivulgação/TJRJ

Rio - O traficante Fabiano Atanásio da Silva, o FB, foi condenado a 225 anos de prisão acusado de derrubar a tiros um helicóptero da Polícia Militar durante uma operação no Morro dos Macacos, em Vila Isabel, Zona Norte do Rio, em outubro de 2009. Na ocasião, três policiais que viajavam na aeronave morreram. A decisão foi definida durante o julgamento realizado pelo Tribunal de Justiça do Rio que teve início na manhã desta terça-feira (20) e durou mais de 20 horas.

A juíza Tula Corrêa de Mello foi quem presidiu a sessão. Fabiano Atanásio da Silva acompanhou o julgamento por videoconferência de uma sala no presídio federal de Catanduvas, no Paraná. Ele está condenado por três homicídios, seis tentativas de homicídio e associação para o tráfico. Além da prisão, foi determinado 1200 dias de multa.

A audiência começou pouco depois das 10h de terça-feira (20) e se estendeu ao longo da madrugada. Na sentença, foi concluído que FB liderou e organizou as ações contra os PMs.

"As circunstâncias do crime são nefastas, sendo certo que a conduta dirigida ao abate de uma aeronave do Estado se equipara a ato de terrorismo, pois não se restringe à violência individualmente direcionada à cada um dos policiais atingidos e aos familiares, vítimas indiretas da ação nefasta, mas pela intenção declarada de guerra ao Estado", diz um trecho da decisão.
Fabiano Atanásio das Silva, o FB, é acusado de matar três policiais - Divulgação
Fabiano Atanásio das Silva, o FB, é acusado de matar três policiaisDivulgação


A primeira testemunha a depor foi o delegado Carlos Henrique Pereira Machado, que presidiu o inquérito policial e conduziu as investigações na época em que estava lotado na 25ª DP (Engenho Novo).

Outra testemunha foi o tenente-coronel Marcelo Mendes, que na época levou um tiro no pé. Durante seu depoimento foi exibido um vídeo gravado logo após a queda. As imagens mostram o helicóptero pegando fogo e o desespero dos colegas que chegam em outra aeronave para prestar socorro, em 17 de outubro de 2009. Numa das cenas, o então capitão Mendes tenta apagar o fogo que tomava conta do corpo de um dos colegas.

Ao todo, oito testemunhas prestaram depoimento. Durante todo julgamento, houve apenas uma interrupção, por volta das 3h, devido o sistema de videoconferência travar e o réu não conseguir mais acompanhar a audiência. A sessão foi retomada cerca de uma hora e meia depois.

Ainda na audiência, a defesa de Fabiano defendeu sua inocência. Mais cedo, inclusive, na chegada ao Tribunal de Justiça, no Centro do Rio, o advogado Cláudio Dalledone reforçou que não havia provas contra seu cliente. O pronunciamento foi publicado nas redes sociais.

"Ele está há mais de uma década jogado na masmorra do presídio federal, o que é inadmissível. O que sustenta a defesa é a negativa da autoria, não há sequer indícios. É tudo sobre ‘ouvi dizer’ da boca do delegado e de oficiais da PM. Não havia nenhuma testemunha, um elemento sequer que aponte que Fabiano tenha participado e estava no local dos fatos", disse.
Pena de acordo com os crimes

Na decisão, a juíza explicou que a pena foi individualizada de acordo com cada crime ao analisar as circunstâncias. Entenda:

Em relação à vítima Marcos Stadler Macedo, o Conselho de Sentença primeiro reconheceu os maus antecedentes de FB, visto que o réu era chefe da facção criminosa Comando Vermelho, que tem poder em extensa área territorial do Rio de Janeiro e nesse contexto avança territorialmente de forma organizada,
estabelecendo áreas de domínio absoluto onde o Estado não ingressa.

“A situação é tão absurda que o réu afirma que desde 2006 ‘trabalha’ no tráfico de drogas, como se atuasse legitimamente, já que o tráfico fornece à população carente condições que o Estado não está sendo capaz de prover”, diz um trecho da sentença.

Em seguida, o Conselho ressalta que a culpabilidade do acusado é extrema, “já que, enquanto líder da facção criminosa, demonstrou efetiva ousadia ao determinar previamente a seus comparsas que empregassem violência consistente em efetuar disparos de armas de fogo contra todos os opositores à ação do grupo, atentando contra agentes públicos em serviço que, nesse tipo de combate já foram
vitimados em centenas desde a data do fato até a presente data”.

Quanto às consequências do crime em relação às vítimas individualmente, o Conselho explicou que os sobreviventes sofreram danos psicológicos extensos, que culminaram com o afastamento das funções por relevante período e possuem repercussão até hoje, conforme depoimentos. Além do dano e abalo extensivo aos filhos e familiares.

Na sentença ainda foi especificado o intenso sofrimento físico sofrido pelas vítimas fatais, que foram carbonizadas em vida. “Registre-se que o intenso sofrimento físico a que a vítima Marcos Stadler Macedo foi submetida, carbonizada no interior do helicóptero em chamas, tentando se desvencilhar dos obstáculos para saída da aeronave, conforme relato das testemunhas no sentido de que ficou presa, circunstância registrada pelo laudo de necropsia que a princípio sequer foi capaz de identificar a vítima diante da situação cadavérica”, explicou.

Com relação ao agente Edney Canazaro de Oliveira também foi registrado que a vítima teve intenso sofrimento físico. O corpo foi encontrado no mesmo estado do PM anterior. O crime foi reconhecido em circunstância agravante por ter sido feito com emprego de fogo e meio cruel.

No caso da vítima Izo Gomes Patrício foi ressaltado que ele foi carbonizado ao sair do helicóptero em chamas, em cena dramática registrada por imagens e pelo relato de testemunhas, que tentavam apagar o fogo que consumia seu corpo ainda em vida. “Como registrado nos autos e em depoimentos na presente data, a vítima, que era negra, ficou branca, teve a pele toda consumida pelo fogo, além de cartilagens. A cena da vítima, saindo como uma bola de fogo, consumida pelas chamas, e ainda assim lutando pela vida, com a ajuda de seus pares, é de impacto sem precedentes e tal fato merece consideração”, diz a decisão.

A pena estipulada para cada um dos crimes em que as vítimas morreram foi de 30 anos de reclusão. Totalizando 90 anos, nesta primeira fase. Em relação às demais seis tentativas de homicídio, cada um teve pena equivalente a 20 anos de reclusão, totalizando 120 anos. Por fim, foi definido mais 15 anos por por posse ilegal e arma de uso permitido sem a autorização e em desacordo com a determinação legal para fins de reincidência. Somando, o total da pena a ser cumprida é de 225 anos.
Ao DIA, o advogado de FB disse que vai recorrer da decisão: "A decisão é manifestamente contrária à prova dos autos. A pena é um absurdo, não existe como prevalecer a pena e muito menos que esse julgamento não seja anulado. Iremos lutar até as últimas instâncias para restabelecer o estado de direito", afirmou Cláudio Dalledone.
Outros condenados

Em setembro de 2022, o Conselho de Sentença do 3º Tribunal do Júri da Comarca da Capital condenou dois traficantes pelo ocorrido. Magno Fernando Soeiro Tatagiba de Souza, o Magno da Mangueira, e Leandro Domingos Berçot, o Lacoste de Manguinhos, foram condenados a 193 anos, um mês e dez dias de prisão.

Segundo os laudos de necropsia, anexados ao processo, os três PMs, identificados como Marcos Stadler de Macedo, Edney Canazaro de Oliveira e Izo Gomes Patrício, morreram carbonizados e foram submetidos a "imenso sofrimento físico".

Magno da Mangueira está preso na Penitenciária Federal de Catanduvas, no Paraná. Antes, ele cumpria pena na Penitenciária Federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte. De acordo com a polícia, ele seguia enviando ordens para seus subordinados na favela de dentro da cadeia. Já Lacoste segue foragido da Justiça. O Portal dos Procurados, do Disque Denúncia, divulgou um cartaz em busca de informações e oferece R$ 1 mil para quem souber sobre o paradeiro do criminoso.

Luiz Carlos Santino da Rocha, o Playboy, também foi acusado de participação no crime. Ele já havia sido condenado a 225 anos de prisão no ano de 2019 com o desmembramento do processo original.

Na época do crime, os quatro acusados eram considerados chefes do tráfico da facção Comando Vermelho, que atua em todo o estado do Rio.

Relembre o caso

Em outubro de 2009, os quatro acusados, com a ajuda de outros criminosos não identificados, planejaram e participaram da invasão à comunidade Morro dos Macacos que, na época, era comandada por uma facção rival. Por conta do intenso confronto entre as facções, a Polícia Militar realizou uma operação.

Os agentes tentavam impedir a "guerra do tráfico" tanto por terra quanto pela aeronave quando foram atacados pelos criminosos. O helicóptero, que levava seis policiais, foi alvo de diversos tiros e caiu em um campo da comunidade.

Três PMs que estavam à bordo do "Fênix 03" morreram no incidente, os outros três agentes ficaram feridos. Além deles, mais três policiais que estavam no chão também se feriram com a queda da aeronave.

Na época da queda do helicóptero, a polícia chegou a apontar que outros criminosos participaram da ação. Várias delegacias abriram inquérito para investigar o caso, mas somente quatro bandidos acabaram sendo processados.