Rio - Familiares de vítimas da violência do estado e movimentos sociais realizaram um protesto na manhã desta quinta-feira (11) em frente ao Tribunal de Justiça do Rio, no Centro da capital, contra a decisão que absolveu os policiais pela morte do adolescente João Pedro Mattos Pinto, morto dentro de casa no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio, no dia 18 de maio de 2020.
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Os pais do adolescente afirmaram que vão recorrer até a última instância em busca de justiça e negaram o entendimento da juíza de que os executores agiram em legítima defesa. "Essa sentença não tem responsabilidade nenhuma com a família ou com a sociedade. A verdade é que os policiais entraram em uma casa efetuando disparos de arma de fogo, onde só havia jovens brincando. Como um agente público entra em uma casa efetuando mais de 70 disparos sem intenção de matar? Tentam nos fazer de burros, mas não somos", criticou o pai do jovem, Neilton da Costa. "João Pedro foi levado do local em um helicóptero e só fui saber onde ele estava 17 horas depois", lembrou.
A presidente da Comissão de Combate ao Racismo da Câmara de Vereadores do Rio, vereadora Monica Cunha (Psol), destacou que o Ministério Público (MP) representou pela condenação dos policiais envolvidos e avaliou que a Justiça os absolveu por conta do racismo estrutural nas instituições brasileiras.
"Dessa vez, até o MP se colocou na Justiça para ver o absurdo que foi feito e mesmo assim não foi ouvido. O Judiciário mais uma vez age com racismo em cima dos nossos corpos", afirmou a vereadora. "A juíza acatou o que os advogados deles [policiais] disseram e ignorou as provas do Ministério Público, da Defensoria Pública e os depoimentos dos adolescentes que lá estavam, que passaram perrengue lá dentro", acrescentou o pai da vítima.
A mãe, Rafaela Matos, afirmou que não recebeu nenhum pedido de desculpas por órgãos estatais, porque "não é diplomata", referindo-se ao episódio recente em que o Estado brasileiro se desculpou por uma abordagem truculenta de policiais militares a adolescentes filhos de diplomatas em Ipanema, na Zona Sul. "Nós temos recebido muito apoio da Anistia Internacional, de outros movimentos, mas o Estado em momento nenhum nesses quatro anos nos procurou, mas se eu fosse uma diplomata, com certeza o pedido de desculpas viria de imediato", criticou Rafaela.
A diretora da Anistia Internacional no Brasil, Jurema Werneck, afirmou que a instituição seguirá em apoio à família até reconhecer que obteve a resposta correta para o crime. "É preciso que superem o racismo, essa onda de impunidade. É preciso que a morte de João Pedro não seja em vão. O próprio STF disse que operações no tempo da pandemia estavam erradas. A gente não pode perder as nossas crianças e adolescentes negros que moram em favelas. Isso é racismo e a impunidade precisa acabar", declarou Jurema.
A mãe de João Pedro ponderou que apesar da esperança de que os policiais fossem punidos, a família desconfiou que a juíza os absolveria por conta do modo que as audiências eram conduzidas. "A todo tempo, nós tínhamos a esperança de que o caso fosse levado a júri popular pelo fato, pelos argumentos. Mas, diante das audiências de instrução, a falta de respeito da juíza conosco, familiares, nos levou em algum momento a achar que ela não daria [o júri]. Ela não se solidarizou com a família em momento nenhum, faltou com respeito com o pessoal da Defensoria, quando algum defensor levantava a voz para falar alguma coisa, ela cortava. Os advogados dos réus falavam normalmente o tempo todo que quisessem e ela ainda chamou a atenção do pai, em um episódio em que ele se manifestou contra a inocência dos réus", exemplificou.
A fundadora do coletivo Mães de Manguinhos, Ana Paula de Oliveira, participou do protesto e cobrou o fim da impunidade para mortes de crianças e adolescentes negros nas favelas. "Acho que toda a sociedade deveria estar aqui. É inadmissível absolver de forma sumária policiais acusados de assassinar uma criança dentro de casa numa época de pandemia. Em época nenhuma isso seria admissível. Quando recebi a notícia, eu revivi tudo novamente, no meu caso, após 10 anos do assassinato do meu filho, no julgamento do réu, a justiça entendeu que foi um homicídio culposo, sem intenção de matar", lembrou. Ana Paula é mãe de Johnatha de Oliveira Lima, morto com um tiro nas costas durante uma operação em Manguinhos, na Zona Norte, em 2014.
O Tribunal de Justiça afirmou em nota nesta quinta-feira (11) que não se manifesta sobre decisões dos seus magistrados. "Os juízes somente se pronunciam por meio das suas decisões nos processos. Acrescentamos que, de acordo com o Art. 26, Inciso III, da Lei Orgânica da Magistratura (Loman), é vedado ao magistrado manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério", diz o texto.
Entenda o caso
João Pedro morreu atingido por um tiro de fuzil, em uma ação das polícias Civil e Federal. A decisão de terça-feira (9) entendeu que os réus agiram em legítima defesa. Os policiais Mauro José Gonçalves, Maxwell Gomes Pereira e Fernando de Brito Meister eram réus por homicídio duplamente qualificado e respondiam em liberdade.
A juíza Juliana Bessa Ferraz Krykhtine, da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo, justificou que os autos do processo apontaram que os agentes entraram na casa de João Pedro porque perseguiam criminosos armados que, após confronto, atiraram um artefato explosivo contra eles. Em seguida, uma nova troca de tiros teve início. Ainda na decisão, a juíza alega que, embora a ação tenha provocado a morte de um adolescente inocente, não pode ser entendida como homicídio doloso.
O Ministério Público do Rio (MPRJ) e o Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh) da Defensoria Pública do Rio informaram, na quarta-feira (10), que vão recorrer da absolvição dos três policiais civis.
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