Lucas Torres foi morto aos 16 anos em 2019Reprodução/ Arquivo pessoal
Revoltada com a soltura dos réus, a mãe da vítima, Vanessa Bernardo Torres, de 36 anos, considera que o Ministério Público deixou a desejar na condução do processo. O motivo do habeas corpus concedido aos quatro foi a demora para o início do julgamento no Tribunal do Júri.
A prisão preventiva dos réus foi decretada no dia 3 de abril de 2019. A audiência, marcada para março de 2020, sofreu sucessivos adiamentos por pedidos do Ministério Público. As sessões foram remarcadas em datas distantes umas das outras.
"Entende-se que, no caso, não há justificativa idônea para a manutenção da prisão por mais de quatro anos, sem que ainda não se tenha data para que se realize o plenário do Júri (precedente)", decidiu a Sétima Câmara Criminal do Rio no último dia 15.
Outra decisão da Justiça do dia 19 de junho, no entanto, marcou a sessão plenária do Tribunal do Júri para o dia 4 de setembro de 2023.
Vanessa Torres conta que a liberação dos acusados fez com que a cuidadora de idosos se reconectasse com o início do processo, quando precisou lutar para garantir justiça ao caso. Dois anos após a morte do filho, o companheiro, que criou o jovem, também faleceu, deixando-a apenas com o caçula de 12 anos.
"Desde o acontecimento, abandonei minha casa própria em Cabuçu e moro longe, de aluguel. Tudo o que aconteceu vem afetando a minha família. O padrasto do Lucas faleceu. Eu estou diabética e com crise de ansiedade. O mês de março, quando aconteceu o assassinato, é um mês horrível. Tudo retorna. Tive que sair do emprego porque não estava conseguindo trabalhar. Agora que retornei", disse a cuidadora.
Vanessa Torres acrescentou que esteve na terça-feira passada (20) no Ministério Público após tomar ciência do habeas corpus dos acusados. Ela marcou uma reunião com o órgão para a próxima segunda-feira. "Agora, com essa decisão, tudo desmoronou, parece que estou vivendo novamente 2019. Tenho que pressionar o Ministério Público para colocar os acusados na cadeia", complementou.
A mãe de Lucas depende exclusivamente do órgão, uma vez que, vivendo apenas com um salário mínimo, não tem recursos financeiros para contratar um advogado e atuar como assistente de acusação.
"Toda a movimentação que tem no processo eu entro em contato com o Ministério Público. O promotor principal teve que se ausentar por conta da pandemia. Toda audiência era um promotor diferente que não tinha estudado o caso. Na última terça, não sabiam de nada que tinha acontecido (habeas corpus dos réus)", contou.
Lucas cursava o Ensino Médio na rede estadual de educação e praticava jiu-jitsu. "Ele ficava entre a escola e a academia. Foi a primeira vez que ousei deixá-lo ir sozinho à festa. Quando era mais novo eu também ia", afirmou a mãe.
Relembre o caso
Lucas Torres dos Santos estava com um casal de amigos em uma festa na Praça de Cabuçu, em Nova Iguaçu, em 2 de março de 2019, um sábado. O homem apontado como mandante do crime, Johnny da Silva Gomes, partiu em direção ao amigo da vítima, que estava com a ex-namorada do réu.
A investigação apontou que Johnny e os amigos não conseguiram agredir o rapaz e planejaram retornar ao local para pegá-lo. No entanto, encontraram apenas a moça e Lucas, que sofreu uma "gravata" enquanto Josué Lopes de Oliveira Junior o segurou pelo braço esquerdo e o denunciado Hugo da Conceição Guedes o empurrou na direção das caixas de som do evento.
Os réus ordenaram que Lucas dissesse onde seu amigo estava. Lucas afirmou que o jovem já estava em casa e não retornaria à festa. Em seguida, Johnny, Josué, Everson e Hugo ordenaram a Lucas que fizesse com que o amigo retornasse à festa. Diante da negativa, os denunciados decidiram acabar com a vida de Lucas.
O grupo colocou a vítima em um Gol preto e partiu para uma casa abandonada. As investigações apontam que Lucas morreu no local após três golpes. Johnny estava armado com um cabo de madeira, e Josué, com um machado.
Mesmo com a vítima morta, Josué continuou a golpear com um machado e Hugo e Everson, com um pedaço de madeira. Após a morte, os acusados atearam fogo no corpo e deixaram o local.
Em nota, o Ministério Público afirmou que discorda da fundamentação da decisão que concedeu o habeas corpus aos acusados. O MP pontua que no período de pandemia atos processuais deixaram de ser realizados por determinações do próprio Tribunal de Justiça. Confira a nota completa no fim deste texto.
"O MPRJ não deu causa ao excesso de prazo, tendo insistido na oitiva de testemunhas e o suposto constrangimento estaria sanado conforme entendimento do STJ, eis que já pronunciados os réus", informou. O MP acrescenta que estará preparado para a sessão plenária designada para setembro. Esse é o próximo passo do processo.
A Justiça informou que só se pronuncia nos autos.
Confira nota completa do Ministério Público:
A 2ª Promotoria de Justiça junto à 4ª Vara Criminal de Nova Iguaçu (Júri) informa que pediu a redesignação de audiências porque insistiu na oitiva de testemunhas que não compareceram. Porém, houve audiência redesignada em razão da pandemia, considerando provimentos do Tribunal de Justiça que suspenderam a realização de audiências no período da mesma. Quanto a designação da audiência, esta é feita pelo Juízo. Quanto ao prazo entre uma audiência ou outra, apenas o Juízo pode responder. Porém, certamente o período de pandemia, em que por algumas vezes os atos processuais estiveram suspensos, influenciou as designações de AIJ em período mais espaçado.
Assim, não há como imputar ao MPRJ responsabilidade pela designação das audiências, eis que não é o mesmo que o faz, não tendo qualquer ingerência, principalmente quando no período estávamos em pandemia, quando o Tribunal suspendeu os trabalhos em alguns períodos.
Verificamos que os réus já estavam pronunciados e o procedimento na fase do artigo 422 do CPP, em vias de ser designada sessão plenária, o que já ocorreu, pelo que discordamos da soltura dos acusados, principalmente após o constrangimento do suposto excesso de prazo ter sido sanado pela decisão de pronúncia, quando se inicia a segunda fase do julgamento.
Neste campo, a Súmula 21 do STJ é clara:
SÚMULA N.21 do STJ Pronunciado o réu, fica superada a alegação do constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo na instrução.
No mesmo sentido há precedentes do próprio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, dando conta de que, encerrada a primeira fase do procedimento do Júri, com a pronúncia do acusado, afasta-se a alegação de constrangimento ilegal da prisão ao argumento de excesso de prazo, justamente nos termos da Súmula 21 do Superior Tribunal de Justiça.
Assim, como todo o respeito à decisão que concedeu Habeas Corpus aos réus, discordamos de sua fundamentação, eis que o cálculo para instrução não é aritmético, estávamos em período de pandemia, e atos processuais deixaram de ser realizados por determinações do próprio Tribunal de Justiça. O MPRJ não deu causa ao excesso de prazo, tendo insistido na oitiva de testemunhas e o suposto constrangimento estaria sanado conforme entendimento do STJ, eis que já pronunciados os réus.
O MP estará preparado para a sessão plenária designada para setembro. Esse é o próximo passo do processo no primeiro grau.
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