João Pedro morreu após ser baleado durante uma operação em maio de 2020Reprodução / Redes Sociais
Publicado 12/07/2024 14:53 | Atualizado 12/07/2024 15:40
Rio - A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio de Janeiro pretender levar a decisão de absolvição dos três policiais civis envolvidos na morte do menino João Pedro Mattos Pinto, decretada na terça-feira (9), para o Supremo Tribunal Federal (STF). O Tribunal de Justiça do Estado do Rio (TJRJ) entendeu que os agentes agiram em legítima defesa.
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O adolescente de 14 anos morreu após ser atingido por um tiro de fuzil durante uma operação das Polícias Civil e Federal, em maio de 2020, no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio. Ele estava na casa do tio brincando com amigos quando foi baleado. Segundo testemunhas, agentes entraram atirando na residência e acabaram acertando o jovem, que chegou a ser socorrido, mas não resistiu. A família só soube onde estava o corpo 17 horas depois.
Para a juíza Juliana Bessa Ferraz Krykhtine, da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo, os policiais civis Mauro José Gonçalves, Maxwell Gomes Pereira e Fernando de Brito Meister, que eram réus por homicídio duplamente qualificado, os autos no processo apontaram que eles entraram na casa onde João Pedro estava porque perseguiam criminosos armados que, após confronto, atiraram um artefato explosivo contra eles. Em seguida, uma nova troca de tiros teve início.
A magistrada entendeu que os agentes agiram em legítima defesa e que o Ministério Público do Estado do Rio (MPRJ) e a assistência de acusação não conseguiram demonstrar a responsabilidade penal dos réus. 
"A agressão sofrida pelos réus era atual, face aos disparos efetuados em sua direção, bem como o lançamento dos explosivos, além do que os mesmos se utilizaram dos meios necessários que possuíam para repeli-la. A prova produzida nos autos não deixa dúvidas que a conduta dos réus se deu em legítima defesa e como tal deve ser reconhecida", decidiu.
Na quinta-feira (11), a OABRJ repudiou a decisão e afirmou que pedirá a reavaliação da sentença para que o caso, considerado pela Ordem de extrema gravidade, "não seja marcado pela impunidade como a grande parte dos que envolvem letalidade policial no Brasil". A seccional também destacou que informará o ministro Edson Fachin, do STF, responsável pela relatoria da ADPF 635 (ADPF das Favelas), sobre a decisão.
"O diálogo com o STF é fundamental, uma vez que a impunidade de agentes públicos é um dos principais fatores que contribuem com o negrocídio que atinge os pretos de pele, de chão e de bolso dentro das favelas e periferias do Estado do Rio de Janeiro", destacou o órgão. Veja a nota completa no fim da reportagem. 
Protesto após decisão
Familiares de vítimas da violência do estado e movimentos sociais realizaram um protesto, na manhã desta quinta-feira (11), em frente ao TJRJ, no Centro da Rio, contra a decisão que absolveu os policiais pela morte de João Pedro.
Os pais do adolescente afirmaram que vão recorrer até a última instância em busca de justiça e negaram o entendimento da juíza de que os executores agiram em legítima defesa.
"Essa sentença não tem responsabilidade nenhuma com a família ou com a sociedade. A verdade é que os policiais entraram em uma casa efetuando disparos de arma de fogo, onde só havia jovens brincando. Como um agente público entra em uma casa efetuando mais de 70 disparos sem intenção de matar? Tentam nos fazer de burros, mas não somos", criticou o pai do jovem, Neilton da Costa. "João Pedro foi levado do local em um helicóptero e só fui saber onde ele estava 17 horas depois", lembrou.
O MPRJ e o Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh) da Defensoria Pública do Rio informaram que vão recorrer da absolvição. Por meio de nota, a Nudedh, que representa a família do jovem destacou que, ao adotar a tese de legítima defesa, a sentença não observou "a robusta prova técnica e testemunhal produzida no processo".
"Dessa forma, subtraiu a competência constitucional do Júri Popular para o julgamento da causa. De acordo com a lei, devem ser julgados pelo Júri os crimes dolosos contra a vida, quando estiver comprovada a materialidade do fato e havendo indícios suficientes de autoria, como é o caso", comunicou o Núcleo.
Leia na íntegra a nota da OABRJ
"Registramos profunda preocupação com a notícia da decisão proferida pela 4ª Vara Criminal de São Gonçalo, que absolveu sumariamente os três policiais acusados pela morte de João Pedro, menino de 14 anos, assassinado no dia 18 de maio de 2020, dentro da casa de seu tio, no Salgueiro, favela da cidade de São Gonçalo.

Espera-se que tal decisão seja reavaliada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, pois, é muito preocupante que um crime como esse termine impune como ocorre na maioria dos casos de letalidade policial no Brasil.

O assassinato de João Pedro foi praticado durante uma operação conjunta das Polícia Civil e da Polícia Federal, comprovando-se a denúncia feita por pesquisadores e movimento sociais, segundo os quais o Estado Brasileiro é o principal violador de Direitos Humanos no Brasil.

Por isso, é fundamental cobrir de solidariedade a família de João Pedro, que tem lutado por Justiça e pela memória do menino, fazendo desta luta uma trincheira coletiva de todos que se revoltam contra a violência policial e o cenário de absoluta desumanização perpetrado pelas forças policiais no Estado do Rio de Janeiro.

Vale lembrar, que no Estado do Rio de Janeiro, mais de 1/3 das mortes violentas decorrem de intervenção policial e mais de 72% das mortes por armas de fogo são de pessoas negras.

A CDHAJ está em contato com grupos que atuam junto aos familiares, aos quais oferece toda nossa solidariedade e o apoio no que for necessário.

Informaremos o ocorrido ao ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, no bojo da ADPF 635 (ADPF das Favelas), na qual dentre outras medidas, defendemos que o Estado do Rio de Janeiro deve reduzir em no mínimo 70% os índices de letalidade policial.

O diálogo com o STF é fundamental, uma vez que a impunidade de agentes públicos, é um dos principais fatores que contribuem com o negrocídio que atinge os pretos de pele, de chão e de bolso dentro das favelas e periferias do Estado do Rio de Janeiro."
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