Rio - Quatro prédios da antiga Universidade Gama Filho, na Zona Norte do Rio, foram implodidos às 7h da manhã deste domingo (5) para o início das obras do Parque Piedade. O espaço, de aproximadamente 18 mil metros quadrados, estava abandonado desde 2014, depois que a instituição de ensino foi à falência, e vai dar lugar a uma área pública nos moldes do Parque Madureira, que deve ser totalmente entregue à população até o final do próximo ano. A construção tem um investimento de cerca de R$ 60 milhões. Diversas vias do entorno foram interditadas para a ação, mas o tráfego já foi liberado.
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A Prefeitura do Rio montou um esquema especial, com evacuação de uma área de segurança de raio de 150 metros. Por isso, moradores precisaram deixar suas casas e seguir para um dos oito pontos de apoio disponibilizados pela Defesa Civil Municipal. Desde às 6h30, foram realizados toques de aviso para que a população saísse de casa. Além disso, viaturas do órgão circularam pela região em pequenos intervalos, alertando os moradores sobre a implosão. No local, foi possível ouvir as explosões e logo em seguida os prédios vieram abaixo, levantando uma grande nuvem de poeira. Confira o vídeo da implosão:
IMPLODIU!
Um novo tempo começa na Zona Norte do Rio. Os quatro prédio do antigo campus da Gama Filho foram implodidos, dando lugar ao futuro.
Por volta das 7h30, os moradores já estavam liberados para voltarem para as residências. Equipes das Secretarias Municipais de Obras e Infraestrutura, além da Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb), atuaram na remoção de entulho e lavagem da Rua Manoel Vitorino, onde ficam os prédios, e da passarela da estação de trem de Piedade. A dona de casa Luciene Pereira, 55, vive próxima à antiga universidade há 30 anos e precisou sair de casa na manhã de hoje. Ela acompanhou a implosão em uma das tendas da Defesa Civil, onde foram distribuídas máscaras de proteção, e contou que se emocionou.
"Tivemos que sair de casa às 6h, como a Defesa Civil orientou, seguimos tudo à risca, desligamento de gás, energia, e ficamos na rua acompanhando tudo. Foi tudo muito seguro, acolheram a gente bem. O coração acelerou, porque foi uma emoção muito grande, muito forte, vendo tudo isso desmoronando, mas a gente sabe que é para algo muito melhor. É uma sensação de nostalgia, mas expectativa para o futuro, para os empreendimentos que vão vir e valorizar mais a nossa área, e a gente vai poder ficar mais confiante e orgulhoso de morar aqui na Piedade".
O prefeito do Rio e o sub-prefeito da Zona Norte, Diego Vaz, acompanharam a implosão. Eduardo Paes se disse confiante da recuperação econômica da região, que sofreu com o fechamento de diversos estabelecimentos após o encerramento das atividades da Gama Filho, o que contribuiu com o aumento da criminalidade no bairro.
"A gente tem uma experiência muito bem-sucedida que mudou uma região da cidade, que é o Parque Madureira. Valorizou os imóveis do entorno, tirou um ponto de degradação, que acaba sendo um ponto de violência. Sempre teve um comércio muito forte nessa região (de Piedade) e que com o fim da Gama Filho, passou a virar um ponto super degradado. Eu tenho certeza que a gente vai voltar aqui a ter um comércio subindo, crescendo, restaurantes, lojas, bares. Tenho certeza que a gente tem um novo ponto que marca o nosso subúrbio carioca e muitas histórias vão ser construídas aqui nesse parque", afirmou Paes.
O processo de desapropriação do terreno teve início em 2021 e a prefeitura só teve posse total do complexo em abril deste ano. Entretanto, a demolição dos prédios teve início em outubro de 2022, começando pelo da antiga faculdade de medicina, que estava totalmente depredado. Além do Parque Piedade, o projeto prevê a revitalização de toda a região, com melhorias de pavimentação, sinalização, iluminação, paisagismo, rampa de acessibilidade na estação de trem e ciclovia na Rua Manoel Vitorino. A Rua da Capela, onde fica a Capela Nossa Senhora da Piedade, tombada pelo Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH), em 1996, devido a sua importância arquitetônica, histórica e cultural, também será contemplada.
Morador de Piedade há 12 anos, o militar Marcos Duarte, de 58 anos, afirmou esperar que a área pública revitalize a região e aqueça a economia local. "Eu acho muito positiva a construção do Parque, pode melhorar a região, pode incentivar a construção de novas moradias, atrair novos moradores para o bairro, melhorar o ambiente e até a segurança. Com a saída da Gama Filho, aqui ficou bem vazio e perigoso, teve ocupação do crime, então a expectativa é de melhorias", declarou.
A contadora Aline Paz, de 37 anos, se mudou para um condomínio no bairro há cerca de um ano e não sabia da criação do Parque, mas relatou que passou a acompanhar as obras com grandes expectativas. "A gente espera que volte a movimentação aqui para a região, de comerciantes e pessoas circulando, também, e que gere sucesso na economia local. Quando me mudei, não sabia que ia ter (o Parque) e fiquei muito feliz, porque vai valorizar os imóveis e a região".
A aposentada Irene de Jesus, de 68 anos, se mudou para Piedade há um ano, contando com a valorização do bairro, por conta da construção do Parque. "Esse Parque vai ser muito bom, vai valorizar os apartamentos de quem mora por aqui, vai valorizar o bairro, que está esquecido. Quando a Gama Filho saiu, saiu tudo daqui. Vai melhorar bastante", disse a idosa.
O Parque Piedade vai contar com áreas de lazer, horta urbana, espaço para feiras e eventos, parcão, academia, pista de skate, campo de futebol, parque infantil, entre outros atrativos para os frequentadores. No local, haverá ainda um centro cultural, esportivo e educacional, em parceria com a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Rio (Fecomércio) que, segundo o prefeito, vai dar continuidade ao legado educacional da instituição de ensino.
"Aqui tem um pouco da história de muitos cariocas que se formaram aqui na Gama Filho, mas a memória está preservada, a gente vai fazer uma homenagem àqueles que ensinaram aqui, que aprenderam aqui, que se formaram e ganharam seu diploma nessa universidade que marcou a história dessa cidade. Uma parte vai ser mantida como centro educacional e de esporte, que vai ser assumido pelo Sesc/Senac, então, não tem dúvida de que a região ganha muito. É muito tempo de abandono, de degradação. Vamos ter o comércio reativado, restaurantes surgindo, os imóveis do entorno valorizados, mais qualidade de vida e mais segurança".
Ex-alunos da universidade que moram em Piedade acompanharam a implosão e, apesar de acreditarem em melhorias para o bairro, disseram que gostariam de ver o espaço ser revitalizado em uma área educacional. "Moro aqui desde que nasci e sou ex-aluno da Gama Filho. É um pouco triste, porque quando estava em funcionamento era uma estrutura muito boa, é triste que não foi aproveitado para o motivo que foi criado, para a educação, porque o Brasil precisa bastante de educação, nosso estado, nossa cidade precisa bastante. Mas, acho que o lazer também é um bom destino e espero que tenha policiamento, para que as pessoas possam desfrutar do Parque com segurança", disse o administrador de redes Guilherme Hertel, 28.
A enfermeira Paula Elias, de 39 anos, estudou na Gama Filho entre 2009 e 2010 e levou o filho para ver o momento da implosão na manhã de hoje, que chamou histórico. "Eu estudei na Gama Filho, é um momento histórico e eu queria mostrar para ele (filho) como era isso tudo. E é um marco histórico para Piedade, porque nunca teve um valor e pode melhorar muito o bairro. Já estava abandonado há muito tempo, ninguém fazia nada, então para a juventude que está vindo, pode ser importante. Vai valorizar o bairro e quem sabe uma nova universidade é construída nas redondezas? Eu acredito que vai valorizar o bairro que estava precisando de algo assim".
"Ao longo do tempo, a gente viu esses grandes colégios e instituições de ensino decaindo muito, muitos até abandonados, então o ensino hoje está muito deteriorado. Então, ver uma instituição como a Gama Filho, que era referência, que formou muita gente boa, acabar, fica um sentimento de tristeza. Era uma instituição de ensio relevante, quem não queria vir para a Gama Filho? O ideal é que o ensino e a educação melhorassem, acho que podia ter continuado como instituição de ensino, mas, tomara que o que vai ser feito, compense", disse aposentado Humberto Faillaco, 64, que estudou na universidade na década de 1970.
Universidade Gama Filho
A universidade foi fundada em 1951 pelo ministro Luiz Gama Filho e, ao longo das décadas seguintes, se tornou uma das mais renomadas instituições de ensino superior privadas, chegando a ter a maior faculdade de medicina do país e sendo reconhecida pela atuação poliesportiva. A instituição permaneceu sendo administrada pela família Gama Filho com o passar do tempo.
Entretanto, a universidade começou a enfrentar problemas financeiros, com divídas de mais de R$ 200 milhões com fornecedores, funcionários e o governo. Dessa forma, o então presidente da instituição, Paulo César Prado Ferreira da Gama, decidiu, em 2010, passar o controle para seu advogado Márcio André Mendes Costa, que criou o Galileo Educacional para reestruturar a Gama Filho.
Na administração do grupo, a universidade recebeu investimentos milionários dos fundos de pensão da Postalis, dos Correios, e da Petros, da Petrobras, além de empréstimos bancários. O Galileo ainda incorporou à sua administração a UniverCidade que também enfrentava problemas financeiros. Nesta gestão, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) chegaram a ser contratados para aulas do curso de Direito, ao passo que outros professores e funcionários eram demitidos.
Em 2012, a instituição também encerrou o contrato com o hospital onde alunos de medicina faziam aulas práticas. Com problemas na estrutura, o Ministério da Educação diminuiu o número de vagas por vestibular e, em 2013, instaurou um processo administrativo contra a Gama Filho, impedindo que novos estudantes se matriculassem. No ano seguinte, a universidade fechou as portas, ao ser descredenciada pela baixa qualidade acadêmica, comprometimento da situação econômico-financeira e falta de um plano de resolução.
Dois anos depois, em 2016, a Justiça do Rio decretou a falência do Galileo, após negar o pedido de recuperação judicial feito pelo grupo, que não recorreu. Desde então, a massa falida ficou sob a responsabilidade de administradores judiciais, até que, em abril de 2022, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, publicou no Diário Oficial um decreto que declarava a utilidade pública, para fins de desapropriação, de 35 endereços ligados à Gama Filho. À época, a massa falida descreveu a medida como benéfica para a comunidade e para os credores prejudicados.
Ainda em 2016, a Polícia Federal prendeu nove pessoas envolvidas em desvios de recursos do Postalis e Petros, que participaram da estruturação da operação fraudulenta do Galileo Educacional. As investigações apontaram que o esquema montado pelo grupo arrecadou cerca de R$ 100 milhões por meio da compra de títulos mobiliários, para recuperar a universidade. Entretanto, quando a empresa quebrou, aproximadamente R$ 90 milhões foram desviados.
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