A Comissão de Frente da Embaixadores conta com cadeirantes e andantesGui Maia / Divulgação

Há 17 anos que a Embaixadores da Alegria, primeira e única escola de samba voltada a pessoas com deficiência, abre o Desfile das Campeãs das escolas de samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro. Este ano não será diferente. No sábado (8), às 18h30, a escola se concentra às 16h30 no Balança Mas Não cai. Com o enredo 'O casamento entre o Céu e a Terra', assinado por Xande de Pilares, Gilson Bernini e Clovis Pê, aborda a cultura dos povos originários, da ancestralidade e das relações que envolvem a preservação do meio ambiente.A Embaixadores da Alegria, com 1500 componentes, levará para o desfile uma mensagem poderosa com profundidade lírica, que promete emocionar e conscientizar os foliões nas arquibancadas do Sambódromo. O conceito oferece múltiplas camadas de interpretação, podendo abordar espiritualidade, cultura, ecologia e ancestralidade. O enredo entrelaça arte, poesia e crítica social. A comissão de frente, formada por andantes e cadeirantes, vai encenar a separação inicial entre o céu e a terra e a jornada para restaurar essa harmonia, com movimentos coreografados representando o diálogo entre as forças divinas e humanas.
A Embaixadores da Alegria desfilará com cinco setores temáticos. O primeiro é 'O sopro do começo – O Céu e a Terra em união'. Nele retratam-se o mito da criação e o equilíbrio inicial entre os elementos divinos e terrenos. Mostra-se a harmonia original, onde a natureza e a espiritualidade estavam unidas como uma dança perfeita. Figuras indígenas, pássaros sagrados e os elementos da natureza (vento, fogo, terra e água) podem ser representados de maneira simbólica e colorida.
O segundo setor é 'Vozes da ancestralidade – os guardiões da Terra'. O destaque são as culturas indígenas como guardiãs do equilíbrio entre o Céu e a Terra, com suas crenças, seus cantos e rituais que reforçam a interdependência entre homem e natureza. Este setor mostrará a sabedoria ancestral por meio de símbolos como o cocar, a pintura corporal, os rituais de colheita e as celebrações à Mãe Terra.
O terceiro setor apresenta 'A modernidade e a ruptura da harmonia', mostrando a desconexão causada pela industrialização, pelo consumismo e pela devastação ambiental. Contraste entre a exuberância da natureza e a destruição causada pela ganância humana. Este setor trará elementos como rios poluídos, florestas queimadas e a luta pela sobrevivência das culturas tradicionais.
O quarto setor é 'O chamado das vozes indígenas', um chamado à reflexão. A reconexão com o respeito à natureza e o resgate da sabedoria ancestral são apresentados como caminhos para restaurar o equilíbrio. Representações de líderes indígenas e movimentos de preservação ambiental ganham destaque.
E o quinto e último setor apresentará 'O casamento entre o Céu e a Terra – a sinfonia restaurada', celebrando o restabelecimento da harmonia entre o divino e o terreno, o homem e a natureza. Cores vibrantes, flores renascendo, animais livres e o Céu em comunhão com a Terra marcam esse momento apoteótico. Este setor reflete esperança e um futuro sustentável, em que a humanidade finalmente compreende seu papel como parte do todo.

A Embaixadores da Alegria é uma associação sem fins lucrativos, fundada em 2006 pelos sócios cofundadores Paul Davies e Caio Leitão. A proposta é utilizar a cultura, o samba, a arte e educação como instrumentos de inclusão social para pessoas com e sem deficiência. Caio Leitão conta que a ideia surgiu naquela época com o nome de Esperança, mas não era adequado. "As pessoas com deficiência não podem ter o olhar de pena. O olhar tem que ser cuidadoso e deve-se ter posicionamento", conta Caio, acrescentando que ele e Paul resolveram fazer o desfile de carnaval por se tratar de uma cultura carioca. "Somos o berço do samba e, como o carnaval é democrático, resolvemos fazer a inclusão".
Para Caio é uma felicidade o projeto esta chegando quase à maioridade. "Chegamos ao décimo-sétimo desfile da Embaixadores da Alegria com muito respeito à história construída até aqui. Muita criatividade, resistência, profissionalismo, mas acima de tudo, amor ao propósito de enxergar as potencialidades das pessoas com deficiência. Nesses últimos dezessete anos de acessibilidade na cultura do Brasil, navegamos por tempestades, congelamentos de investimentos, mas o nosso inexorável trabalho de inclusão de pessoas com deficiência sempre esteve ancorado em três pilares: trabalho incansável, propósito bem definido e amor ao próximo. Carrego comigo um lema da família do navegador Ernest Shackleton: pela resistência, conquistamos", conta Caio Leitão.
De acordo com o cofundador, a escola entrega um espetáculo de primeira na avenida. "A ideia do enredo já vem na cabeça há muitos anos. Gosto de procurar enredos interessantes nas livrarias. Foi assim que achei um livro chamado 'O casamento entre o Céu e a Terra', do teólogo Leonardo Boff. De cara, imaginei um enredo para Embaixadores da Alegria”, revela Paul Davies, cofundador da Embaixadores da Alegria, que é considerada mais do que uma escola de samba; uma escola de vida. Ano passado, a organização social sem fins lucrativos foi contemplada com o Grande Prêmio do Carnaval Brasileiro 2024 "Tia Ciata" na categoria Resistência Carnavalesca, pela Federação Nacional das Escolas de Samba.
"A unificação e a equalização das diferentes vozes não param após o desfile. A inclusão por meio da arte, da música e da cultura vão além da Quarta-feira de Cinzas com outros projetos incentivados, como a edição do Festival O Que Move Você?, que foi realizado na Cidade das Artes", complementa Caio Leitão, cofundador da Embaixadores da Alegria. Neste ano, a segunda edição acontecerá nos dias 20 e 21 de setembro, no Parque das Figueiras, na Lagoa. Haverá um palco, estrutura de alimentação e a direção, assim como aconteceu em 2018, também será da atriz Bel Kutner. Para Caio, um de seus objetivos com o trabalho é a humanização de todos, principalmente dos seus. “Eu quero que os meus filhos vejam o mundo de forma diversa e com igualdade", finaliza.


Logística e planejamento

Ao longo da sua trajetória, a Embaixadores da Alegria já beneficiou mais de 19 mil pessoas com seus desfiles acessíveis, oficinas de carnaval, palestras, teatro e shows. Foram 16 desfiles na Sapucaí com sambas exclusivos. Os componentes são foliões com e sem deficiência, pertencentes a instituições ligadas à causa. Hoje a associação dialoga com mais de 80 instituições, grupos e projetos no Brasil e no exterior.
O carnaval do Rio de Janeiro vem sendo transformado no mais acessível do Brasil com a Embaixadores da Alegria. Foram desenvolvidas logísticas, planejamentos de embarque e desembarque no sambódromo para os foliões juntamente com os órgãos públicos municipais e a Liesa (Liga Independente das Escolas de Samba do Grupo Especial). Além disso, ações dentro do desfile foram criadas exclusivamente para atender às necessidades e características de cada deficiência. Há um time de harmonia especial composta de fisioterapeutas, professores de educação física, psicólogos, que cuida da acessibilidade e inclusão emocional. E também um time de harmonia de carnaval, composto por profissionais experientes do mundo do samba, cuidando da evolução e da qualidade do espetáculo. Para as pessoas com deficiência auditiva, há ainda uma equipe de intérprete de Libras que traduz o samba ao vivo na Sapucaí.
Em 2016, a Embaixadores da Alegria viveu um dos seus grandes momentos na cultura do Brasil. Ela se apresentou dentro do Parque Olímpico durante os Jogos Paralímpicos Rio 2016 e no palco principal do Boulevard Olímpico. Realizou a primeira exposição de cadeira de rodas do planeta, a Wheelchair Fest, que foi vista por cerca de um milhão de pessoas durante os jogos. O objetivo foi lançar um novo olhar além do objeto cadeira de rodas. Artista plásticos receberam as cadeiras para serem customizadas. Com diferentes linguagens, a exposição ganhou uma mídia espontânea global. O time responsável pela comunicação, conteúdos e marketing cultural ainda encontrou mais uma ferramenta para falar de inclusão. O “Musical da Alegria”, que foi apresentado no Imperator, com direção musical de Alfredo Del Penho e direção geral Luís Igreja.


Veja o samba-enredo
O Casamento entre o céu e a terra

Compositores: Xande de Pilares, Gilson Bernini e Clovis Pê
Sou eu o verdadeiro dono desse chão
Sou eu o guardião, raiz da existência
Ouvindo o grito da Mãe Natureza
Pedindo mais amor e consciência
Segue o homem destruindo
Mas o Céu abraça a Terra
Esse eterno casamento
Faz a paz vencer a guerra
Quero ver meu paraíso
Livre como foi um dia
Uma dança na cadência
Em perfeita harmonia
Vou no toque do tambor
Herança dos ancestrais
Sou estrela que reluz
Em crenças e rituais
Rios, matas e florestas estão chorando
A cobiça continua poluindo e devastando
Falta respeito, sabedoria
Ninguém ouve o coração
No vale-tudo dessa tecnologia
Manter a tradição é preservar
E buscar a solução
É honrar a minha história
E também o meu cocar
Da aldeia para o mundo, o passado é lição
O presente é de luta em comunhão
A esperança vem cantar um novo dia
Numa só voz Embaixadores da Alegria.