UTI Neonatal: Brasil vem perdendo leitos para atendimento infantil - REPRODUÇÃO INTERNET
UTI Neonatal: Brasil vem perdendo leitos para atendimento infantilREPRODUÇÃO INTERNET
Por Beatriz Perez

Brasília - As mulheres correspondem a 52,5% dos eleitores para o pleito de outubro, segundo o TSE, e a maioria delas (80%, segundo o Datafolha) está indecisa. E com o que elas se preocupam? Saúde lidera com folga (46%), seguida por Educação (18%), de acordo com o mesmo instituto. E o retrato que o próximo presidente vai enfrentar não é nada bonito. O país regrediu em termos sociais nos últimos quatro anos. O número mais simbólico a indicar o retrocesso é o aumento da mortalidade infantil, cujo índice subiu em 2016, pela primeira vez desde 1990.

Na sexta-feira, a ONU divulgou relatório dizendo que o número "é motivo de muita preocupação, especialmente com as restrições orçamentárias para o sistema público de saúde e outras políticas sociais, que comprometem severamente os compromissos do Estado brasileiro de garantir direitos humanos para todos, especialmente para crianças e mulheres".

A alta nos casos de sífilis e sarampo e a redução do número de leitos de internação são outros dados que indicam um retrocesso no Sistema Único de Saúde, que completa 30 anos em 2018.

Coordenador do curso de Especialização em Administração Hospitalar e Sistemas de Saúde da FGV, Walter Cintra considera que os dados são "vergonhosos". Ele culpa a combinação da recessão com o corte de recursos para a Saúde pelo retrocesso. "A partir de 2014, entramos na recessão, com alta do desemprego. Os planos de saúde perderam mais de 2 milhões de associados que viraram SUSdependentes.Nesse exato momento, quando a demanda cresce, cortam os recursos da Saúde. Isso se reflete na piora geral da saúde da população. Não há mistério".

Sem UTIs para bebês

As mulheres, mostra o Datafolha, se preocupam com a família. E as condições de atendimento às crianças sofreram especialmente nesses quatro anos. Levantamento da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) mostra que o país tem um déficit de 3.305 leitos de UTIs neonatal no país, essenciais para a sobrevivência de crianças que nasceram antes de 37 semanas e que apresentam quadros clínicos graves.

Já o Conselho Federal de Medicina divulgou este mês que houve perda de 34,2 mil leitos de internação pelo SUS entre 2010 e 2018. O Ministério da Saúde justifica a queda por uma tendência mundial de desospitalização. "Com os avanços tecnológicos, tratamentos que exigiam internação passaram a ser feitos no âmbito ambulatorial e domiciliar", diz, em nota.

'Isso não é aceitável', diz conselho médico

Para o presidente do Conselho Federal de Medicina, Carlos Vital, a perda de 10% dos leitos do SUS em oito anos prejudica os 160 milhões de brasileiros que dependem exclusivamente da rede pública. "Perdemos uma média de 12 leitos por dia nos últimos oito anos. Sem leitos de internação não há como o médico prestar seus cuidados ao paciente. Isso não é aceitável no país nem em nenhum lugar do mundo".

O Ministério da Saúde argumenta que até o sistema de saúde inglês, referência mundial de sistema público de saúde, reduziu em 30% o número de leitos na última década. No Reino Unido, no entanto, a taxa está em 3,2 por 1 mil habitantes. E, por lá, o investimento em prevenção é maciço. A taxa do Brasil hoje é de 1,9, contra 2,8 em 2010. A recomendação oficial da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de 3,2 leitos por 1 mil habitantes.

Para Vital, é preciso financiamento mais adequado e competência administrativa com planejamentos para suprir a falta de leitos. "Não podemos permitir que as pessoas deixem de ser atendidas por falta de leitos simples de internação. Isso significa que muitas vidas podem ser tolhidas e sequelas que poderiam ser evitadas estejam presentes na vida desses pacientes", disse.

A vice-diretora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Maria de Lourdes Tavares Cavalcante, vê o retrocesso também como reflexo de políticas que permitiram que serviços terceirizados fossem priorizados. "Os repasses eram mais específicos e regulados. Gastos com atenção primária eram obrigatórios. Agora o município recebe o recurso tem investimento livre", disse.

"Seja quem for o novo governo, terá que investir pesadamente em modernizar a gestão", diz José Roberto Afonso, especialista em Finanças Públicas e professor do IDP. "É impensável, por exemplo, que, em 2018, ainda não se tenha um cadastro único, nacional,com todos os dados, desde o sistema público, até o de saúde complementar privada, de cada brasileiro. Isso é o primeiro passo".

Repercussão externa

O governo brasileiro reagiu ao relatório da ONU pedindo que as políticas econômicas atuais sejam "reconsideradas", já que afirmando, também em nota que "o necessário reequilíbrio da economia brasileira beneficia, diretamente, as populações de baixa renda e ajuda a reduzir as desigualdades".

Para a ONU, "pessoas vivendo em situação de pobreza e outros grupos marginalizados estão sofrendo desproporcionalmente". Um dos dados que comprova o retrocesso é a redução no número de beneficiários do Bolsa Família. Após várias rodadas de "pentes finos", as famílias atendidas pelo programa atualmente estão em 13.736.341, com valor médio de R$ 178,04. Em julho de 2014, eram 14,2 mihões. A redução em meio milhão de famílias atendidas se deu em um cenário em que o desemprego se elevou de 6,8% na média daquele ano, contra os atuais 12,4%.

No ano passado, o Banco Mundial, alarmado com os efeitos da crise econômica no Brasil, lançou um documento em que alertava que o país estava prestes a perder os ganhos sociais conquistados entre os anos de 2004 e 2014, quando, "em razão do rápido crescimento do emprego formal, maiores salários reais e programas redistributivos de assistência social como o Bolsa Família () mais de 28,6 milhões de pessoas saíram da pobreza".

"Em duas crises anteriores, no fim dos anos 1990 e, depois, em 2003, foram concebidos o Bolsa Escola e o Bolsa Família. Momentos como o atual são próprios fazer mais e não menos política social", diz o pesquisador Marcelo Neri, do CPC, da FGV.

'Vamos destruir o ganho na expectativa de vida' - Cinco minutos com Marcelo Neri, FGV

Para o diretor do Centro de Políticas Sociais da FGV, Marcelo Neri, o sistema de saúde brasileiro deve aproveitar a oferta de enfermeiros e priorizar o atendimento a saúde da família e o saneamento básico. Para ele, esta polítca é mais eficiente economicamente na gestão da saúde. Ele alerta que os gastos no setor vão aumentar com o envelhecimento da população.

A mortalidade infantil voltou a subir.

É um dado extremamente preocupante. Se esta taxa aumenta, vai destruir o ganho recente da expectativa de vida no Brasil. Representa uma reversão de uma tendência de melhora no mundo e no Brasil. É um dos indicadoros mais usados para medir a qualidade da saúde.

A que se deve esse retrocesso?

Vejo alguns candidatos a culpados: a forma como o Estado tem administrado os recursos, em especial os do SUS, em meio à restrição fiscal, e os destinados a saneamento básico, que afeta a saúde. O outro candidato é a instabilidade macroeconêmica, com a recessão. Estamos regredindo na percepção que a população tem em relação à qualidade da saúde e nos indicadores, Deveríamos estarem fase de ganho em ciência, porque a população está ficando mais velha e os gastos com saúde vão aumentar.

Como fazer para voltarmos a avançar?

A saúde é intensiva em profissionais e nos próximos anos o setor vai crescer. Precisamos de mais médicos e profissionais de saúde pra atender este desafio. Em abril de 2018, o MEC anunciou a suspensão pelos próximos cinco anos da abertura de novos cursos de medicina. Em 10 anos, o número de novos diplomas de enfermagem cresceu 578% e os de medicina 62,1%. Precisamos de mais médicos e profissionais de saúde. O sistema de saúde inglês, que é uma referência, usa cada vez mais enfermeiros. A gente tem oferta no Brasil, o sistema de saúde precisa utilizar mais enfermeiros e menos médicos.

E como esse contigente seria usado?

A gente deveria aproveitar esses profissionais priorizando programa de saúde da família e unidades de atendimento básico e investir em saneamento, que significa economizar em saúde.

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