Arte coluna Nuno 22 junho 2025Arte Paulo Márcio

Há posturas e atitudes em relação à guerra que Israel move neste momento, e que visa a remoção da ameaça nuclear representada pelo Irã, que precisam ser vistas com cuidado — mesmo porque, mais do que uma disputa entre os dois países, o que está sendo definido neste conflito é o papel que caberá a cada país na nova ordem mundial que será desenhada daqui por diante. As posições que estão sendo tomadas por cada país neste momento serão cobradas daqui a pouco, quando o conflito chegar ao fim.
Uma dessas posturas, que chamou atenção de forma especial, foi a indiferença de alguns países, entre eles o Brasil, diante dos ataques iranianos da semana passada contra o hospital Soroka, na cidade de Beersheba, no deserto de Negev, no sul de Israel. O ataque contra o hospital foi deliberado e deixou dezenas de feridos, entre pacientes (inclusive crianças) e profissionais. Nenhum combatente estava na alça de mira. Só civis.
Mesmo assim, nem as Nações Unidas nem os países do ocidente condenaram o lançamento de mísseis contra a instalação. O silêncio geral em relação a esse ataque contrastou, por exemplo, com a postura da imprensa e de boa parte das lideranças ocidentais depois do ataque israelense realizado pouco mais de um mês atrás e que atingiu o Hospital Europeu em Khan Yunis, no sul da Faixa de Gaza.
O ataque só foi autorizado pelo comando israelense após a comprovação de que os terroristas do Hamas mantinham um centro de controle no subsolo do hospital. Um dos mortos pelas bombas foi o chefe terrorista Mohammed Sinwar — irmão de Yahya Sinwar, o principal mandante das centenas de estupros, infanticídios, assassinatos e sequestros que deram origem à campanha que Israel move contra o Hamas desde o dia 7 de outubro de 2023. Depois que Yahya morreu, Mohammed assumiu seu lugar.
Percebe-se, de qualquer forma, que as críticas ao ataque ao Hospital Europeu, mesmo depois que ficou comprovado que o lugar era um coiteiro de terroristas, foram muito mais rigorosas do que as condenações protocolares ao ataque ao Soroka. Percebe-se, também, que isso reflete o desequilíbrio do sistema de pesos e medidas utilizado para falar de um lado e do outro neste conflito.
Quando um ataque parte de Israel, a imprensa militante, os analistas engajados, a esquerda isentona e até autoridades pelo mundo afora agem como se tudo não passasse de uma ação movida pela intenção deliberada de atacar civis apenas para reafirmar poder militar. Muita gente já nem se dá mais ao trabalho, ao falar da guerra em Gaza, de lembrar que tudo começou no momento em que terroristas invadiram o território israelense e cometeram as barbaridades que cometeram. E que os conflitos só prosseguem depois de tanto tempo porque os criminosos insistem em manter reféns inocentes em seu poder.
Quando, porém, a agressão parte dos inimigos de Israel — seja o Hamas ou, agora, o Irã — o tratamento é completamente diferente. É como se eles estivessem agindo em legítima defesa e tivessem todo direito do mundo de cometer todo tipo de barbaridades.
No caso do Hospital Europeu, os críticos de Israel sequer mencionaram em suas primeiras críticas à ação israelense que os terroristas mantinham covis nos subsolos de lugares que nunca deveriam ter sido envolvidos no conflito. Ou seja, que usaram doentes de seu próprio povo como cobertura para suas atividades covardes. Não importa se, covardes como são, eles usam a população palestina como escudo humano e, com isso, multiplicam o número de vítimas de um conflito para, depois, utilizá-las como peças de sua propaganda anti-israelense e antissemita.

154 CHIBATADAS — A verdade, infelizmente, é que, no caso da guerra mais recente, entre Irã e Israel, a desigualdade dos pesos e medidas na avaliação das ações de cada um dos lados em conflito segue a mesma linha de raciocínio. Enquanto os ataques israelenses são vistos como uma agressão condenável à luz do direito internacional ou como a prova de uma crueldade sem limites, ninguém fala das ameaças, das provocações e do programa armamentista que fez do Irã uma ameaça a Israel e a sua população.
Na outra ponta, a resposta iraniana, ainda que voltada exclusivamente à espalhar o medo entre a população civil, é tratada como a consequência inevitável de um conflito entre Estados beligerantes. Os mesmos líderes que alimentam esse discurso parcial e insistem em condenar apenas um dos lados em conflito ignoram todas as atrocidades cometidas por seu oponente — a começar pelas medidas de exceção que a ditadura iraniana adota para subjugar o próprio povo.
Isso mesmo. Depois que a guerra teve início, alguns “analistas” parecem ter se esquecido de que a ditadura do Irã é uma das mais sanguinárias da história. Com ar de quem torce para que isso aconteça, esses “analistas” passaram a dizer que os ataques israelenses, ao invés de enfraquecer os aiatolás, contribuirão para unir o povo iraniano e todo o mundo árabe contra Israel e seu aliado incondicional, os Estados Unidos. Será?
Será que a ditadura dos aiatolás, por mais reverenciada que seja por governos como o da Rússia, da China, da Venezuela e até mesmo do Brasil, continuará forte o suficiente para oprimir seu próprio povo e obrigá-lo a viver sob um regime medieval em pleno século 21? Será que o regime iraniano continuará forte mesmo depois que algumas das principais cabeças que o comandavam foram ceifadas pelos ataques cirúrgicos promovidos por Israel?
Não. Ninguém sabe se o regime terá força para prosseguir depois que suas principais lideranças passaram a ser eliminadas uma a uma. Um dos últimos a tombar diante dos ataques de precisão de Israel contra os líderes da ditadura dos aiatolás foi um Said Izadi, conhecido como Hajj Ramadan, comandante graduado das Forças Quds da Guarda Revolucionária do Irã.
Na madrugada de sábado, ele foi atingido dentro de um apartamento na cidade de Qom. Izadi foi o principal elo entre o governo de seu país e o Hamas no planejamento dos ataques brutais do dia 7 de outubro. Qual era a importância dele para Israel? Bem... Foi Izadi quem assegurou o dinheiro que financiou aquela ação covarde.
Será que o terrorista terá um substituto tão fanático quanto ele? Questões como essas só serão respondidas com o desenrolar do conflito — e, como costuma acontecer com as ditaduras, a verdadeira extensão das atrocidades cometidas só será conhecida completamente depois do colapso total do regime. De qualquer forma, o certo é que Israel, com o apoio dos Estados Unidos, parece disposto não apenas a eliminar a ameaça nuclear do Irã sobre seu país como, também, agir para forçar a queda da teocracia autoritária chefiada pelo aiatolá Ali Khamenei.
Será que, como torcem os “analistas” de plantão, o povo iraniano se unirá em torno da sustentação do regime ditatorial que o oprime há quase cinquenta anos? Será que Narges Mohammadi, defensora dos direitos das mulheres e vencedora do Prêmio Nobel da Paz de 2023, que cumpre penas somadas de 31 anos de prisão e foi condenada a receber 154 chibatadas de castigo por crimes como o uso incorreto do véu mulçumano, passará a apoiar Khamenei depois que seu país se tornou alvo de Israel?
Será que os LGBTQIA + do Irã, passarão a aplaudir o regime que ameaça atirá-los do alto de edifícios só porque seus algozes, agora, estão sob ataque? Será que os líderes da oposição iraniana, que aguardam a execução das sentenças de morte a que foram condenados por pedir eleições livres no país, passarão a aplaudir os mísseis disparados pelo regime contra hospitais e outras posições civis de Israel? Questões como essas podem estar perto de serem respondidas.

DUAS SEMANAS — Na semana passada, circulou a informação — não confirmada por Israel nem pelos Estados Unidos — de que o presidente Donald Trump vetou um plano que visava eliminar de Khamenei. O esconderijo do aiatolá teria sido localizado e ele, na mira de Israel, sairia de cena com a mesma facilidade com que vêm sendo abatidos os cientistas e chefes militares iranianos que foram alvos dos ataques israelenses.
O certo é que a ideia de matar Khamanei, que certamente foi avaliada à luz do custo e do benefício que pode gerar, encontrou oposição não apenas em Washington como, também, em Jerusalém. Para o governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, mais importante do que eliminar o homem que já fazia ameaças a Israel mesmo antes de se tornar o líder supremo da ditadura, em 1989, é garantir que ele, ao sair de cena, não seja sucedido por seu filho Mostafa Khamanei nem por qualquer outro fundamentalista fanático que dê continuidade ao atual regime. Ontem, sábado, circulou a informação de que Ali Khamenei já teria escolhido seu sucessor — mas o nome, naturalmente, não foi revelado para que ele também não se torne um alvo prestes a ser eliminado.
Seja como for, ninguém pretende repetir no Irã o erro estratégico cometido na Líbia, com a morte do ditador Muammar Gaddafi em 2011. Ao invés de livrar o país de um governo tirânico e contribuir para pacificar a região, a saída de cena do ditador expôs um vácuo de poder. E, pior do que isso, deu espaço para uma disputa entre facções terroristas que fizeram da Líbia um lugar muito mais instável do que era antes. É preciso evitar que algo semelhante aconteça no Irã.
Para Israel, portanto, não basta eliminar Khamenei. É preciso assegurar que o Irã, livre da ditadura dos aiatolás, não continue sendo a ameaça que tem sido não só a Israel como, também, aos vizinhos árabes e à própria Europa. Enquanto isso, a guerra prosseguirá por mais algum tempo.
Na semana passada, o ministro das Relações Exteriores da Grã-Bretanha, David Lammy, anunciou que deverá se reunir nos próximos dias com o chanceler iraniano Abbas Araghchi, e com os chefes das diplomacias da França, da Alemanha e da União Europeia. Segundo Lammy, no que depender do Irã, há espaço para uma saída negociada. “Há uma janela para se alcançar uma solução diplomática nas próximas duas semanas”, disse o diplomata britânico. As mesmas duas semanas foram citadas pelo presidente Trump como o prazo para a decisão que pode colocar o exército dos Estados Unidos na guerra, ao lado das forças de Israel.
As próximas duas semanas, portanto, serão decisivas. Embora seja certo que o governo de Israel deseja ter o poderoso exército americano lutando ao lado de suas Forças de Defesa, é preciso aguardar os acontecimentos para saber se Jerusalém acatará as recomendações da diplomacia europeia para aceitar os termos de um cessar-fogo discutido de antemão com o Irã. É improvável que Netanyahu concorde com um armistício antes de ter certeza da destruição da capacidade do Irã de desenvolver artefatos nucleares.

INIMIGO A SER ANIQUILADO — Por ser o alvo preferencial das ameaças dos aiatolás e por ter protestado sozinho contra o avanço das pesquisas nucleares iranianas sem que ninguém além dos Estados Unidos concordasse com seus argumentos, Israel tomou a iniciativa. E atacou antes de ser atacado.
Quando agiu, passou a ser censurado por governos que, mesmo não declarando simpatia pela ditadura do Irã, também não a condenam. Preferem se manter protegidos sob o véu da neutralidade. Mesmo condenando a ação israelense, porém, a maioria dos líderes europeus e árabes são incapazes de esconder o alívio diante da ação que, no final das contas, deverá remover uma ameaça nuclear que pesava contra o mundo inteiro.
Mas, embora aja em nome de um objetivo que beneficia a muita gente, Israel continua a ser tratado como uma força agressora. Tanto assim que, conforme foi dito no início deste artigo, os ataques a seus hospitais são recebidos com indiferença ao redor do mundo, enquanto os danos que inflige às bases terroristas instaladas nos hospitais em Gaza são considerados atentados contra a humanidade. Uma questão de pesos e medidas que, no final das contas, ajuda a explicar a razão pela qual Israel, nos últimos anos, passou a receber com indiferença as recomendações dos organismos multilaterais, a começar pelas Nações Unidas.
Seja como for, o certo é que, a partir do conflito, o mundo começa a tomar posições que podem resultar na consolidação de uma nova ordem mundial. Uma ordem que coloque, de um lado, as democracias ocidentais que, querendo seus adversários ou não, ainda compõem o maior mercado e detém o maior poderio do mundo. E, do outro, as ditaduras e seus satélites que, sob a liderança do regime comunista chinês, se preparam para disputar a liderança da economia e da força militar globais.
Seja como for, o que está acontecendo agora no Oriente Médio deve ser visto como o início de uma nova ordem, mas, também, como o desfecho previsível da crônica de uma guerra anunciada. A dúvida de quem olhava para as relações entre Irã e Israel antes do início do conflito não era saber se haveria guerra. A dúvida era saber em que momento as hostilidades teriam início e de quem partiria o primeiro disparo.
Inimigos irreconciliáveis, com um histórico de divergências que remonta aos tempos bíblicos, os dois países nunca tinham se enfrentado numa guerra direta desde a fundação do Estado judeu, em 1948. Mas essa possibilidade nunca deixou de existir a partir do momento em que, no rastro da revolução de 1979, o antigo reino da Pérsia se transformou numa ditadura fundamentalista e apontou o Estado Israel como um inimigo a ser aniquilado.
Desde que o Irã se transformou numa teocracia autoritária baseada no fundamentalismo islâmico, o regime dos aiatolás nunca fez segredo da intenção de destruir o Estado de Israel e varrer o povo judeu da face da terra. Em igual medida, as Forças de Defesa de Israel sempre estiveram atentas aos movimentos do inimigo. E, mais do que isso, dispostas a responder a essa ameaça. Na verdade, Israel nunca descartou a hipótese de — exatamente como fez na Guerra dos Seis Dias, em 1967 — tomar a iniciativa da ação antes de ver seu país atacado por um inimigo disposto a aniquilá-lo.
Ou seja, os combates que vêm acontecendo há 10 dias e que devem se estender por mais algumas semanas, aconteceriam mais cedo ou mais tarde. Como o conflito vai evoluir daqui por diante é algo que depende de uma série de fatores, entre eles a capacidade do Irã de resistir aos ataques e de reagir a eles mirando de forma proposital contra os civis israelenses. Por menos que os críticos se deem conta disso, é esse tipo de atitude que justifica as medidas adotadas por Israel contra os países que desejam aniquilá-lo.