Tainá louriçal é paciente oncológica e estava internada no Gaffrée e Guinle após um mal-estarAcervo pessoal

Rio – A paciente Tainá Louriçal alega que sofreu racismo religioso no Hospital Universitário Gaffrée e Guinle, na Tijuca, Zona Norte. O caso aconteceu na sexta-feira (18), na unidade de saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Unirio).
A O DIA, Tainá relata que teve o fio de contas jogados fora no momento em que foi tomar banho. O item religioso é usado como forma de proteção espiritual em religiões de matriz africana. Na quinta-feira (24), a mulher pretende registrar a ocorrência da Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), no Centro do Rio.
A jovem alega que seus fios de conta sumiram após ela tirá-los para tomar banho - Acervo pessoal
A jovem alega que seus fios de conta sumiram após ela tirá-los para tomar banhoAcervo pessoal
A mulher, de 33 anos, fez um desabafo sobre o caso: "É uma tristeza que dói na alma". Tainá, que é paciente oncológica e precisou ser internada após um mal-estar, recorda que deixou o fio de contas em cima da cama ao lado do telefone logo antes do momento da higiene pessoal. Após voltar do banheiro, apenas o telefone estava no lugar.
"Se fosse uma troca de lençol, o celular também não estaria. Chamei a enfermeira, que que me botou na cadeira. Perguntei pelo meu fio, e ela levantou os braços como quem diz 'não sei' e saiu. Eu fiquei desesperada. A médica tentou me acalmar... E a enfermeira, depois, falou que só Jesus salva, só Jesus liberta", detalha.
Ela destaca que uma outra paciente, no mesmo quarto, não passou por tal situação. "Ela também foi tomar banho, mas ninguém jogou a Bíblia dela fora. Só meus fios. Estou extremamente chateada até hoje e o hospital não me deu um retorno sobre nada. Fizeram uma crueldade comigo", relembra.
Tainá desconfia que a repercussão do caso tenha acelerado a sua alta hospitalar. "A médica tinha me dito que ainda faltava fazer uma tomografia para rastrear a doença na coluna. Porém, depois da repercussão, senti que eles não queriam me manter internada. Tive alta e ainda estou não consigo andar sem ajuda", pontua.
Repercussão
No hospital, Tainá gravou um vídeo para fazer a denúncia, que viralizou nas redes sociais. A iyalorixá Marcia Marçal compartilhou a postagem denunciando o que a filha de santo passou. A cantora Teresa Cristina também usou seu perfil para demonstrar apoio à jovem: "Isso é um crime, um absurdo, uma falta de respeito. Onde vamos parar? Vivemos em um país chamado laico, e como uma filha de santo, tratando de um câncer, vai tomar banho no hospital e tem os fios de conta dela jogados no lixo? Será que se estivesse com uma Bíblia, um crucifixo ou uma mensagem de um santo de devoção, aconteceria o mesmo?".
Outro a repercutir o caso nas redes foi Ivanir dos Santos, professor-doutor babalaô do Programa de História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O acadêmico cobra um posicionamento da instituição de ensino. "Inegável que é um ato de intolerância religiosa e de respeito, não é? Falei com o [professor José da Costa Filho] reitor da Unirio, e ele ficou de mandar apurar os fatos em si. Então, espero que haja uma grande investigação, o que não impede a Tainá de registrar ocorrência", observa. Ivanir dos Santos também é interlocutor da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa.
A deputada estadual Renata Souza (Psol) também demonstrou indignação. "O direito à liberdade religiosa precisa ser respeitado. Cobraremos os responsáveis por uma célere resposta, bem como seguiremos tomando medidas cabíveis. O respeito à diversidade religiosa é constitucional no Brasil. Racismo religioso é crime", afirma.
O deputado estadual Átila Nunes (PSD), membro da Comissão de Combate à Intolerância da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), prometeu acompanhar o caso de perto, inclusive no depoimento de Tainá na Decradi: "E ingressarei com uma denúncia no MP contra a direção do hospital, que não mantém controle de seus funcionários, permitindo que suas crenças religiosas desrespeitem a fé dos pacientes".
Resposta
Questionada, a direção do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle informou que apura a denúncia "com a seriedade e o rigor" que o caso exige e prometeu que tomará as medidas cabíveis "conforme o resultado da apuração". Segundo a nota, Tainá retornará ao HUGG na sexta-feira (25) para consulta e será ouvida pela ouvidoria.
 
Confira a nota completa da Unirio:
"O Hospital Universitário Gaffrée e Guinle (HUGG-Unirio), vinculado à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), informa que os fatos descritos estão sendo apurados com a seriedade e o rigor que o caso exige. A paciente retornará sexta para consulta e será solicitado que abra ouvidoria com o detalhamento do ocorrido para sequência da apuração. As medidas cabíveis serão adotadas conforme o resultado da apuração.

A gestão do HUGG repudia veementemente qualquer forma de desrespeito à liberdade religiosa e reafirma seu compromisso com a promoção de um ambiente acolhedor, inclusivo e respeitoso para todos os pacientes, acompanhantes e profissionais.

A instituição reconhece que as manifestações de fé fazem parte do cuidado integral em saúde, sendo fundamentais para o bem-estar físico e emocional dos pacientes".