General Walter Braga Netto liderou o Gabinete de Intervenção Federal (GIF) no Estado do RioMarcelo Camargo / Agência Brasil

Rio - As investigações da Polícia Federal contra possíveis fraudes e corrupção cometidas pelo Gabinete de Intervenção Federal (GIF) a partir do ano de 2018, que resultaram na Operação Perfídia nesta terça-feira (12), levaram em conta um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) que mostra despesas com desvios de finalidade do grupo então chefiado pelo general Walter Souza Braga Netto.
Segundo o documento, houve compras de alimentos de luxo para as Forças Armadas, como camarão e torta holandesa, com dinheiro destinado à segurança pública do Estado do Rio, enquanto outras áreas precisavam de reformas. 
"Não há dúvida de que os investimentos nas Forças Armadas são importantes e podem estar até mesmo aquém do necessário, pois sabe-se que é necessário, por exemplo, melhorar os alojamentos das Forças Armadas. Entretanto, o que não é correto é realizar tal reforma com as verbas destinadas à segurança pública do Rio de Janeiro, que necessitava de cada real a ele destinado, de modo a não deixar as instalações dos policiais do estado nas condições sofríveis encontradas pela equipe de auditoria durante uma inspeção in loco", informa um trecho do documento.
Um dos exemplos citados de 2018 foi a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Babilônia/Chapéu Mangueira, na Zona Sul do Rio. Auditores do TCU estiveram no local na época e encontraram diversas partes danificadas.
"Enquanto o policial da UPP não possuía sequer um bebedor adequado, cadeira com estofado ou armário com porta, foram adquiridos, pelo Exército, alimentos de luxo, como camarão, bacalhau e torta holandesa a um custo de R$ 319.549,30. Isto é, não é razoável gastar centenas de milhares de reais para adquirir alimentos supérfluos para o Exército ou equipamentos bélicos milionários para as Forças Armadas enquanto as instalações das forças policiais estavam em situação degradante. O problema aumenta quando se verifica que tais verbas eram destinadas para a melhoria das forças policiais do Estado do Rio de Janeiro, não das Forças Armadas", informa parte do relatório.
O TCU exemplificou os gastos do grupo com alimentos de luxo. Entre os produtos estão camarão, bacalhau, presunto tipo Parma, vinho, salgados para coquetel e doces. De acordo com o relatório, o 1º Batalhão de Infantaria Motorizado gastou R$ 43.544 em camarão, R$ 27.378 em torta holandesa, R$ 5.245 em bacalhau e R$ 11.590 em salgados diversos para coquetel.
Já o Comando da Brigada de Infantaria Paraquedista gastou 149.186,88 em camarão e R$ 12.194,40 em vinho. Na Companhia de Comando da 1ª Região Militar foram R$ 19.641,60 em camarão e R$ 5.940 em cajuzinho. No Comando Militar do Leste teve R$ 21.800 em mel, R$ 12.094,42 em cream cheese, R$ 6.525 em geleia de frutas e R$ 4.410 em presunto tipo Parma.
Operação Perfídia
O relatório do TCU foi incluído na investigação da PF contra o GIF pelos crimes de patrocínio, dispensa ilegal de licitação e corrupção durante a intervenção federal no Rio de Janeiro, em 2018. Os agentes cumpriram 16 mandados de busca e apreensão nos estados do Rio, Minas Gerais, São Paulo e Distrito Federal. O general Braga Netto é um dos investigados, mas não tinha um mandado contra ele. A Justiça apenas quebrou seu sigilo telefônico.
Com a cooperação internacional da Agência de Investigações de Segurança Interna (Homeland Security Investigations – HSI), a investigação começou após a empresa americana CTU Security LLC e o Gabinete de Intervenção Federal na Segurança Público do Estado do Rio (GIFRJ), comandado por Braga Netto, fecharem um contrato para aquisição de 9.364 coletes balísticos, em 2018.
Após a descoberta desta relação, o TCU encaminhou ofícios e processos referentes à compra dos coletes balísticos, pelo GIF. Segundo a PF, a empresa tinha conhecimento prévio da intenção de compra e cobrou mais de R$ 4 milhões pelos coletes. Com a dispensa de licitação, no entanto, o valor total pago à empresa americana foi de mais de R$ 40 milhões - número referente ao câmbio da época.
Com o contrato suspendido pelo TCU, o dinheiro foi estornado em setembro de 2019. Além destes processos, a Operação Perfídia também investiga a relação entre duas empresas brasileiras que atuam no comércio de proteção balísticas e formaram um monopólio deste mercado no Brasil. Segundo a PF, as organizações possuem milhões em contratos públicos.
Assinada pelo então presidente Michel Temer (MDP), a intervenção federal no Rio, em 2018, foi implementada em função da onda de violência no estado. À época, o general Walter Braga Netto ficou responsável por comandar a Secretaria Estadual de Segurança Pública, as polícias Civil e Militar, o Corpo de Bombeiros, além do sistema carcerário.
O que dizem os envolvidos
Segundo o Exército, os esclarecimentos em relação aos acontecimentos serão prestados exclusivamente aos órgãos competentes pelas apurações. "O Exército não se manifesta no transcurso de processos de investigação. Cabe destacar que esse é o procedimento que tem pautado a relação de respeito do Exército Brasileiro com as demais instituições da República", diz trecho da nota.
Em nota, Walter Braga Netto informou que "os contratos do Gabinete de Intervenção Federal (GIF) seguiram todos os trâmites legais previstos na lei brasileira". Com relação a compra de coletes balísticos da empresa americana CTU Security, o general destacou que "a suspensão do contrato foi realizada pelo próprio GIF, após avaliação de supostas irregularidades nos documentos fornecidos pela empresa - com isso, os coletes não foram adquiridos ou tampouco entregues". Confira a nota completa:
“Diante de matérias veiculadas hoje (12) pela imprensa, é importante reiterar que os contratos do Gabinete de Intervenção Federal (GIF) seguiram absolutamente todos os trâmites legais previstos na lei brasileira.

Com relação a compra de coletes balísticos da empresa americana CTU Security, é preciso destacar que a suspensão do contrato foi realizada pelo próprio GIF, após avaliação de supostas irregularidades nos documentos fornecidos pela empresa.

Isto posto, os coletes não foram adquiridos ou tampouco entregues. Não houve, portanto, qualquer repasse de recursos à empresa ou irregularidade por parte da Administração Pública. O empenho foi cancelado e o valor total mais a variação cambial foram devolvidos aos cofres do Tesouro Nacional.

Todo o processo vem sendo acompanhado pela Secretaria de Controle Interno (CISET) da Casa Civil, pela Controladoria-Geral da União (CGU) e Tribunal d Contas da União (TCU).

No que se refere à dispensa de licitação, a decisão teve por base o Acórdão 1358/2018 do TCU, que estabelece que é possível a realização de contratações diretas durante intervenção federal. Desde que o processo de dispensa de contratação esteja restrito à área temática, assim entendidos os bens e serviços essenciais à operação.

É importante também lembrar que durante a intervenção foram empenhados R$ 1,17 bilhão, sendo que deste total, cerca de 81% foram destinados à aquisição de equipamentos e material permanente e 19% à compra de material de consumo.

O legado tangível e intangível da Intervenção Federal recuperou a capacidade operativa, logística e moral dos órgãos de segurança pública. Durante 10 meses de operação (de fevereiro a dezembro de 2018), diversos índices de criminalidade foram reduzidos, incluindo os crimes contra a vida, como latrocínio (- 27%); e crimes contra o patrimônio, como o roubo de carga (-13%).

Em abril de 2023, foi realizada, a entrega do helicóptero Leonardo AW169 ao Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro (CBMERJ), adquirido em janeiro de 2019, durante a intervenção.

O GIF equipou os órgãos de segurança pública com a entrega de armamentos, munições, coletes, viaturas, equipamentos para perícia criminal, câmeras de monitoramento, drones, entre outros itens.”