Indefinição toma conta da campanha presidencial - Ricardo Stuckert
Indefinição toma conta da campanha presidencialRicardo Stuckert
Por O Dia

Brasília - O cenário político brasileiro mudou completamente em 5 de abril, quando o juiz Sérgio Moro ordenou a prisão do ex -presidente Lula. Apesar de não se saber por quanto tempo o petista ficará na cadeia, não há jurista que acredite que ele ainda reúna condições legais de ser candidato. Mesmo os petistas já discutem, discretamente, as opções. E todos os candidatos a candidatos se preparam para uma situação, no mínimo, estranha: uma eleição onde o líder nas intenções de voto está fora do páreo.

“É uma nova fase. A forma de fazer campanha é outra sem o ex-presidente Lula na corrida. Os candidatos agora não terão um homem a ser batido, um candidato que certamente teria vaga no segundo turno”, diz o jurista e cientista político Valdir Alexandre Pucci, da Universidade de Brasília (UnB).

Nas pesquisas de intenção de voto, fora Lula, que detém em torno de 35% do eleitorado, e Jair Bolsonaro, que oscila em torno de 15%, nenhum dos candidatos alcança 10% da preferência do eleitorado. Sem Lula, quem poderá se beneficiar? Fábio Vasconcellos, cientista político e professor na Uerj, diz que o momento é de completa indefinição. E ele adverte que, com as mudanças nas campanhas (veja entrevista abaixo), hoje sob influência decisiva das redes sociais, quem achar que parte na frente, após a prisão de Lula, terá surpresas.

“Eleições costumavam ser mais previsíveis. Quem largava na frente e tinha densidade, de modo geral, vencia. De um tempo para cá, a situação está mais desafiadora. A definição virá no último mês de campanha”.

Há menos de seis meses, o quadro de indefinição das candidaturas permanece. O maior partido do país, o MDB, não sabe quem será seu candidato - ou mesmo se terá algum. O presidente Temer e o ex-ministro Henrique Meirelles disputam a legenda, com o primeiro constantemente bombardeado por denúncias de corrupção.

À direita, Jair Bolsonaro (PSL-RJ) tem a candidatura consolidada, mas sofrerá duros ataques ao herdar de Lula a liderança na corrida. E já começa a nova fase da campanha sofrendo um revés: a denúncia da Procuradoria-Geral da República por racismo, na sexta-feira. Além disso, a ausência de Lula esvazia boa parte do discurso do ex-militar. “A tendência é de grande polarização,mas quem vai chegar bem, não se sabe. Temos mais dúvidas do que certeza”, diz Pucci. 

Os candidatos a herdar votos do ex-presidente

No campo da esquerda, a pergunta que se faz é: quem vai substituir Lula como o principal candidato à presidência das chamadas "forças progressistas"? O principal responsável por essa escolha, provavelmente, será o próprio líder petista, esteja ele dentro ou fora da cadeia.

No entanto, uma segunda pergunta é igualmente fundamental: Lula poderá transferir seus votos para o ungido? Se conseguir, isso certamente garantirá a presença do indicado no segundo turno.

"É claro que, mesmo preso, ele influenciará alguns votos. Mas não será como nas eleições de 2010 e 2014", acredita Pucci. "Há uma visão negativa na sociedade sobre o Partido dos Trabalhadores como um todo; isso torna difícil para o Lula transferir votos, especialmente se ele não tiver a oportunidade de fazer aquela conversa face a face com o eleitor".

Unidade?

De todo modo, os candidatos a herdeiros estão colocados: dentro do PT, o ex-governador Jaques Wagner, que disse na sexta-feira que só pensa em "Plano L, Lula Livre", e o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad. Além deles, Guilherme Boulos (Psol) e Manuela D'Ávila (PCdoB) - que foram solidários a Lula após ele ser preso, o que levou lideranças petistas a cogitarem uma candidatura unitária da esquerda e Ciro Gomes (PDT), que na sexta-feira pediu à Justiça autorização para visitar Lula em Curitiba.

Por fim, Joaquim Barbosa (PSB), cujo perfil de homem de origem simples é semelhante ao de Lula. Mas o ex-ministo do Supremo ainda não definiu se encara a corrida.

'As mídias digitais já vêm tomando a dianteira nas campanhas' - 5 minutos com Fábio Vasconcellos, cientista político e professor na Uerj

O DIA: Faltam menos de seis meses para a eleição e o quadro está longe de uma definição. Ao que o senhor atribui isso?

Fábio Vasconcellos: Há um dado novo nos cenários eleitorais de uma maneira mais geral. O que a gente percebe é uma dinâmica de informação mais intensa e mais rápida. O eleitor é bombardeado por um conflito permanente de fatos e dados, a partir de pontos de vista totalmente diversos. E ele está respondendo com um comportamento mais errático e difícil de identificar.

E isso tem a ver com a influência as redes sociais?

Ainda é cedo para cravar, mas essa é a hipótese com que trabalhamos. Afinal, essa é a grande novidade do cenário. O ambiente em que se dá a campanha é novo. As redes têm uma capacidade de segmentar as informações, de chegar mais rápido ao eleitor que os meios tradicionais. Isso vem acelerando o processo, trazendo volatilidade nas preferências.

Mas as mídias tradicionais (rádio, TV) perderam o peso que tinham?

Não. A TV chega em todos os públicos e isso é importante. Mas a capacidade de segmentação das redes é um trunfo. Nas duas últimas eleições (2016 e 2014), as mídias digitais já vêm tomando a dianteira. Mas o interessante a ressaltar é que Facebook, WhatsApp, têm mais influência na reta de chegada. E a gente vai ver, como no caso do Dória em São Paulo, por exemplo, viradas e mudanças bruscas na reta de chegada. Quem sair na frente, não tem garantia de nada. Com uma sociedade totalmente conectada, isso acontece de forma muito rápida.

O caso do vazamento de dados do Facebook mostrou como as empresas de marketing político podem usar os dados para uma espécie de 'manipulação'. Como esse mecanismo é usado no Brasil?

Antes, o eleitor podia ser dividido por território e variáveis mais simples, como faixa etária ou gênero. Hoje, cada eleitor se deslocou dos territórios estabelecidos; ele interage com os grupos mais variados. São essas 'negociações' que demonstram os valores que a pessoa professa. A crença vem antes do voto e é o que vai determinar à frente as escolhas de candidatos. Essas crenças é que são trabalhadas pelas campanhas.

Como isso é feito?

A ideia desse modelo de campanha é mobilizar as pessoas a partir de determinados valores (por exemplo, os religiosos). Cada pessoa mobilizada e que se engaja nessa proposta, vai mobilizar suas próprias redes, seus amigos do Facebook, seus grupos no WhatsApp...

'Nos extremos, poderemos ver mais cenas de violência na campanha' - 5 minutos com Valdir Alexandre Pucci, cientista político

O DIA: Em que a campanha presidencial desse ano pode ser considerada diferente das anteriores?

Valdir Pucci: Se pegarmos o histórico das campanhas desde 1994, sempre tivemos um candidato que saía na frente. E, com certeza, esse candidato seria um dos que disputariam o segundo turno. Com a prisão do ex-presidente Lula, que era o líder isolado na preferência de votos, não teremos esse cenário dessa vez.

Esse período inicial foi marcado por muita polarização. Será que estamos diante de uma campanha com episódios de violência?

Temos extremos muito claros que defendem sua posição, muitas vezes de uma forma até violenta, mas a grande massa da sociedade vai tentar acompanhar a eleição presidencial de forma pacifica, vai se informar e buscar um candidato ente os disponíveis. Nos extremos, por outro lado, com certeza, poderemos ver mais cenas de violência do que nas eleições anteriores.

O quadro de candidaturas está definido, ou pode surgir mais alguém?

Ainda há algumas dúvidas, como por exemplo, se o PMDB terá candidato ou se apoiará alguém. Se o presidente Temer terá condições de assumir uma candidatura. O tempo de televisão ainda é importante e o PMDB é decisivo nisso. Temos a dúvida de quem será o candidato do PT ou até se o Lula vai estar fora da prisão. A indefinição é total.

No entanto, parece certo que, seja quem for o eleito, não terá uma maioria confortável no Congresso. Vai ter que negociar...

Com certeza. Temos à nossa frente uma chance maior de renovação do quadro político. A tendência é que haja mais partidos presentes na Câmara dos Deputados. Isso dificultará bastante a vida de qualquer presidente eleito. No entanto, o Congresso é pragmático; então, vai atrás do cheiro de vitória. Eu lembro que a eleição para a Câmara vai ser muito diferente dessa vez, pela falta de financiamento das empresas. A tendência é que os candidatos à presidência, durante o primeiro turno, tenham discursos mais para os extremos, discursos de campanha, para tentar uma vaga no segundo turno. Mas quem for para o segundo turno, será mais aglutinador, já acenando para as bancadas que serão formadas. Isso para tentar nos famosos 100 primeiros dias de governo ter mais apoio parlamentar e conseguir aprovar algumas reformas inevitáveis.

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