Espetáculo propõem a reflexão acerca da vulnerabilidade da mulher negra em situação de violência doméstica.Divulgação

Idealizado pela necessidade de dar visibilidade a situação de violência sofrida pela mulher negra, o espetáculo “A Receita” foi selecionado pelo edital Sesc Pulsar 2022/2023 para apresentações no Rio de Janeiro, nas unidades do Sesc São Gonçalo nessa quinta-feira (11/5), às 19h, no Sesc Niterói no próximo sábado (13/5), às 19h. 
O valor do ingresso: R$10,00 (inteira), R$5,00 (meia entrada para casos previstos por lei, estendida a professores e classe artística mediante apresentação de registro profissional) ou gratuito (credencial plena Sesc e público PCG).
Em cena, a atriz preta, Naná Sodré, uma das atrizes mais vigorosas e inventivas de Pernambuco, sob direção e dramaturgia de Samuel Santos, revela e discute, através de um trabalho de corpo e voz rigorosos, a violência doméstica sofrida por uma mulher negra. O espetáculo teve como embrião uma cena curta, resultado do trabalho que Naná Sodré construiu, em 2013, junto a Eugenio Barba e Julia Varley, do Odin Teatret, da Dinamarca. Com “A Receita”, Naná Sodré recebeu indicação de melhor atriz na capital pernambucana e participou de vários festivais nacionais e internacionais.

"A todas as mulheres do mundo! Grita com o corpo a atriz Naná Sodré, na obra tragicômica que descreve um universo de uma mulher num processo de libertação. Num acerto de contas, a anônima confessa como passou a maior parte do tempo temperando suas ilusões com sal, alho e coentro com cebolinha... Até mesmo em momentos desatinados", realçam os produtores no texto.
Segundo a atriz, o espetáculo funciona como um foco de luz que revela as situações vividas no ambiente domiciliar/social de várias mulheres pelo mundo afora. Morte, violência, loucura e a intolerância de uma maneira peculiar são narradas nesse solo explorando diversos pontos de vista, abordando suas inexoráveis naturezas e revelando uma dramaturgia atual de Samuel Santos, antenada com as questões de uma personagem no seu processo limite.


– “A Receita” é um encontro com a libertação feminina. Eu queria trazer à tona temas caros a esse universo, discutir o papel da mulher na sociedade e a violência que tantas de nós sofremos. Em Pernambuco, onde a cada dia cresce o número de mulheres assassinadas por seus companheiros, como em cada canto do Brasil e do mundo –, declara Naná Sodré.


Durante 40 minutos a plateia acompanha quadro a quadro, as diversas atmosferas e odores de uma conversa realizada em vários ambientes domésticos relacionados diretamente a subalternização dessa mulher em situação “do lar” e bem próximo também do imaginário da negra escravizada. O solo compartilha as medidas de uma receita de libertação e do momento em que a mulher resolve tomar as rédeas da própria vida, para dar um basta ao abandono pessoal e sair da sua situação de opressão.


A obra é alicerçada na pesquisa continuada em matriz africana realizada pelo grupo O Poste Soluções Luminosas intitulada “O Corpo Ancestral dentro da Cena Contemporânea”, pesquisa realizada no terreiro de Candomblé e Umbanda/Jurema tendo como base a ancestralidade africana. Assim, o espetáculo “A Receita” descoloniza a cena, tendo como base a ancestralidade corporal e vocal, traçando um paralelo entre os orixás no terreiro de Candomblé e as entidades da Umbanda/Jurema.


– Após cada apresentação faremos uma “Gira de diálogo” com o público presente, com o objetivo de trocar experiências de como o espetáculo foi criado, levando em consideração o conceito e o percurso de uma cultura afro brasileira em diversos aspectos, salientando também a violência sofrida pelas mulheres negras e de baixa escolaridade e renda, e suas relações com a sociedade –, conclui a atriz.


De acordo com o Mapa da Violência e as pesquisas realizadas por institutos e órgãos ligados a conselhos de direitos e justiça no Brasil, a mulher negra sofre mais violência que as mulheres não negras, indígenas e orientais, um dado que aumenta a cada minuto, onde as ações afirmativas, como a apresentação de um espetáculo que fale sobre o tema, torna visível essa situação ampliando a consciência das especificidades e do imaginário que estão diretamente relacionados a violência contra as mulheres negras.
Com esse projeto pretende-se não só manter um período de apresentações do espetáculo, mas também manter as reflexões sugeridas pela obra artística em relação a valorização dessa mulher tão estigmatizada.


Sobre a atriz Naná Sodré e o grupo O Poste Soluções Luminosas

Mulher preta, Naná Sodré tem 47 anos de idade, é diretora, atriz, produtora cultural e professora de Artes Cênicas formada pela UFPE, instituição na qual também já foi docente. É mestranda em Artes Cênicas pela UFRN, pertencente ao grupo de pesquisa MOTIM-UERJ. Fundou, em 2004, o grupo O Poste Soluções Luminosas, grupo artístico e de investigação teatral com o foco na pesquisa em matriz africana e na visibilidade do negro na arte e na vida. Pauta crucial de seus espetáculos.
Em 2011, no Festival Janeiro de Grandes Espetáculos, ganha o Prêmio de Melhor atriz pelo espetáculo “Cordel do Amor Sem Fim”, em 2013 ganha o Prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante pelo espetáculo “Anjo Negro” e indicação de Melhor Atriz pelo solo “A Receita”, em 2015, e no mesmo ano o grupo ganha o Prêmio de Pesquisa em Matriz Africana pelo espetáculo “Ombela” falado na língua angolana Umbundo e em português. Visibilizando positivamente as mulheres pretas do estado de Pernambuco, criou o projeto Quebrando O Silêncio - oficina de escrita e a Mostra PretAção - Mostra de Mulheres Pretas.
Naná também já trabalhou em organizações não governamentais atendendo a jovens, adultos e crianças em processo de exclusão social, principalmente por fatores socioeconômicos, grupos compostos na sua maioria por negros e negras. Assessora e coordena projetos voltados para a comunidade negra e teatral de Pernambuco e de outros estados no espaço cultural o Espaço O Poste Soluções Luminosas inaugurado em 2014, dentre os projetos podemos citar a criação da Escola de Antropologia Teatral.


O Poste Soluções Luminosas é um grupo de artistas negros, cuja produção artística e suas pesquisas teatrais são calcadas no resgate antropológico, onde sua poética é a matriz africana e tomando essa como base de uma ancestralidade corporal e vocal pelo viés artístico teatral, traçando um paralelo entre as incorporações dos Orixás nos terreiros de Candomblé e Umbanda, procurando aproximar essa investigação aos processos artísticos teatrais.

O Sesc São Gonçalo fica localizado na Av. Pres. Kennedy, 755, Estrela do Norte e o Sesc Niterói fica na Rua Padre Anchieta, 56, São Domingos. A duração é de 45 minutos com classificação indicativa para maiores de 16 anos e todas as sessões terão intérprete de Libras.