Rio - Familiares de Johnatha de Oliveira Lima, de 19 anos, morto com um tiro nas costas durante uma operação em Manguinhos, na Zona Norte, em 2014, realizaram um ato de repúdio nesta quinta-feira (7) em frente ao Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ), no Centro. A movimentação aconteceu em resposta ao resultado do julgamento do caso, onde o policial militar Alessandro Marcelino de Souza, responsável pelo disparo, foi condenado por homicídio culposo, quando não há intenção de matar.
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A mãe do jovem, Ana Paula de Oliveira, participou do ato e afirmou ter sido pega de surpresa com a decisão da Justiça. "Fomos pegos de surpresa, todas as pessoas que acompanhavam a audiência estavam com uma expectativa positiva de que a justiça pudesse ser feita após 10 anos. Tínhamos provas robustas, provas materiais que comprovam a autoria e que o PM teve sim a intenção de matar o meu filho", desabafou. Ana Paula também citou o vídeo 3D que remontou a cena da morte do jovem.
"No laudo fica comprovado que o PM se agachou e atirou nele. Eu esperava o mínimo, que era uma resposta da justiça. Esse tribunal aceitou de última hora o pedido da defesa do policial de colocar como homicídio culposo. Isso me deixou muito revoltada e mostrou mais uma vez que a justiça não é igual para todos", disse.
Questionada se tinha medo de sofrer algum tipo de retaliação pela intensa luta por justiça, Ana Paula afirmou que anda de cabeça erguida e não teme pela vida. "Ele [o PM] já me tirou tudo, ele já me matou, eu não tenho que ter medo, eu ando de cabeça erguida. Assim como meu filho não fez nada, eu também não fiz. O que eu quero é reparação para todas as mães que têm seus filhos assassinados todos os dias. Isso não acontece em qualquer lugar do Rio de Janeiro, tem endereço certo que são as favelas, os corpos pretos. A votação dos jurados traz para a gente um pouco do que a sociedade reflete, o fato de morarmos na favela nos criminalizam", disse.
A vereadora do Rio Monica Benicio também esteve no ato no Centro do Rio apoiando Ana Paula. Monica reforçou o que foi dito pela mãe de Johnatha anteriormente. "A justiça não é igual para todos e isso foi escancarado ontem, uma justiça seletiva que tem no alvo a raça e classe, sendo a maioria pessoas negras assassinadas todos os dias. Essas mães têm a minha admiração. Eu vendo a Ana Paula receber o resultado da decisão ontem, eu pensei 'que força é essa?' A luta dela é para que não aconteça com mais nenhum outro jovem o que aconteceu com o seu filho", diz Monica.
Quem também participou da manifestação foi Priscila Menezes, mãe do menino Thiago Menezes Flausino, de 13 anos, morto em uma operação policial na Cidade de Deus, Zona Oeste do Rio, em agosto de 2023. No dia em que a morte do filho dela completa sete meses, Priscila desabafou sobre o resultado do julgamento: "O que aconteceu ontem foi racismo", disse. A mãe de Thiago chegou a passar mal durante o ato e foi socorrida por bombeiros do TJRJ.
Resultado do julgamento
Na noite de quarta-feira (7), Ana Paula chegou a fazer um desabafo emocionado ao fim do julgamento que aconteceu na quarta (6). Após 10 anos do crime, ela esperava ao menos que o agente respondesse por homicídio doloso. "Meu filho foi assassinado com um tiro nas costas. Essa luta não pode ser só minha! Acabaram com a minha vida e da minha família. Essa é a resposta que a sociedade dá para mim?", disse.
O julgamento de Alessandro durou dois dias e passou por júri popular. Agora, o crime será julgado pelo Tribunal Militar, que decidirá a pena do policial. A decisão causou repercussão entre as autoridades. A ministra da Igualdade Racial do Brasil, Anielle Franco, por exemplo, lamentou a decisão.
"Não há como não ser atravessada pela dor de Ana Paula [...] Nossas histórias de dor e luta se cruzam. Hoje, o responsável por sua morte foi condenado por homicídio culposo. Um tiro pelas costas, sem intenção de matar? E mais uma vez, houve a tentativa de atacar a memória do jovem Johnatha, com fatos que nunca foram provados", disse.
Anielle ainda relembrou a época do crime, em que sua irmã, Marielle Franco, esteve ao lado da mãe de Johnatha em busca de Justiça.
"Na época que coordenou a Comissão de Direitos Humanos, minha irmã acompanhou Ana Paula. Hoje minha mãe esteve ao lado dela nesse momento tão doloroso. Não há uma mãe ou familiar de vítima de violência que não esteja chorando o choro de Ana. Meu abraço para Ana Paula e toda sua família", finalizou.
Não há como não ser atravessada pela dor de Ana Paula, mãe do jovem Johnatha, assassinado há 10 anos, em Manguinhos, no Rio de Janeiro.
Nossas histórias de dor e luta se cruzam.
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Nas redes sociais, a secretária municipal de Ambiente e Clima da cidade do Rio, Tainá de Paula, também comentou o assunto e expôs sua indignação do policial não ter sido condenado por homicídio doloso, quando há a intenção de matar.
"O Johnatha morreu baleado nas costas, sem direito a absolutamente nenhum julgamento. Essa sentença o executa pela segunda vez, a queima-roupa. Eu, mãe de menina negra, não tenho condições de olhar esse vídeo sem desabar. Não tem nada que vocês me digam que possa achar razoável uma decisão dessas. E Ana Paula está certa! A sociedade tem culpa. Não pune, não entende e odeia a juventude negra", disse.
A vereadora no Rio, Mônica Cunha (Psol) e presidenta da Comissão de Combate ao Racismo, comentou ainda sobre a necessidade da luta da sociedade pelo fim da violência no estado.
"Vocês não têm noção da dor que a Ana Paula, mãe do Johnatha, está sentindo? Com a decisão de ontem, após 10 anos, é como se ela estivesse perdendo o filho dela novamente. É uma dor que não tem como descrever em palavras. Só quem é mãe e perde um filho, como eu perdi, como ela e tantas outras, sente. A gente precisa entender que a luta das mães que perderam seus filhos pela violência do Estado é de toda sociedade", lamentou.
A deputada estadual e presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, Renata Souza, também prestou solidariedade à família da vítima.
"Se não você não é capaz de se afetar com a dor dessa mãe, você perdeu a sua humanidade. Minha solidariedade e profundo respeito por Ana Paula Oliveira, mãe do jovem Jhonatha que segue sendo assassinado e injustiçado pelo Estado", disse.
Relembre o caso
Johnatha foi morto com um tiro nas costas durante uma operação policial da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) de Manguinhos, em maio de 2014, quando voltava a pé para a casa da avó. À época, o policial disse que estava em patrulhamento pela localidade do Barrinho quando ele e outros agentes se depararam com criminosos armados, iniciando um confronto. Nessa primeira versão, o policial negou ter disparado sua arma ou mesmo estar no local onde Johnatha foi atingido. "O declarante afirma não ter feito nenhum disparo, bem como não presenciou nenhum colega disparando", diz o termo de declaração.
A primeira versão oferecida pelo policial horas após o fato foi desmentida pelo resultado do exame de confronto de balística, que indicou que a bala alojada no corpo de Johnatha havia saído da arma desse mesmo PM. Após ser informado sobre o resultado do exame de confronto de balística, o policial admitiu então ter atirado sete vezes.
Um vídeo em 3D elaborado pela Defensoria Pública do Rio remontou a cena da morte do jovem. O material foi elaborado com com base em informações de imagens de satélites, visita ao local, provas dos autos, demais perícias feitas ao longo do processo, depoimentos de testemunhas, além da versão apresentada pelo réu.
De acordo com a Defensoria Pública, havia um protesto de moradores desarmados contra abordagens violentas da polícia, já que, segundo testemunha, agentes teriam xingado crianças que brincavam em um campinho de futebol. Com isso, Alessandro atirou tanto para o alto quanto em direção à multidão, atingindo a vítima que passava próximo ao local com a namorada.
Um ano antes do assassinato de Johnatha, em 2013, o mesmo policial militar já havia sido acusado de triplo homicídio na Baixada Fluminense. Alessandro Marcelino chegou a ser preso, mas teve seu caso impronunciado e voltou à ativa.
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