Por gabriela.mattos
Rio - O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu nesta segunda-feira ao Supremo Tribunal Federal (STF), a abertura de inquérito contra o ex-presidente José Sarney, os senadores do PMDB Romero Jucá (RR) e Renan Calheiros (AL), e o ex-diretor da Transpetro Sérgio Machado sob a acusação de embaraço às investigações na Operação Lava Jato.

O pedido se fundamenta no conteúdo do acordo de colaboração premiada na qual Machado detalha manobras de políticos para interferir nas investigações da Operação Lava Jato. No ano passado, algumas semanas antes da votação do processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, Jucá foi flagrado em conversas com Machado, afirmando que uma "mudança" no governo resultaria em um pacto para “estancar a sangria” atribuída à Operação Lava Jato.

Janot pediu inquérito contra Sarney%2C Renan e Jucá por obstrução à Lava JatoEstadão Conteúdo

Machado teria passado a procurar líderes do PMDB porque temia que as apurações contra ele fossem enviadas de Brasília, onde tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF), para a vara do juiz Sergio Moro, em Curitiba, no Paraná.

Nas conversas de mais de uma hora, gravadas de forma oculta, Machado teria feito uma ameaça velada e pediu que fosse montada uma "estrutura" para protegê-lo: "Aí fodeu. Aí fodeu para todo mundo. Como montar uma estrutura para evitar que eu 'desça'? Se eu 'descer'...". Mais adiante, ele volta a fazer ameaças: "Então eu estou preocupado com o quê? Comigo e com vocês. A gente tem que encontrar uma saída."

O Ministro do Planejamento teria concordado com Machado e teria afirmando que seria necessária uma resposta política para evitar que o caso caísse nas mãos de Moro. "Se é político, como é a política? Tem que resolver essa porra. Tem que mudar o governo para estancar essa sangria", diz Jucá, um dos articuladores do impeachment de Dilma. Machado respondeu que era necessária "uma coisa política e rápida".

Em um outro trecho da gravação, Jucá acrescentou que um eventual governo Michel Temer deveria construir um pacto nacional com o Supremo Tribunal Federal. E Machado disse que "aí parava tudo". E Jucá respondeu que, a respeito das investigações, "delimitava onde está".

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Romero disse que havia mantido conversas com ministros do Supremo, aos quais não citou nomes. O ministro do Planejamento rechaçou ao ex-dirigente da Transpetro que são "poucos" os magistrados da Suprema Corte aos quais ele não tem acesso. O ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no STF, seria um desses ministros, destacou o político, que acrescentou que Teori é "um cara fechado".
Leia a íntegra de trecho dos diálogos divulgados pelo jornal "Folha de S.Paulo":
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SÉRGIO MACHADO - Mas viu, Romero, então eu acho a situação gravíssima.
ROMERO JUCÁ - Eu ontem fui muito claro. [...] Eu só acho o seguinte: com Dilma não dá, com a situação que está. Não adianta esse projeto de mandar o Lula para cá ser ministro, para tocar um gabinete, isso termina por jogar no chão a expectativa da economia. Porque se o Lula entrar, ele vai falar para a CUT, para o MST, é só quem ouve ele mais, quem dá algum crédito, o resto ninguém dá mais credito a ele para porra nenhuma. Concorda comigo? O Lula vai reunir ali com os setores empresariais?
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MACHADO - Agora, ele acordou a militância do PT.
JUCÁ - Sim.
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MACHADO - Aquele pessoal que resistiu acordou e vai dar merda.
JUCÁ - Eu acho que...
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MACHADO - Tem que ter um impeachment.
JUCÁ - Tem que ter impeachment. Não tem saída.
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MACHADO - E quem segurar, segura.
JUCÁ - Foi boa a conversa mas vamos ter outras pela frente.
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MACHADO - Acontece o seguinte, objetivamente falando, com o negócio que o Supremo fez [autorizou prisões logo após decisões de segunda instância], vai todo mundo delatar.
JUCÁ - Exatamente, e vai sobrar muito. O Marcelo e a Odebrecht vão fazer.
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MACHADO - Odebrecht vai fazer.
JUCÁ - Seletiva, mas vai fazer.
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MACHADO - Queiroz [Galvão] não sei se vai fazer ou não. A Camargo [Corrêa] vai fazer ou não. Eu estou muito preocupado porque eu acho que... O Janot [procurador-geral da República] está a fim de pegar vocês. E acha que eu sou o caminho.
[...]
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JUCÁ - Você tem que ver com seu advogado como é que a gente pode ajudar. [...] Tem que ser política, advogado não encontra [inaudível]. Se é político, como é a política? Tem que resolver essa porra... Tem que mudar o governo pra poder estancar essa sangria.
[...]
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MACHADO - Rapaz, a solução mais fácil era botar o Michel [Temer].
JUCÁ - Só o Renan [Calheiros] que está contra essa porra. 'Porque não gosta do Michel, porque o Michel é Eduardo Cunha'. Gente, esquece o Eduardo Cunha, o Eduardo Cunha está morto, porra.
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MACHADO - É um acordo, botar o Michel, num grande acordo nacional.
JUCÁ - Com o Supremo, com tudo.
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MACHADO - Com tudo, aí parava tudo.
JUCÁ - É. Delimitava onde está, pronto.
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[...]
MACHADO - O Renan [Calheiros] é totalmente 'voador'. Ele ainda não compreendeu que a saída dele é o Michel e o Eduardo. Na hora que cassar o Eduardo, que ele tem ódio, o próximo alvo, principal, é ele. Então quanto mais vida, sobrevida, tiver o Eduardo, melhor pra ele. Ele não compreendeu isso não.
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JUCÁ - Tem que ser um boi de piranha, pegar um cara, e a gente passar e resolver, chegar do outro lado da margem.
*
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MACHADO - A situação é grave. Porque, Romero, eles querem pegar todos os políticos. É que aquele documento que foi dado...
JUCÁ - Acabar com a classe política para ressurgir, construir uma nova casta, pura, que não tem a ver com...
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MACHADO - Isso, e pegar todo mundo. E o PSDB, não sei se caiu a ficha já.
JUCÁ - Caiu. Todos eles. Aloysio [Nunes, senador], [o hoje ministro José] Serra, Aécio [Neves, senador].
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MACHADO - Caiu a ficha. Tasso [Jereissati] também caiu?
JUCÁ - Também. Todo mundo na bandeja para ser comido.
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[...]
MACHADO - O primeiro a ser comido vai ser o Aécio.
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JUCÁ - Todos, porra. E vão pegando e vão...
MACHADO - [Sussurrando] O que que a gente fez junto, Romero, naquela eleição, para eleger os deputados, para ele ser presidente da Câmara? [Mudando de assunto] Amigo, eu preciso da sua inteligência.
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JUCÁ - Não, veja, eu estou a disposição, você sabe disso. Veja a hora que você quer falar.
MACHADO - Porque se a gente não tiver saída... Porque não tem muito tempo.
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JUCÁ - Não, o tempo é emergencial.
MACHADO - É emergencial, então preciso ter uma conversa emergencial com vocês.
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JUCÁ - Vá atrás. Eu acho que a gente não pode juntar todo mundo para conversar, viu? [...] Eu acho que você deve procurar o [ex-senador do PMDB José] Sarney, deve falar com o Renan, depois que você falar com os dois, colhe as coisas todas, e aí vamos falar nós dois do que você achou e o que eles ponderaram pra gente conversar.
MACHADO - Acha que não pode ter reunião a três?
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JUCÁ - Não pode. Isso de ficar juntando para combinar coisa que não tem nada a ver. Os caras já enxergam outra coisa que não é... Depois a gente conversa os três sem você.
MACHADO - Eu acho o seguinte: se não houver uma solução a curto prazo, o nosso risco é grande.
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*
MACHADO - É aquilo que você diz, o Aécio não ganha porra nenhuma...
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JUCÁ - Não, esquece. Nenhum político desse tradicional ganha eleição, não.
MACHADO - O Aécio, rapaz... O Aécio não tem condição, a gente sabe disso. Quem que não sabe? Quem não conhece o esquema do Aécio? Eu, que participei de campanha do PSDB...
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JUCÁ - É, a gente viveu tudo.
*
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JUCÁ - [Em voz baixa] Conversei ontem com alguns ministros do Supremo. Os caras dizem 'ó, só tem condições de [inaudível] sem ela [Dilma]. Enquanto ela estiver ali, a imprensa, os caras querem tirar ela, essa porra não vai parar nunca'. Entendeu? Então... Estou conversando com os generais, comandantes militares. Está tudo tranquilo, os caras dizem que vão garantir. Estão monitorando o MST, não sei o quê, para não perturbar.
MACHADO - Eu acho o seguinte, a saída [para Dilma] é ou licença ou renúncia. A licença é mais suave. O Michel forma um governo de união nacional, faz um grande acordo, protege o Lula, protege todo mundo. Esse país volta à calma, ninguém aguenta mais. Essa cagada desses procuradores de São Paulo ajudou muito. [referência possível ao pedido de prisão de Lula pelo Ministério Público de SP e à condução coercitiva ele para depor no caso da Lava jato]
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JUCÁ - Os caras fizeram para poder inviabilizar ele de ir para um ministério. Agora vira obstrução da Justiça, não está deixando o cara, entendeu? Foi um ato violento...
MACHADO -...E burro [...] Tem que ter uma paz, um...
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JUCÁ - Eu acho que tem que ter um pacto.
[...]
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MACHADO - Um caminho é buscar alguém que tem ligação com o Teori [Zavascki, relator da Lava Jato], mas parece que não tem ninguém.
JUCÁ - Não tem. É um cara fechado, foi ela [Dilma] que botou, um cara... Burocrata da... Ex-ministro do STJ [Superior Tribunal de Justiça].
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Com informações do Estadão Conteúdo