Fechado desde 2020, Castelinho do Flamengo sofre com graves problemas estruturais Marcos Porto / Agência O Dia

Rio - Fechado desde 2020, o centenário Castelinho do Flamengo, no número 154 da Rua Dois de Dezembro, na Zona Sul, tem sofrido graves problemas estruturais. Com uma arquitetura imponente e eclética, o icônico prédio, que abriga o Centro Cultural Oduvaldo Vianna Filho, foi ameaçado de demolição na década de 1980, sofre com diversas degradações e, agora, necessita de restauração para ser reaberto. 

Grandes rachaduras, vazamentos que alagam os salões, pichações, além de tetos e paredes infiltradas. Estes são alguns dos principais problemas estruturais que assolam o tradicional Castelinho. Desde que as portas foram fechadas, em 2020, os moradores do Flamengo e artistas que admiram o Centro Cultural clamam pela reabertura segura do espaço, que é gerido pela Prefeitura do Rio há 48 anos.
O conselheiro da Associação de Moradores e Amigos do Flamengo (Amafla), Flávio Brandão, expressou sua indignação com a situação atual do imóvel. "É grave! Além de uma placa informando que o local está fechado, a única coisa que a prefeitura fez foi colocar uma tela para impedir a circulação de pombos no topo do castelinho. Estava ficando insalubre. Os problemas não são só as rachaduras, a questão é estrutural. São infiltrações que passam do telhado, depois pelas paredes e chegam ao piso fazendo uma 'cachoeira'. Estou preocupado. É um problema que existe há anos, era empurrado com a barriga e, agora, estourou a bomba", desabafou Flávio.
Em outubro de 2022, a Secretaria Municipal de Cultura (SMC), sob a gestão de Marcus Faustini, divulgou uma nota dizendo que a previsão para reabertura parcial do Castelinho do Flamengo seria no primeiro semestre de 2023 - o que não aconteceu. "A SMC, através da Gerência de Centros Culturais, está realizando obras de manutenção e reforma na estrutura física do Centro Cultural Oduvaldo Vianna Filho para a sua reabertura parcial no primeiro semestre de 2023", informou a nota, à época.
Isabel Franklin, presidente da Amafla, disse que, além do aparente descuido, há um desmanche cultural na região. "Existe uma aversão à cultura. Não vemos investimento em um mobiliário público cultural. O Castelinho do Flamengo é um símbolo e, com ele fechado, a deterioração aumenta. Os cinemas do Flamengo já foram fechados, galerias de arte que viraram academias, perdemos teatros. É uma pena que este espaço lindo não tenha perspectiva de futuro", disse Isabel.

Em 2018, a prefeitura realizou um "pregão" para revitalizar o espaço. O termo expôs, através de fotos, a urgência do restauro. Na parte de "Levantamento Arquitetônico e Fotográfico, Prospecções Arquitetônicas e Mapas de Danos", a Prefeitura do Rio elencou 9 tópicos a serem estudados para a revitalização. Mesmo com os levantamentos e estudos reunidos no documento de 18 páginas que o DIA teve acesso, nada foi feito.

A Secretaria Municipal de Cultura afirmou que a reabertura do Centro Cultural Oduvaldo Vianna Filho será feita em 2024, por meio do programa Cultura do Amanhã. Além disso, o órgão informou que "designou servidores públicos para elaboração de laudo sobre a estrutura" e que, "a partir desse trabalho, será concluído o termo de referência para licitação, que contemplará as reformas necessárias".

Publicado dia 20 de setembro no Diário Oficial, o despacho, assinado pelo atual secretário de Cultura, Marcelo Calero Faria Garcia, determinou a primeira medida para a revitalização. Os servidores públicos Henrique Alves, Luiz Carlos Tostes Filho e Amaury Surcin foram designados para serem os "responsáveis pelo acompanhamento, fiscalização e atestação do documento fiscal, bem como da elaboração do Laudo Técnico de Avaliação Estrutural".

A reportagem também conversou com uma ex-funcionária, que preferiu não se identificar, que relatou sobre as condições de trabalho no Centro Cultural Oduvaldo Vianna Filho. Segundo ela, até dinheiro próprio eles usavam para comprar água, papel higiênico e lâmpadas. Além disso, de acordo com o relato, os profissionais da limpeza eram designados a recolher os pombos mortos no topo do castelinho.

"Tinham problemas gravíssimos. A prefeitura não tinha condições de manter o Castelinho. Mesmo com três andares, não tínhamos praticamente nada de estrutura para funcionar. Os banheiros não eram preservados e as instalações elétricas ficavam aparentes, o que nos deixava inseguros. O topo da torre era infestado de pombos. Havia uma orientação para que o pessoal limpasse, mas eles se recusavam, até porque pombos transmitem doenças. A gente comprava, com nosso dinheiro, águas, papeis higiênicos e lâmpadas. Fizeram orçamentos para revitalizar, mas eu não vi se concretizar", contou a funcionária.

Em 1° de dezembro de 2021, o então secretário de Cultura, Marcus Faustini, liberou R$ 12.860 para a contratação de uma empresa especializada na instalação de redes de proteção. Segundo os moradores, as telas foram colocadas para impedir a circulação de dezenas de pombos que moravam no topo do castelo.

Veja as imagens obtidas pelo DIA, que mostram a degradação interna e externa do local:

Em seu trabalho final da faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Bráulio Gomes se debruçou em entender a história e as nuances estruturais do Castelinho do Flamengo. Em 2018, o arquiteto participou de um projeto, onde pôde realizar levantamentos estruturais e observar as degradações internas. Ao DIA, Bráulio explicou sobre as patologias estruturais que encontrou no Centro Cultural.
"Desde 1990 nada foi feito. Em 2018, encontrei rachaduras nas sacadas, varandas e forros; alguns elementos perdidos por apodrecimentos; pisos de ladrilho hidráulico degradados; destacamento da argamassa de revestimento; pichações; instalações hidráulicas e elétricas aparentes. O principal fator de degradação é oriundo da falha no sistema de captação pluvial, pois a água da chuva penetra na edificação e compromete o revestimento", detalhou o arquiteto.

Em meio aos altos prédios do bairro e diante da deslumbrante paisagem para a Baía de Guanabara, o Castelinho foi palco de peças teatrais e exposições artísticas em seus três andares, que comportam até 200 pessoas. No centenário, em 2018, a mostra "Castelo da Memória" reuniu fotos, plantas, maquetes, curtas, documentários e histórias em quadrinhos.

Grasiela Müller é atriz, musicista e participou de projetos artísticos no imóvel. Com atrizes uruguaias e cariocas, Grasiela fez o teatro exposição chamado "Elas se Viram", que foi realizado com materiais reutilizados, em 2018. Segundo ela, mesmo com as exposições acontecendo, os problemas estruturais já existiam.
"Era um lugar que eu sempre frequentava. Fizemos uma peça-exposição e queríamos ensaiar por lá. Mas havia uma sala que estava com problemas técnicos e, então, fizemos um acordo: contratamos uma construtora para resolver e eles liberaram o espaço para ensaio. O Castelinho sempre foi um lugar muito receptivo, mas desde quando eu frequentava já havia problemas estruturais. A gente conversava com a equipe e eles diziam que o dinheiro nunca era suficiente, além da grave questão dos pombos. Existiam sinais de abandono", comentou a atriz.

Mesmo tombado em 14 de novembro de 1983 pelo Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH), o Castelinho do Flamengo foi ocupado por moradores em situação de rua e até ameaçado de demolição. Procurado, o IRPH informou que o imóvel está vinculado à Secretaria Municipal de Cultura (SMC) e não emitiu posicionamento sobre o atual estado do prédio.

Em agosto de 2022, os moradores do Flamengo fizeram uma manifestação na porta do Castelinho contra o "descaso" com o imóvel. Nestes 105 anos de história, o local passou por duas restaurações. No final da década de 1950, a Construtora Silva Cardoso Ltda. pintou e fez uma limpeza geral. Já em meados de 1990, a Prefeitura do Rio revitalizou a parte interna e externa.
Procurada, a Superintendência de Patrimônio Imóvel da Casa Civil não se manifestou. O espaço segue aberto.
A história do Castelinho do Flamengo
O Castelinho do Flamengo foi projetado nos idos de 1918 pelo arquiteto italiano Gino Coppedè. A edificação foi construída para servir de residência ao comendador Joaquim da Silva Cardoso e sua esposa, D. Carolina. O proprietário residiu no castelinho até 1932, quando a casa foi vendida ao Avelino Fernandes, um imigrante português. Avelino passou a morar com a filha, Maria de Lourdes Feu Fernandes, e a esposa, Rosalina Feu Fernandes. Com a morte do pai, Maria de Lourdes herdou a casa, onde residiu até sua morte, na década de 1970.
Algumas lendas giram em torno do prédio. Uma delas é a respeito do casal Avelino e Rosalina Fernandes, mortos após serem atropelados por um bonde em frente ao Castelinho. Segundo relatos, a filha deles, Maria de Lourdes, teria sido roubada e maltratada pelo seu tutor, deixando-a presa na torre principal da construção. Mais tarde, a jovem teria se jogado do alto do prédio e teria voltado para assombrar o lugar.

Desapropriado pela prefeitura em 1975, o edifício chegou a ser ameaçado de demolição para "possibilitar a redução do raio de curva da rua Dois de dezembro com a Praia do Flamengo". Em 2 de dezembro de 1982, com a sentença do Juiz da 9ª Vara Cível, que expediu mandado de emissão de posse do imóvel em favor da prefeitura, os moradores em situação de rua que ocuparam o local foram despejados e a demolição teve início. Ao mesmo tempo, iniciou-se uma intensa mobilização popular para evitar a destruição do imóvel.

À frente deste movimento estavam a Associação de Moradores e Amigos do Flamengo, a Associação de Moradores e Amigos do Centro, o Instituto de Arquitetos do Brasil. Com isso, o então prefeito Júlio Coutinho determinou a suspensão da demolição e convocou uma reunião extraordinária para examinar a proposta de tombamento do imóvel.
Em 14 de novembro de 1983, o Decreto n° 4320 foi assinado e o Castelinho do Flamengo foi tombado. Após o tombamento, sem ter o seu uso definido, o imóvel foi invadido novamente por moradores de rua, o que agravou a degradação do Castelinho do Flamengo.
O Centro Cultural Oduvaldo Vianna Filho é uma homenagem ao célebre dramaturgo conhecido como Vianinha, que é autor de diversos sucessos da televisão brasileira. Criador da série "A Grande Família", da TV Globo, Oduvaldo também foi participante ativo do Teatro de Arena, fundador do Centro Popular de Cultura da UNE e do Grupo Opinião. 
*Reportagem do estagiário Leonardo Marchetti, sob supervisão de Iuri Corsini