O mês de fevereiro de 2025 jamais será esquecido pelo sargento da Marinha Douglas Accioly. No dia 5, ele foi o responsável pelo salvamento de uma mulher de 28 anos que tentara dar cabo da vida ao se jogar na Baía de Guanabara, porque na época estava desesperada com vários problemas. "O bom é que quando estava praticando o ato, ela começou a se afogar e se arrependeu. Gritou socorro e eu ouvi. Me joguei ao mar e consegui resgatá-la. Estou há 22 anos nas Forças Armadas e a Marinha me ajudou no preparo físico e no psicológico para que eu pudesse ajudar em situações como essa", explica o militar.
Douglas conta que depois do ocorrido, conversou um pouco com Joana Reis (nome fictício) e ela disse que estava sem esperança, pois tinha perdido a guarda do filho, ficado desempregada e o celular havia sido roubado.
"Chamei a ambulância e ela foi levada para o pronto socorro mais perto. Depois, eu fiquei sabendo que ela já estava estruturada, com emprego e que ficou muito feliz de eu ter entrado em contato porque queria saber quem era o militar que havia salvado a vida dela".
O ato de bravura de Douglas Accioly teve boa repercussão nas Forças Armadas e fora dela. Tanto que ele recebeu a Citação Meritória do Capitão de Mar e Guerra Calixto, Capitão dos Portos do Rio de Janeiro, além de uma moção de louvor e reconhecimento da Câmara Municipal do Rio de Janeiro.
'Me sinto honrado'
No dia 25 deste mês, 10h, ele irá receber mais uma moção de louvor e reconhecimento pela coragem e determinação ao salvar uma jovem de afogamento. Dessa vez, será na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).
De acordo com o militar o seu dever foi cumprido. "É o sentimento de puro instinto, de salvar uma vida. Eu já fiz isso umas três vezes no Recreio dos Bandeirantes e na Barra. Só que essa tinha sido a primeira vez aqui na Baía de Guanabara. Então, ela gritou socorro e eu instintivamente fui até ela. Não ia deixar um ser humano morrer sabendo que eu poderia estar ali para fazer algo. Eu sinto que essa é a minha missão", revelou Douglas.
"Eu sinto no meu coração que é isso. Apesar de todas essas benesses, de toda a gratidão, de toda a honra, de todo esse prestígio, o mais importante é a vida dela que foi salva, que ela pode recomeçar, pode renovar, pode refletir sobre tudo. Me sinto honrado, muito prestigiado e não sabia que ia tomar essa proporção. Estou muito feliz, muito feliz mesmo", completou.
Tem luz no fim do túnel
Nem todas as joanas ou joãos conseguem um herói na hora do desespero. Mas o Setembro Amarelo, campanha criada em 2014 pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM), maior iniciativa nacional de prevenção ao suicídio, vem tentando dar suporte para quem não vê uma luz no fim do túnel. Neste ano, o tema é 'se precisar, peça ajuda', e a mobilização oferece materiais gratuitos, cartilhas e ações para estimular o diálogo e reduzir o estigma. Segundo dados da cartilha “Informando para prevenir”, 96,8% dos casos de suicídio estão ligados a transtornos mentais, principalmente a depressão. No Brasil, mais de 12 mil pessoas morrem por suicídio todos os anos, e cerca de 50 milhões sofrem com algum transtorno psiquiátrico.
Especialistas da área de saúde mental falam de como a campanha é benéfica. De acordo com o psicanalista e professor sênior da ABPC, Artur Costa, o Setembro Amarelo e é fundamental porque rompe o silêncio em torno de um tema ainda cercado de estigma: o suicídio. "A cada ano, mais pessoas têm se sentido sobrecarregadas, solitárias e sem perspectivas diante de crises emocionais, sociais e econômicas. Esse cenário explica por que tantas tentativas de tirar a própria vida estão acontecendo muitas vezes em silêncio, sem que familiares ou amigos percebam".
Ele explica que na psicanálise nem todo sofrimento é dito em palavras. "Há dores que se expressam em gestos, mudanças de comportamento, isolamento, queda repentina de desempenho, falta de prazer em atividades antes prazerosas ou até num excesso de irritabilidade. Esses sinais sutis, quase invisíveis, podem ser a forma inconsciente de pedir socorro".
Para o profissional, a prevenção passa pela escuta atenta e pelo diálogo. "Quando alguém encontra um espaço em que pode falar sem medo de julgamento, já dá um passo para sair do isolamento que a dor psíquica provoca. Por isso, o lema 'Se precisar, peça ajuda' precisa ser reforçado. E a mensagem complementar é: 'Se perceber, ofereça ajuda'. Muitas vidas podem ser preservadas se cada um de nós estiver disposto a acolher, escutar e encaminhar quem sofre para um acompanhamento adequado", finaliza.
Saúde mental é importante
Especialista em Desenvolvimento Humano e programação Neurolinguística (PNL), Kleiton Franciscatto, também fala sobre o assunto. "O Setembro Amarelo é um convite à reflexão sobre a importância da vida e da saúde mental. A neurociência mostra que nossos pensamentos moldam diretamente nossas emoções e, por isso, reprogramar padrões negativos é essencial para quebrar ciclos de dor".
Ele conta que a PNL nos ensina que, ao desenvolver autoconsciência, conseguimos identificar crenças que nos paralisam e substituí-las por escolhas mais positivas e saudáveis. "Pequenos ajustes na forma de pensar podem abrir caminhos para novas possibilidades, fortalecer o protagonismo pessoal e evitar que a pessoa mergulhe em um estado de desesperança. É preciso lembrar: mudar a mente é o primeiro passo para transformar a vida", pontua.
Empresas devem se engajar
Engana-se quem pensa que os problemas são apenas pessoais. Muitas vezes o trabalho estressa as pessoas mais do que qualquer enxaqueca ou doença de filho, mas isso pode mudar se as empresas tiverem um pouco mais de cuidado com os seus funcionários. O Setembro Amarelo assume um papel estratégico nas empresas, especialmente diante do preocupante cenário de esgotamento emocional que afeta os trabalhadores.
Falar sobre saúde mental é essencial para desmistificar tabus e estimular o diálogo dentro das organizações. Segundo dados da pesquisa Deloitte, 77% dos trabalhadores relatam sinais de esgotamento, enquanto 91% afirmam que estresse e frustração impactam diretamente sua produtividade. O panorama se torna ainda mais alarmante quando analisamos os afastamentos: apenas em 2024, o Brasil registrou 472.328 licenças relacionadas a transtornos mentais, um aumento de 68% em relação ao ano anterior, o maior índice da última década.
Para o especialista em educação empresarial e gestão emocional Leonardo Loureiro o cenário exige mudanças estruturais. "Não basta lembrarmos da saúde mental apenas neste contexto. As empresas precisam assumir um compromisso contínuo de acolhimento e escuta. Um ambiente de trabalho saudável e construído todos os dias, a partir de pequenas práticas de respeito, empatia e equilíbrio", afirma.
Segundo Loureiro, investir em bem-estar não deve ser visto como custo, mas como estratégia de sustentabilidade para o negócio. "Quando falamos de gestão emocional dentro das corporações, não falamos apenas de produtividade. Estamos falando de vidas. Um colaborador que sente segurança para expressar suas vulnerabilidades e buscar ajuda trabalha com mais engajamento e entrega melhores resultados", explica.
O profissional sugere algumas medidas que devem ser adotadas sempre, não apenas em setembro
- Campanhas internas de conscientização como: palestras, workshops e rodas de conversa que ajudem a quebrar o estigma sobre saúde mental.
- Disponibilizar canais confidenciais de acolhimento, como programas de apoio ao colaborador.
- Treinar gestores para identificar sinais de sofrimento emocional e conduzir conversas de escuta ativa.
- Oferecer iniciativas que reduzam a sobrecarga e incentivem o equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
- Incentivo ao cuidado psicológico com o acesso a acompanhamento profissional e desestigmatizar o ato de buscar ajuda.
Cuidado com o bem-estar e saúde emocional nas escolas
No âmbito educacional é bom também que se aborde o assunto, pois muitos adolescentes e jovens pensam em se suicidar e alguns acabam por conseguir para tristeza de pais, amigos e familiares. Diana Quintella, diretora da MiniMe, escola de Educação Infantil na Barra da Tijuca, acredita em iniciativas que promovam o bem-estar e a saúde emocional da equipe, refletindo em um ambiente escolar pautado no respeito e no acolhimento.
Pensando nisso, a instituição criou o projeto 'Caring for Caregivers', voltado para ações exclusivas com foco em três pilares: carreira e reconhecimento, saúde e bem-estar. "Uma vez por mês, toda a equipe participa de sessões de shiatsu em uma sala dedicada para este fim dentro da própria empresa. A equipe também conta com exames médicos periódicos realizados por uma empresa especializada e campanha de vacinação interna, além de ter acesso a um espaço para relaxamento e a celebrações em datas especiais", destaca Diana.
É imprescindível que educadores e instituições estejam atentos ao bem-estar de alunos, professores e toda a comunidade escolar, desconstruindo estigmas e garantindo um espaço seguro para o diálogo e o acolhimento. "Na MiniMe nós temos o privilégio de realizar exames e tomar vacinas aqui mesmo no nosso ambiente de trabalho, o que faz toda diferença, pois essa comodidade nos permite otimizar o nosso tempo e mostra como a gestão da escola se importa com o bem-estar e com a saúde dos seus colaboradores. Me sinto cuidada e feliz por trabalhar em uma empresa que zela pela minha saúde" , diz Maria Eduarda, assistente da portaria.
"Minha trajetória na MiniMe começou há dois anos como professora regente. Desde o início, fui acolhida por uma equipe incrível e experiente que fizeram toda a diferença. Com o apoio e escuta da coordenação, pude me desafiar em um novo desafio e fui promovida ao cargo de assistente da coordenação pedagógica: uma conquista que representa o reconhecimento do meu trabalho e do carinho que tenho por essa escola. Valorização profissional é isso: oportunidades, crescimento e reconhecimento. E a MiniMe faz isso acontecer", diz Mylena, Assistente da Coordenação.
Artesanato tira professora da depressão
E não é só o estudo convencional que pode dar resultados nesse caso. Pesquisa realizada pela Escola de Psicologia da Universidade de Cambridge - Reino Unido, publicado em 2024 na Frontiers in Public Health, destaca que mais de 37% dos entrevistados confirmaram que práticas de artesanato melhoraram, a curto prazo, os sintomas de ansiedade, estresse e depressão.
Juliana Sanches, professora de Amigurumi, técnica japonesa de criação de bonecos de crochê, aprendeu a confeccionar os bonecos após um quadro de depressão. Hoje, ela ensina a mais de 10 mil alunas. "Quando engravidei do meu primeiro filho, estava desempre gada, me sentia desvalorizada, entrei em um abismo emocional e desenvolvi um quadro de depressão. Foi de forma despretensiosa que encontrei os Amigurumis. Estava fazendo bonecos para presentear meu filho e encontrei ali uma forma de terapia para ocupar minha mente. Isso me transformou, encontrei meu dom, investi no meu sonho e hoje ensino mais de 10 mil pessoas, dentro e fora do Brasil ", destaca Ju.
Processos criativo resolução de problemas, memória e a criatividade. Costurar, pintar, bordar, tricotar ou modelar, qualquer atividade manual contribui para fortalecer a autoestima, desenvolver a paciência, estimular o foco e concentração, além de promover um sentimento de conquista. Outro ponto importante é o aspecto social, já que produtos feitos à mão potencializam conexões e fortalecem víncu los, reduzindo a sensação de solidão.
VLT participa
Durante o mês, a passarela helicoidal do Terminal Gentileza se 'veste' de amarelo, em alusão à campanha mundial de prevenção ao suicídio. Na semana passada, houve um conjunto de ações como o 'abraçaço' e o Projeto HELP, cujos voluntários abraçam e dão mensagens de apoio emocional, além de atendimento com psicólogos na promoção do Caminhos para a Saúde, ação mensal do VLT, que teve foco no acolhimento emocional pelo Setembro Amarelo.
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