Entre 2003 e 2020, 45.481 trabalhadores foram resgatados de situações análogas à escravidão no país.Divulgação
Uma nova pesquisa da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Fundação Walk Free, em parceria com a Organização Internacional para Migração (OIM), revela a escala da escravidão moderna em todo o mundo. Os dados, lançados durante a última Assembleia Geral das Nações Unidas, mostram que mais de 40 milhões de pessoas em todo o mundo foram vítimas dessa situação em 2016. Além disso, a OIT também lançou uma nova estimativa de que cerca de 152 milhões de crianças entre cinco e 17 anos foram submetidas ao trabalho infantil no mesmo ano.
A partir de estudos sobre essa temática, em 2021, Marcela Soares deu início à pesquisa “Novas e velhas formas de trabalho: plataformização e escravidão contemporânea”, com apoio da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC). O objetivo do estudo é analisar as condições de exploração da força de trabalho no Brasil e, por meio de dados secundários e relatórios de fiscalização, as circunstâncias muitas vezes insalubres e precárias em que essas pessoas precisam exercer suas profissões. Além dos dados secundários e relatórios de fiscalizações, foram realizadas entrevistas com 50 entregadores nas regiões centrais da cidade de Niterói e do Rio de Janeiro.
Nesse contexto, a pesquisadora destaca a conquista da Lei nº 10.803, que foi sancionada durante a primeira gestão do governo Lula (2003-2011), em dezembro de 2003. “A lei traz o aditivo com as tipificações da escravidão contemporânea, ou seja, ocorreu a caracterização do crime. Dentre as tipificações para caracterizar condição análoga de escravidão, está posta a servidão por dívida, as jornadas exaustivas, as condições degradantes e o trabalho forçado. Em dezembro deste ano, a Lei nº 10.803 completa vinte anos”, completou a professora.
Marcela acrescenta que não ocorreu diminuição do número de pessoas em situação de escravidão contemporânea no Brasil nos últimos anos, assim, ainda existem casos alarmantes. "Somente ano passado (2022), das 2.575 pessoas resgatadas 92% eram homens, 29% tinham entre 30 e 39 anos, 51% residiam no Nordeste, 58% eram nordestinas, 83% se autodeclararam como negras (pretas e pardas), 15% como brancas e 2% como indígenas. As atividades rurais lideraram o número de pessoas resgatadas com 87% do total, a exceção nestes 28 anos de inspeção do trabalho foi o ano de 2013, em que a construção civil foi majoritária", ressalta ela.
Quando se pretende compreender a persistência do trabalho escravo como fenômeno contemporâneo, a professora do Departamento de Direito Privado da Faculdade de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito, Carla Appollinario, relata que não apenas é necessário analisar a utilidade dessa forma de exploração nos dias atuais, como também o perfil das pessoas submetidas a essas condições.
Carla explica que os marcadores sociais da diferença são ferramentas importantes para a crítica da construção social das desigualdades em geral e, em especial, no mercado de trabalho formal e informal.
Estudo aponta precarização do trabalho em plataformas digitais no Brasil
Outro tema central das pesquisas da professora Marcela Soares é a chamada "plataformização do trabalho", ou seja, a crescente utilização de plataformas digitais para contratar trabalhadores, sem garantias trabalhistas e com salários muitas vezes abaixo do mínimo. A pandemia de Covid-19 agravou essa situação, com o aumento do desemprego e da informalidade, e o uso cada vez mais frequente de plataformas como Uber, iFood e Rappi.
Uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em 2018, aponta que cerca de 24% dos trabalhadores de plataformas digitais no Brasil desempenham atividades laborais por mais de 50 horas por semana, e 41% ganham menos que um salário mínimo por mês. Além disso, 69% desses trabalhadores não têm carteira assinada e, portanto, não possuem direitos trabalhistas básicos, como férias remuneradas e 13º salário. Esses dados evidenciam a precarização do trabalho em plataformas digitais e a necessidade de proteção social e trabalhista.
A professora Marcela destaca que as novas formas de trabalho oferecem uma falaciosa autonomia e flexibilidade, assim, é importante estar atento às possíveis formas de exploração e precarização do trabalho que podem surgir, tentando preveni-las e combatê-las, garantindo direitos trabalhistas para estas pessoas.
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