O sonho de muitas mulheres ainda é entrar na igreja de véu e grinalda e se casar com o homem que escolheu para dividir sua vida. Ocorre que em alguns casos a história de amor vira um pesadelo. É só ver o número de feminicídios que ocorrem no Estado do Rio de Janeiro e pelo Brasil afora, além da violência psicológica e da tentativa de matar mulheres diariamente. Dados do Laboratório de Estudos de Feminicídio, da Universidade Estadual de Londrina, mostram que somente de janeiro a junho de 2024 cinco mulheres foram assassinadas por dia no país, o que representa uma média diária de 4,98, acima do ano passado com 4,7, casos diários em 2023.
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Pensando em minimizar essa situação, o deputado estadual Léo Vieira (Republicanos) criou o Projeto de Lei 3645/2024, que consiste em conter, no site da Secretaria de Estado de Segurança Pública, uma lista de pessoas com sentença penal transitada em julgado pela prática dos seguintes crimes contra mulher: feminicídio; estupro; estupro de vulnerável; lesão corporal; perseguição contra a mulher; violência psicológica; invasão de dispositivo informático. Na relação de pessoas condenadas por violência contra a mulher deverá incluir nome completo; filiação; data de nascimento; número do documento de identificação; endereço residencial e fotografia do identificado.
O projeto, que tem a aprovação de muitas mulheres, principalmente vítimas de violência, está em análise na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) e segue uma decisão do Supremo Tribunal Federal. (STF). O PL 3645/2024 será analisado pelas comissões de Constituição e Justiça; Segurança Pública; Ciência e Tecnologia; Defesa dos Direitos da Mulher; Orçamento.
O deputado Léo Vieira fala da importância do PL. "Todos os dias nós vemos no noticiário acontecimentos tristes decorrentes da violência contra a mulher. As pessoas já condenadas devem cumprir suas penas, e a sociedade tem o direito de saber quem elas são e o que fizeram. O cadastro tem esse objetivo, além de atender ao que o STF já permite", argumenta.
Bate-bola com o deputado
O DIA: O Brasil, infelizmente, é um dos campeões em feminicídio. O senhor acredita que com esse Projeto de Lei, o número desse tipo de crime irá diminuir? Afinal, mesmo com a medida protetiva, muitas mulheres são assassinadas em todo o Estado.
LÉO VIEIRA: A intenção do projeto de lei é fazer que a população saiba quem praticou um crime contra a mulher. A diminuição do número de feminicídios é muito complexo, inclui leis mais severas e educação da sociedade começando ainda na escola. A criança desde cedo tem de aprender a respeitar a mulher, em muitos casos a violência é praticada dentro de casa e menores presenciam agressões.
O DIA: A sua ideia também é a de proteger mulheres que estão começando um relacionamento e ainda não sabem com quem estão lidando?
LÉO VIEIRA: Com certeza ajudará porque essa lista de condenados ficará exposta no site da Secretaria de Estado de Segurança Pública, responsável pela atualização dos dados.
O DIA: O que o motivou a criar esse projeto, principalmente quando se fala em estupro? Recentemente tivemos uma polêmica muito grande sobre a PL do aborto, inclusive com evangélicos e católicos sendo contra?
LÉO VIEIRA: O Supremo Tribunal Federal deliberou, considero extremamente relevante os estados terem essa legislação que permitirá não só às mulheres, mas a qualquer cidadão saber se a pessoa praticou determinado tipo de crime contra uma mulher.
O DIA: É de conhecimento que, muitas vezes, quem pratica o abuso sexual e estupro são pais, padrastos, irmãos e vizinhos. Como o senhor acredita que as vítimas possam denunciar os delitos? Entendo que o Projeto de Lei será para as pessoas já condenadas, mas seria possível incluir também os suspeitos?
LÉO VIEIRA: A democracia pressupõe o direito à ampla defesa, e como o próprio STF deliberou que somente condenados com trânsito em julgado devem ter os nomes expostos é fundamental que se respeite o que a corte máxima do país autoriza. Todo crime tem de ser denunciado nas delegacias de polícia, especialmente às de atendimento à mulher, para que seja instaurado inquérito e, posteriormente, a justiça condenar o agressor.
Mulheres apoiam o Projeto de Lei
Para a escritora Priscilla Bellizi, de 42 anos, que sofreu uma relação abusiva com o marido e lança o livro Abusada em agosto, essa PL é de suma importância para todas as mulheres. "É bom para gente e serve para que os homens pensem duas vezes antes de tomarem atitudes ruins contra as mulheres’", conta ela que passou por grande constrangimento em seu enlace, que aconteceu em março de 2022. Onze meses depois, Priscilla já estava separada.
“Eu queria muito me casar. Foi lindo. Casamos no civil e fizemos um almoço no Copacabana Palace. Logo depois do casamento ele passou a ter um ciúme excessivo, dizia que eu não precisava mais trabalhar. Nesse tempo, moramos no Rio, São Paulo e na Europa, quando ele cismou que deveria colocar meu celular no cofre para que eu não tivesse acesso a mais ninguém. Me reduzia como profissional, chegando a chamar o meu trabalho de m.".
De acordo com escritora, o estopim do relacionamento tóxico foi quando ela torceu o pé em São Paulo e ele não quis levá-la a um médico. "Foi uma total falta de empatia. Ele resolveu que teríamos que voltar para o Rio e eu disse que ele nunca mais veria se fôssemos embora. Quando paramos no posto de gasolina em Queluz, ele queria que eu deixasse a bolsa no carro, mas fui ao banheiro e acabei ligando para a polícia. Ele tirou suas coisas da mala e passou a pedir carona na estrada. Em vinte minutos, a Polícia chegou, eu registrei queixa e tenho uma medida protetiva (a de número 147B – violência psicológica contra a mulher)".
Essa situação aconteceu no dia 10 de março deste ano, mas Priscilla não se abateu e transformou sua trajetória em livro. A publicação Abusada, pela Amazon, aborda a importância do resgate da essência feminina após o trauma de uma relação abusiva. Priscila Bellizzi explora como muitas mulheres, durante uma relação abusiva, perdem contato com suas conquistas e preferências pessoais. Ela destaca que o abusador distorce o amor, exigindo respeito e obediência enquanto despeja suas frustrações na parceira.
A psicanalista e jornalista Maria Silvia, 56 anos, conta que se essa PL já existisse em sua época, ela teria evitado tanto sofrimento pois seu ex-marido já tinha duas medidas protetivas por meio da Lei Maria da Penha e ela, obviamente, não sabia. "É muito importante que consigamos na lei a permissão para registrar o nome desses agressores no sistema, onde outras mulheres possam ter acesso".
Maria viu sua vida mudar de cabeça para baixo em 25 de setembro de 2021."Fui almoçar com meu filho, e meu então marido não parava de me ligar, falava palavrões e gritava. Deixei meu filho e fui para casa. Ele havia fechado a casa toda, fiquei com muito medo e já coloquei o celular para gravar. Ele me agrediu, eu gritava e ninguém ouvia, tentou me enforcar. Jogou o celular no chão. Eu consegui sair. Mas ali decidi que não ficaria''', diz Maria, que ainda teve um certo pudor em falar do seu 'algoz'.
"Como recebemos visita da família. Não contei nada e no domingo arrumei uma mala e saí de casa. Ele começou as ameaças, foi ao meu trabalho, fez eu assinar um documento retroativo de saída da empresa. Eu só queria me ver livre de tudo. E na data marcada fui a empresa para o desligamento. Assim que cheguei, na frente de toda equipe, todos homens, ele voltou a me empurrar e a gritar palavrões. Passei muito mal. Tenho hipertensão. Ninguém me socorreu. Meu irmão me pegou e levou direto para o CopaDor, cheguei com princípio de AVC. E no dia seguinte dei parte na delegacia da mulher. A Lei Maria da Penha me protegeu. Sou muito grata''.
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