Entre os cachorros da Suipa que podem ser adotados, muitos são os famosos vira-latas carameloCléber Mendes/Agência O Dia

Rio - O Dia do Vira-Lata é celebrado nesta segunda-feira (31). Apesar de os caramelos serem os mais populares, os abrigos e ONGs do estado do Rio ainda estão repletos de bichinhos, cães e gatos sem raça definida, de todas as cores e tamanhos, disponíveis para adoção. Muitos deles, infelizmente, têm um passado triste: foram abandonados por seus tutores, sofreram maus-tratos ou foram atropelados após serem deixados nas ruas.

A reportagem de O DIA visitou a sede da Suipa, em Benfica, Zona Norte do Rio e conheceu de perto a história de alguns deles. A instituição é privada, vive de doações de seus associados e passa por uma crise financeira grande desde a pandemia. Segundo o atual presidente, Marcelo Marques, os funcionários estão com os salários atrasados e a dívida atual do abrigo, que também oferece atendimento ambulatorial e cirurgias a preços populares, está em cerca de R$ 2 milhões.


"Muita gente acha que a Suipa pertence ao poder público devido ao trabalho que ela faz há 80 anos. Quando a Suipa surgiu como uma proteção animal nem se falava no Rio de Janeiro nisso. Aqui temos um ambulatório e um abrigo. Esse ambulatório, tanto atende os nossos animais abrigados, quanto o de população de baixa renda, pois atende a preços populares", explica.

Atualmente a Suipa tem cerca de dois mil animais e não recebe mais nenhum, apesar de muitas pessoas insistirem em abandoná-los quase que diariamente na porta da instituição. O abandono de animais é crime, com pena de detenção que pode chegar a um ano, além de multa.

"O Ministério Público interditou a Suipa de resgatar animais, antigamente eram cinco mil animais. Hoje estamos impedidos. Eu desobedeço quando trazem para mim um atropelado, eu tenho que tirar a dor desse animalzinho, mas o saudável eu não posso receber", conta.

A diretora social Silvia Rocha, voluntária da Suipa há mais de 30 anos, explica que para adotar um animal na Suipa é possível ir à sede, em Benfica, visitar o site e preencher um formulário de intenção ou marcar presença nos eventos externos chamado 'Adote um Focinho Carente', que promove adoções, além de vender produtos da marca, como canecas e receber doações de rações, material de limpeza, medicamentos, dentre outros.

"No ato da adoção é feita uma entrevista. Na verdade, o principal é você dar amor para o bichinho. A ideia do abrigo é ser uma casa de passagem que a maioria chega debilitado, quando ele está apto à adoção, ele vai para a galeria de fotos do site e começa a ir para os eventos. Tem que caber na vida da pessoa de uma forma geral. No tempo, no espaço, no orçamento. Tem que saber que aquele bichinho vai envelhecer e você terá que cuidar dele".

Após a adoção, os funcionários acompanham por um tempo e ligam para saber como está o bichinho e a adaptação. Por 30 dias, a instituição oferece a assistência veterinária ao animal adotado.

"Às vezes acontece de a pessoa desistir, a gente tem até no documento, que caso o bichinho não se adapte ou aconteça algum problema que a pessoa procure a Suipa e não abandone o animal", destaca.

A maioria das pessoas procura filhotes quando decide adotar e Silvia explica que o animal adulto também se adapta muito bem à nova família. "Onde você dá amor, o bichinho vai ser feliz. Às vezes as pessoas têm um pouquinho de restrição ao animal adulto, por medo de adaptação, mas eles se adaptam super bem, tanto o cão, quanto o gato. O gato é um pouquinho mais sensível, tem um temperamento diferente do cão, mas ele também se adapta", explica.

"Sempre falo que o filhote é uma criança, tem que educar, ensinar a fazer xixi e cocô, vai roer objetos. E o adulto está prontinho", completa.

Lições de vida, superação e emoção
Para o presidente da Suipa, entrou lá dentro para ficar no abrigo, a raça é 'abandonada'. "O bichinho não sabe se ele tem raça ou não, ele quer ser feliz. Aqui na Suipa a gente tem lições de vida todo dia. Eles se adaptam à situação deles, só querem trocar amor, é um amor incondicional, se você é alto, baixo, pobre ou rico, o animal vai te amar do mesmo jeito. São lições de vida que os animais te dão todo dia", diz Silvia.

A diretora social destaca que a sede está cheia de 'doguinhos caramelos' que fazem muito sucesso em vídeos virais nas redes sociais e comemora que o vira-lata é querido por muitos. "A gente percebe que antigamente as pessoas tinham essa coisa da raça, hoje percebo que não tem mais essa coisa. Até na rua, você vê os famosos vira-latas passeando. O preconceito mudou, ainda tem muito o que melhorar, mas já melhorou bastante".

Visitar os abrigos é ter a certeza que verá muitos animais - cães e gatos - que passaram por histórias de dor e superação. Recentemente, a instituição teve um caso de uma cadelinha que foi atropelada por um trem, perdeu um pata e teve outra parcialmente amputada e a população queria jogar pedra para matar o animal.

"O pessoal da SuperVia ligou para a Suipa. Hoje a bichinha está quase correndo e já arrumamos uma adoção, ela será adotada no dia 15 de agosto por uma família que já adotou outros animais especiais aqui também", relembra Marcelo. A reportagem conheceu Rita Lee, nome escolhido por funcionários da Suipa que, mesmo com as limitações correu feliz pelo gramado da instituição e se prepara para em breve ir morar com sua nova família.

Outro caso interessante foi o de um menino autista que quis adotar uma cadelinha especial. "Ela era ceguinha de um olho e também não tinha uma patinha. São amigões, é um caso de adoção adulta. Ele se identificou", conta Silvia.

Uma história de maus-tratos chocante foi o de uma cadelinha que teve sua pata cortada e foi colocado na porta da Suipa dentro de uma caixa com a parte do corpo ao lado e precisou passar por uma cirurgia de emergência. "Ela foi adotada. A Palmeirinha recebeu esse nome porque foi no dia da Libertadores que o Flamengo perdeu para o Palmeiras", recorda.

A Suipa também recebe muitos gatos que sofrem maus-tratos e recupera a saúde dos felinos. "Já chegou gato aqui banhado em cola, banhado em tinta. Já vi gato chegar aqui com dois palitos nos olhos. Por isso, plantar sementinha de amor nas crianças é importante para mostrar o respeito por toda forma de vida".

Cachorros vítimas de bala perdida, com tumores enormes e bicheiras que deformam seus rostos também são uma triste realidade nos abrigos.
Adriana Serpa, veterinária da Suipa, relata que diariamente existem casos de abandono e maus-tratos e ressalta que os animais sofrem com isso. "Teve o caso de uma mulher que abandonou três cachorros que viviam com ela num sítio. Quando chegaram aqui estavam todos assustados, um deles ficou semanas com a cabeça encostada na parede, com tristeza e depressão", relembra.

"Depois eles foram adotados juntos por uma moça que tinha um sítio também. Hoje em dia eles estão super bem. A gente entra em contato, pede fotos e vídeos após eles serem adotados", completa.

Rosana Guerra fundou a ONG Os Indefesos há seis anos, uma extensão do grupo Indefesos que já existe há 9 anos e já resgatou até hoje cerca de 1500 animais. "Esse grupo começou a se formar dentro do abrigo municipal com o objetivo inicial de ajudar àqueles animais da Fazenda Modelo. Queríamos que todo Rio de Janeiro pudesse escutar os miados e latidos daqueles animais que precisam tanto de ajuda. Há seis anos sentimos a necessidade de formalizar esse grupo em uma ONG e expandir a nossa ajuda para todo o município e estado.

Atualmente, a ONG hoje é formada por voluntários de idades diferentes, profissões diferentes, mas com um objetivo em comum: dar o direto à vida àqueles animais que perderam esse direito no momento do abandono. No abrigo, localizado em Ilha de Guaratiba, na zona oeste, existem no momento cerca de 100 animais, 50 cães em hospedagens e lares temporários e ainda cuidam de uma colônia com mais 80 gatos .

"Hoje a ONG Indefesos tem como função resgatar animais em estado de vulnerabilidade em todo o estado do Rio de Janeiro, recuperar esses animais e recolocá-los em lares seguros e responsáveis. Lutamos incessantemente para dar de volta dignidade a esses inocentes. Além de resgatar animais abandonados, muitos em situações críticas que precisam de internação longa, temos como responsabilidade conscientizar as pessoas sobre a proteção e o direito animal, além de cobrar por políticas públicas eficazes", completa.

Os Indefesos recebe diariamente cerca de 50 pedidos de resgate de animais. "O abandono não dá trégua. É impressionante a quantidade de animais abandonados, são muitos. Não existem ONGs e nem protetores suficientes para salvar tantos animais ao mesmo tempo. É desesperador", desabafa.

Entre os pedidos de resgate dos abrigos de todo o estão, muitos deles são de animais recém abandonados e animais muito debilitados. "Animais atropelados com fraturas expostas, animais muito feridos, com tumores e bicheiras enormes. É assustador o estado de muitos animais que resgatamos e mais assustador ainda é ver o sofrimento desses animais agonizando sem serem vistos. A maioria desses animais que são resgatados não nasceram nas ruas mas foram abandonados pelos seus tutores", lamenta Rosana.

Abandono nas ruas
A falta de uma adoção consciente e momentânea muita vezes leva às pessoas a desistirem e abandonarem os animais nas ruas. "Muita gente ainda vê o animal como um objeto. A época que temos o maior índice de abandono é pós festa de final de ano porque as pessoas adotam ou compram como um presente de Natal e a gente fala, 'quando você vai adotar, toda a família tem que querer, todo habitante daquele local que o animal vai viver tem que querer'. Têm pessoas que adotam filhote, começa a dar trabalho, fazer xixi, cocô, roer, vê como um objeto e descarta", revela Silvia.

"Não é um brinquedinho, é uma vida. É muito importante uma criança que é criada com um animal porque ela aprende a cuidar, que ele é um ser vivo, que tem que alimentar, tratar, dar amor, carinho. Um dia aquele bichinho vai embora, ele vai conviver com a perda que não é fácil para ninguém. A criança aprende que a vida é finita", completa.

É muito comum as pessoas abandonarem os bichos quando saem de férias e não têm com quem deixá-los: "Por isso que falamos que o animal tem que caber na sua vida de uma forma ampla, não só no financeiro, no espaço, no tempo. O maior problema do abandono é o adotar sem responsabilidade, sem consciência de tudo que aquela vida chega na sua casa".

'Amigo não se compra'

Marcelo recorda uma história de uma menina que queria um cachorrinho de presente de aniversário de 15 anos. "Sou totalmente contra o comércio de animais. Teve uma história de uma adolescente que ia fazer 15 anos, o pai acordou ela toda feliz falando 'vamos comprar o presente que você tanto quer'. Ela respondeu: 'pai, um amigo não se compra'. Ele ficou sem graça, descobriu que a Suipa estava num evento ali perto e adotou um animalzinho", relembra.

"Um amigo você não compra. Você quer um status ou quer um amigão mesmo? Você pode se apaixonar por um vira-lata ou pelo um de raça, mas as vezes as pessoas já começam pelo status", opina.

Rosana Guerra reforça que o ato de adotar é de amor e entrega e deve ser feito de maneira consciente, já que um bichinho de estimação é para a vida toda.

"Adotar um animal abandonado é maravilhoso, além de ser um ato de amor, solidariedade e compaixão. Ensinar os nossos filhos sobre a adoção é formar um adulto melhor. Os animais são os nossos companheiros fiéis que nos acompanham por uma vida, nos momentos mais difíceis e nos momentos mais felizes, eles estão no nosso lado nos apoiando, mesmo com um olhar. Quando você chega em casa e recebe um abraço e uma lambida de um animal de estimação é muito gratificante".

Ela destaca ainda que quando você adota um animal abandonado em um abrigo, você também está dando a chance para que outro animal possa ser resgatado, ficando no lugar do animal que foi adotado.

"Eu espero que as adoções aumentem cada vez mais porque, infelizmente, os abrigos ainda estão lotados e que as pessoas cada vez mais se conscientizem sobre a importância de adotar e não comprar animais", conclui.

A funcionária pública Silvia Amelia Barbosa adotou há um ano através da ONG o cão Dodô, que tem entre 9 e 10 anos de idade, e conta como é a experiência da família com o bichinho de estimação, que virou o xodó da família.

"Vi o pedido da ONG para adoção do Dodô, um cão idoso. Foi amor à primeira vista. Meu coração o adotou imediatamente. Depois descobrimos que o Dodô que nos adotou. É o cara que manda na nossa casa. Foi o melhor que fizemos por nós. Ele nos mostrou um amor incondicional. Dodô é somente alegria. Ele é feliz e nos faz feliz", comemora.

A médica Camila Meirelles e o noivo, Guilherme Zanovelli, adotaram a cadela Farofa, de 1 ano e 11 meses. "A gente estava querendo adotar um cachorrinho. A gente ama a Farofa, com o tempo você vai conhecendo as manias, o que ela faz para pedir carinho, ela é super inteligente, carinhosa, a gente nem se vê mais sem ela. A gente é muito grato por adotá-la. Hoje em dia se por algum motivo ela não está em casa, a gente já sente a casa vazia, quieta, fica até sem graça".

"Essa foi a nossa melhor escolha, os vira-latas te dão amor incondicional a troco de nada. Junto com isso, você tem uma grande responsabilidade, tem os seus deveres com o seu cachorro. Pensa bem se você pode dar o que ele precisa. Se pode, acho que é a melhor escolha que tem", aconselha Camila.
Mascotes
A Suipa abriga também porcos e cavalos em um sítio e tem um trabalho social chamado "Rabinhos Felizes", que leva seus mascotes Rose Marie e Simba, de 13 anos, para visitar lares de idosos e escolas de crianças especiais. "Os idosos adoram o Simba porque ele é grandão", diz o presidente.

"É muito legal que aquela ação remete a algum cachorro que o idoso já teve na vida. Você vê como a presença de um animal melhora sua vida", completa Silvia.

Como adotar e como doar?
Suipa
O site da Suipa informa os dados de como se associar e colaborar através de PIX, boleto bancário ou transferência. Além de vender produtos personalizados e receber doações de rações, remédios, produtos de limpeza, dentre outros. Pelo site também é possível olhar a galeria de fotos de animais disponíveis para adoções.

Site suipa.org.br/index.asp?pg=comoajudar.asp
Endereço: Av. Dom Hélder Câmara, 1801 - Benfica - Rio de Janeiro

ONG Indefesos
As doações podem ser feitas via boleto, cartão de crédito e transferência bancária. Além de adotar um pet preenchendo um formulário na galeria de imagens, é possível apadrinhar uma bichinho ou ser voluntário. O abrigo também tem pontos de coleta para doações de produtos e medicamentos na Barra da Tijuca, Botafogo e Recreio.

Site: osindefesos.com.br/doacoes

Fazenda Modelo
o Abrigo Municipal Fazenda Modelo é sustentado pela Secretaria de Proteção e Defesa dos Animais, orgão da Prefeitura do Rio, além de contar com a ajuda de voluntários.

O Secretário de Proteção e Defesa dos Animais, Flávio Ganem, faz um apelo à população carioca para adotarem com responsabilidade os animais da Fazenda Modelo que estão esperando uma oportunidade, um lar com amor. Cerca de 800 animais vítimas de maus-tratos estão no abrigo.

O Centro de Defesa do Animal da Fazenda Modelo funciona desde 2008, promove a adoção de cães e gatos que estão no abrigo, além de oferecer alguns serviços veterinários gratuitos. É possível ajudar o espaço também doando suprimentos e  carinho, através de visitas ao espaço como voluntário.
Mais informações no site: fazendamodelorj.com.br/ ou no telefone: (21) 2976-2893
Endereço: Estrada do Mato Alto 5620 - Guaratiba, Rio de Janeiro