Cintia Brasil, neta de Nelson Sargento, é passista e dá aulas de dança na oficinaRonaldo Mattos/Divulgação

Rio - Alunos da Escola Municipal Rosa Bettiato Zattera, em Irajá, Zona Norte do Rio, estão tendo a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre a história do samba e alguns de seus principais compositores, através de oficinas vivenciais. A iniciativa, proposta por familiares de Nelson Sargento (1924-2021), integra um grande conjunto de atividades culturais idealizado para iniciar as celebrações pelo centenário do bamba mangueirense, em 2024.
Desde o início de agosto, uma vez por semana, estudantes do 6º ao 9º ano da unidade têm contato com dança, ritmo, poesia e histórias de mestres do samba. Numa das vivências, intitulada 'Poesia do samba', a educadora griô, produtora cultural e psicóloga Lívea Mattos, aborda a trajetória de compositores. "O centro da roda é a pessoa, sua identidade e ancestralidade", explica Lívea, que é nora de Nelson Sargento e coordenadora do projeto.
Através da pedagogia griô, que usa a tradição oral africana para preservação da memória, crianças e jovens mergulham em um universo até então desconhecido para muitos deles. No primeiro encontro, os alunos também conheceram o Toré, dança ritual realizada por diversos povos indígenas. "Levei o maracá e Toré para roda. [Os alunos] Pediram a benção, trocaram aprendizados, dialogaram, foi encantador", conta Lívea, que completa: "Trabalhamos, ainda, composições - letra e melodia - do Nelson e seus parceiros, como Dona Ivone Lara, e trazemos a história desses mestres."


A metodologia utilizada foi criada pela educadora Lillian Pacheco. A primeira oficina, que abordou a dança, aconteceu no dia 11 de agosto e contou a participação da passista e neta de Nelson Sargento, Cintia Brasil, além dos bisnetos Lorrana Souza e Rian Souza, todos moradores do Morro da Mangueira.

"Foi uma experiência incrível e inesquecível para mim, pois poder dar continuidade ao legado do meu avô, levar um pouco da minha experiência para aqueles adolescentes e ver em cada um deles a vontade e o interesse em aprender, não teve preço", comemora Cintia, 29 anos, passista desde os 9. Ela começou na Mangueira, passou pela Imperatriz, Flor da Mina do Andaraí e Em cima da Hora. Retornou para a Verde e Rosa no ano passado, e também atua como passista da União da Ilha.

A arte da dança de mestre-sala e porta-bandeira também fez parte da programação das oficinas. Um grande encontro com a presença de amigos de Nelson, no dia 1º de setembro, fechará o clico. Os  convidados especiais serão Gilda Moreira, presidente da Velha Guarda da Mangueira, Onésio Meirelles, escritor e pesquisador, além de Rubem Confete, veterano jornalista, radialista e compositor.

"Além de contarem suas trajetórias no samba, falarão da convivência com o Nelson e do ambiente que ele viveu no samba", explica Lívea.

Filho de baluarte destaca legado

Filho caçula de Nelson Sargento, Ronaldo Mattos, 43 anos, começou a trabalhar com o pai na adolescência, atuando na produção de shows e como percussionista. Com a mulher, Lívea, cuidou da carreira do baluarte mangueirense nos últimos dez anos. Para ele, o legado do pai seguirá vivo junto às novas gerações.

"A realização dessas vivências nas escolas é essencial. Educação e cultura precisam andar juntas. Meu pai acreditava muito nisso, e esteve em muitas escolas dialogando e cantando o samba com crianças e jovens. Os saberes do samba ensinam sobre identidade, respeito aos mais velhos e aos mais novos, também, e principalmente sobre todo o processo de resistência que o povo negro passou e passa em nosso país. Samba é resistência, alegria e poesia. Meu pai dizia que existia samba sobre todos os assuntos", diz Ronaldo.

Coordenadora detalha experiência

Jussara Mendonça, coordenadora da Escola Municipal Rosa Bettiato Zattera, diz que a oficina contribui para que os alunos adquiram mais conhecimento sobre o samba, além de possibilitar uma maior integração entre eles.

"Eles têm a vivência do funk, até por morarem em comunidades próximas. No começo, eles ficaram um pouco envergonhados no dia da dança do samba, depois pegaram aquele molejo que o samba traz e começaram a se esforçar para sambar. A ajuda da passista foi muito legal, mas a interação de todo grupo também. Aquele que conseguia fazer o gingado, ia para perto do que estava com um pouco de dificuldade. A oficina trouxe a alegria, a parceria e a união", destaca.

O samba, segundo ela, proporcionou esse momento de ajuda entre os estudantes. "Foi muito interessante. Eles fizeram também uma roda e depois falaram das experiências que eles tinham sentido ali. Cada um falou uma palavra que classificasse aquele momento. A minha palavra foi alegria porque vi todo mundo sorridente, querendo participar. Vi uns que queriam realmente fazer parte. Gostei muito e também dos relatos que eles mencionaram no final", completa.

E-book 
No dia 25 de julho, data em que Nelson Sargento completaria 99 anos, foi lançado o e-book "Samba,  Agoniza Mas Não Morre", um livro de cifras digitais, com arranjos e direção musical de Luís Filipe de Lima e transcrição de Luis Barcelos.

Ele está disponível para download na página oficial do projeto e traz dez sambas, que fazem parte dos dois primeiros registros solos do compositor: os LPs "Sonho de um Sambista" e "Encanto da Paisagem". Os álbuns são marcos na carreira do mestre, trazendo clássicos como "Falso Amor Sincero", "Falso Moralista", entre outros. O e-book conta, também, com um texto biográfico sobre o compositor, assinado por Lívea Mattos.

Artista compôs primeira música depois dos 30
Ex-presidente de honra da Estação Primeira de Mangueira, o sambista morreu em 27 de maio de 2021, aos 96 anos. Cantor, compositor, pesquisador, artista plástico, ator e escritor, ele começou a se interessar por música na adolescência, mas só aos 31 anos fez seu primeiro sucesso.

Em 1955, escreveu com Alfredo Português "Primavera", samba-enredo da Mangueira que também ficou conhecido como 'As Quatro Estações'. Além da paixão pela Verde e Rosa, era torcedor do Vasco da Gama.

Sua carreira começou a ter destaque no espetáculo musical "Rosa de Ouro", ao lado de Clementina de Jesus, Aracy Cortes, Paulinho da Viola, Zé Ketti, Elton Medeiros, Jair do Cavaquinho e Anescarzinho do Salgueiro.