João Pedro Mattos Pinto foi morto com um tiro de fuzil, no Complexo do Salgueiro, em São GonçaloReprodução/Redes sociais

Rio - A Justiça do Rio decidiu absolver sumariamente os três policiais civis envolvidos na morte de João Pedro Mattos Pinto, de 14 anos, no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, na Região Metropolitana. O crime aconteceu há quatro anos, em 18 de maio de 2020, quando o adolescente foi atingido por um tiro de fuzil, em uma ação das polícias Civil e Federal. A decisão desta terça-feira (9) entendeu que os réus agiram em legítima defesa. 
Os policiais Mauro José Gonçalves, Maxwell Gomes Pereira e Fernando de Brito Meister eram réus por homicídio duplamente qualificado e respondiam em liberdade. A juíza Juliana Bessa Ferraz Krykhtine, da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo, justificou que os autos do processo apontaram que os agentes entraram na casa de João Pedro, porque perseguiam criminosos armados que, após confronto, atiraram um artefato explosivo contra eles. Em seguida, uma nova troca de tiros teve início. 
"Tal fato se demonstra clarividente, uma vez que ao adentrarem à residência, mais especificamente em sua área externa, os policiais já foram recebidos por inúmeros disparos, por parte dos traficantes, de forma que os tiros por eles deferidos foram disparados apenas para repelir a injusta agressão que sofriam, com intuito da manutenção das suas respectivas integridades físicas", diz o documento. A magistrada reforça ainda que os agentes usaram meios necessários para responder ao ataque dos criminosos. 
"A agressão sofrida pelos réus era atual, face aos disparos efetuados em sua direção, bem como o lançamento dos explosivos, além do que os mesmos se utilizaram dos meios necessários que possuíam para repelí-la. A prova produzida nos autos não deixa dúvidas que a conduta dos réus se deu em legítima defesa e como tal deve ser reconhecida". A juíza diz ainda que o Ministério Público do Rio (MPRJ) e a assistência da acusação não conseguiram demonstrar a responsabilidade penal dos réus, produzindo "muita pouca ou quase nenhuma prova". 
Ainda na decisão, a juíza alega que, embora a ação tenha provocado a morte de um adolescente inocente, não pode ser entendida como homicídio doloso. "É necessário entender, com apego à racionalidade, que a dinâmica dos fatos, como narrada e confirmada pelos diversos laudos anexados ao processo, não pode ser inserida em um contexto de homicídio doloso por parte dos policiais. Isso porque, no plano da tipicidade, o aspecto subjetivo já não se completa, haja vista a clara ausência de dolo, uma vez que não houve qualquer intenção de matar o adolescente", apontou. "É imperioso entender que os policiais, à primeira
vista, agiram sob um excludente de ilicitude, a saber: a legítima defesa", completou. 
Família esperava júri popular
A família de João Pedro recebeu a decisão com indignação e a descreveu como "absurda". Há cerca de dois anos, os parentes acompanhavam as audiências de instrução e julgamento e esperavam que os policiais civis Mauro José, Maxwell e Fernando fossem levados a júri popular e condenados pela morte do adolescente. Segundo a mãe da vítima, Rafaela Mattos, eles irão recorrer da decisão. 
"O que nós esperávamos era que eles fossem a júri popular e a gente sabe que depois da sentença do júri popular, ainda seria um processo a percorrer, porque aguardaríamos também marcar o júri popular (...) Mas, vamos recorrer da decisão. Cabia recurso de ambas as partes, se fosse favorável a nós ou a eles. Então, a luta continua, de uma forma inesperada, mas a luta continua. A gente vai fazer a nossa parte para tentar fazer chegar ao júri popular", afirmou. 
João Pedro foi morto durante uma operação no Complexo do Salgueiro, quando brincava com amigos na casa dos tios. Segundo testemunhas, os agentes entraram atirando na residência e o adolescente foi atingido por um disparo de fuzil e socorrido de helicóptero, mas não resistiu aos ferimentos. O corpo do menino ainda ficou desaparecido e só foi encontrado horas depois pela família no Instituto Médico Legal (IML) de São Gonçalo.
Para a mãe, a decisão da juíza normaliza ações policiais que provocam mortes de inocentes. "Não foi o que a gente esperava, essa decisão é absurda. A Justiça mostrando para a sociedade que é normal ter essas operações e entrar nas casas de pessoas de bem e sair atirando. A Justiça está mostrando isso para a sociedade, para minha família, para minha filha que ficou aqui. A Justiça nos mata duas vezes", desabafou Rafaela. 
'Pais condenados a viverem sem o filho', diz Rio de Paz
Em uma publicação nas redes sociais, a Rio de Paz declarou que a morte de João Pedro "é uma exceção porque houve investigação e chegaram aos culpados, mas é regra quando se trata de punir os culpados". A ONG lembrou que a casa onde a vítima estava com outras crianças e adolescentes foi metralhada e que o MPRJ realizou uma "investigação minuciosa que contou até com reprodução simulada em 3D". 
Na nota, a Rio de Paz também questionou se ninguém seria responsabilizado pela morte do adolescente. "Pais condenados a viverem sem o filho e os assassinos impunes!", afirmou a ONG. "Há 17 anos acompanhamos os casos de crianças e adolescentes mortos por armas de fogo, a maioria por bala perdida. Já são mais de cem. A maioria pobre, negra e de favela. Um adolescente de 14 anos foi assassinado e ninguém pagará por isso????", completou.