As pesquisadoras da Universidade Federal Fluminense UFF), Hildete Pereira e Lucilene Morandi, do Departamento de Economia, desenvolveram, no mês delas, uma linha de pesquisa que visa entender o panorama nacional sobre o trabalho não pago realizado por mulheres, ou seja, os afazeres domésticos e a função reprodutiva e de cuidados designados socialmente como de responsabilidade do gênero feminino.
Um dos artigos, financiados pela fundação alemã Friedrich Ebert Stiftung, foca no período pandêmico, visando entender se a tendência internacional das mulheres saírem do mercado de trabalho mais do que homens se aplicava ao Brasil.
“Com o fechamento das escolas e creches e a necessidade de trazer todos os cuidados para dentro de casa 24h por dia, foi a força feminina que assumiu esse papel, levando em consideração que tradicionalmente as mulheres fazem esse trabalho. Notificamos que elas estavam sobrecarregadas, abandonando o trabalho, sem conseguir dar conta de tudo. Elas tiveram que sair de suas ocupações porque era a única opção, já que no geral ganham menos que os homens, e na hora do aperto alguém vai ter que cuidar da casa e das crianças, no caso quem ganha menos. Como as mulheres estão menos integradas no mercado de trabalho, foram as que, no mundo inteiro, foram obrigadas a sair de seus empregos”, explica Lucilene.
A apresentação de um Projeto de Lei (PL) do atual governo, tentar garantir a igualdade salarial de gênero. A medida, se aprovada, terá grande impacto na vida das brasileiras, visto que mulheres ganharam cerca de 20% a menos que os homens em 2021, ainda que ocupassem o mesmo cargo e grau de escolaridade, segundo dados mais recentes do Ibge.
O estudo foi realizado através de uma pesquisa online com 3.060 pessoas de todas as regiões brasileiras; dentre elas, 2.416 mulheres, com questões sobre o que são e quem promove os cuidados realizados em casa. Além disso, as pesquisadoras realizaram entrevistas por telefone com os participantes. Os resultados obtidos mostram que a conciliação trabalho/família ainda é vivida com dificuldade pela parcela feminina. A situação é bem explicitada no artigo “Os cuidados no Brasil: mercado de trabalho e percepções”, elaborado em conjunto com a docente Lorena Moraes, do Departamento de Sociologia:
"Ainda não se compreendem os cuidados em sua dimensão mais ampla, considerando o seu papel e importância na vida de todas as pessoas, especialmente para as principais fornecedoras da atividade: as mulheres. No campo acadêmico, compreendemos os cuidados como relação de serviço, apoio e assistência, implicando responsabilidade diante de outrem, além de classificarmos como uma categoria de trabalho (remunerado ou não), majoritariamente prestado por mulheres, que quando não comercializado não obtém valor mercantil; logo, comumente invisibilizado e desvalorizado pela sociedade”, afirma a pesquisadora.
No que se refere ao senso comum que perdura na sociedade sobre a responsabilidade dos afazeres domésticos imposta ao gênero feminino, a professora Lucilene afirma que a quebra de paradigma em relação aos cuidados, a quem é responsável e como ele vai ser dividido, requer mudanças culturais, sociais e de costumes.
"Começa pela educação, ampliação da discussão sobre a importância dos cuidados e a melhor distribuição dessas tarefas, incluindo o setor público na sua relação de oferta de serviços e o setor privado em relação ao tempo obrigatório de trabalho, como ele pode ser redimensionado para caber os cuidados”, disse a professora.
A pesquisa trabalha apontando o problema com base nos diversos dados extraídos do contato com os voluntários e, ao final, propõe políticas públicas que auxiliam no combate à desigualdade de gênero, para que as mulheres não se sintam sobrecarregadas ao conciliarem a vida profissional com os cuidados.
Dentre as principais ações governamentais, Lucilene prioriza a questão da oferta e disponibilidade de creches e escolas públicas de horário integral, de amplo acesso à população de baixa renda. "Seria uma das mais importantes depois da moradia, porque permitiria que as mulheres conseguissem um melhor nível de cuidado para seus filhos. Além disso, as creches são de poucas horas por dia, e isso impede que as mulheres possam trabalhar e estudar, dificultando, assim, sua participação efetiva e competitiva no mercado de trabalho”, finaliza Morandi.
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