Presidente eleito, Jair Bolsonaro - EVARISTO SA / AFP
Presidente eleito, Jair BolsonaroEVARISTO SA / AFP
Por *Felipe Rebouças

Rio - O governo, de fato, só começa em janeiro, mas uma espécie de 'Era Bolsonaro' já vai tomando forma país afora, com iniciativas e mudanças que refletem a escolha dos eleitores em 28 de outubro. Na área de Educação, a educação a distância, um dos motes da nova gestão, já foi ampliada e a mobilização em torno do 'Escola sem Partido' cresce. Daqui a dois dias, a Comissão Especial da Câmara que analisa o projeto volta a se reunir para tentar votar um novo parecer do deputado Flavinho (PSC-SC). O texto foi atualizado após a vitória do candidato do PSL e propõe vetos mais radicais em relação às questões de gênero.

Também no Congresso, a Frente Parlamentar Evangélica divulgou na semana passada um manifesto em que descreve propostas e prioridades de sua bancada para os próximos anos. No documento de 60 páginas, o foco maior foi para as questões da Educação, preconizando o combate ao "democratismo comunista" e à "ideologia de gênero". A bancada evangélica deve dobrar de tamanho em relação à atual legislatura, atingindo em torno de 180 deputados no ano que vem.

Por outro lado, o detalhamento das propostas do novo Executivo sobre Educação não parecem ser prioridade. Entre os cerca de 30 nomes da equipe de transição que estão trabalhando em Brasília não há nenhum especialista no setor. No entanto, algumas manifestações antes e depois das eleições, além do próprio programa de governo - que é bastante breve ao tocar no assunto - revelam diretrizes que podem vir a ser adotadas na Educação da 'Era Bolsonaro'. Elas estão abaixo.

Menos verba em universidade, mais em educação básica

Uma mudança profunda na gestão da Educação pode ser implementada pelo governo Jair Bolsonaro: a transferência das universidades do Ministério da Educação para o da Ciência e Tecnologia, que pode ainda abarcar outras áreas do governo. A mudança é incerta, mas o futuro ministro da área, o astronauta Marcos Pontes, já estabeleceu uma meta: atrair mais recursos privados para as universidades públicas.

Já o programa de governo do PSL defende que as verbas da Educação tenham como foco principal o Ensino Básico. De fato, segundo dados do MEC, o Ensino Superior consumiu no ano passado quase 60% dos gastos do ministério, contra 42% do Ensino Básico.

No entanto, especialistas advertem que é preciso levar em conta que estados e, principalmente, municípios investem sobretudo nos primeiros anos de formação, inclusive por determinação constitucional. "Cursos superiores exigem mais recursos, sobretudo os que demandam laboratórios sofisticados", diz César Minto, professor da Faculdade de Educação da USP. "Eles formam profissionais em todas as áreas, incluindo os professores que darão sequência a um ciclo virtuoso de formação humana e profissional". O senador Cristovam Buarque (PPS-DF) vê com bons olhos a intenção de atrair recursos privados. "As universidades precisam ter melhor relacionamento com o setor privado, e não só financiamento", diz.

Barrar discussão sobre gênero e evitar a 'doutrinação'

Poucos são os educadores que defendem os projetos inspirados na tese da 'Escola sem partido'. Ainda assim, tanto no Congresso quanto em assembleias estaduais e câmaras municipais, as propostas ganham espaço. O projeto que será examinado em comissão especial da Câmara na terça-feira estabelece que "o Poder Público não se intrometerá no processo de amadurecimento sexual dos alunos nem permitirá qualquer forma de dogmatismo ou tentativa de conversão na abordagem das questões de gênero". E determina a colocação de um quadro nas salas de aula com 'mandamentos' para o professor.

A ideia é que o docente que não seguir as regras seja denunciado, inclusive, diretamente às secretarias de Educação, sem passar pelas direções das escolas. "A pauta moral, que é vedar a discussão da sexualidade, da questão de gênero, é o que o Escola Sem Partido visa", diz Henrique Garcia Sobreira, da Faculdade de Educação da Uerj. Para ele, falar em 'doutrinação' nas escolas é 'bobagem'. "Basta pegarmos os índices de votação do Bolsonaro que comprovamos que isso não existiu".

"Isso foi feito na União Soviética e na Alemanha Nazista. Uma censura que joga o aluno contra o professor", diz o senador Cristovam Buarque.

Vouchers para matrículas em escolas privadas

A proposta já foi defendida pelo futuro ministro da Fazenda, Paulo Guedes. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) é outro entusiasta. A ideia é que as famílias carentes recebam 'vouchers' com os quais poderiam matricular os filhos em escolas ou faculdades particulares "de sua escolha". Com isso, se economizariam, segundo os defensores da proposta, recursos com as unidades públicas. O sistema guarda alguma semelhança com o ProUni, adotado pelos governos petistas, que já beneficiou mais de 1,5 milhão de estudantes, mas é criticado por direcionar recursos públicos para entidades privadas.

"Escolas privadas não são controladas pelo Poder Público. Implantar vouchers apenas transfere recursos públicos para a iniciativa privada", diz César Minto, da USP. Sobreira, da UERJ, acha que a proposta pode ser um duro golpe para as escolas públicas. "O Ensino Público já é tão enfraquecido... Se implantarmos os vouchers, será ainda mais fragilizado", diz, acrescentando que vagas não são o problema. "Temos uma rede pública que dá conta da população. Precisamos resolver é a questão do índice de reprovação e da falta de professores nas Ciências Exatas".

Ampliação da utilização do ensino a distância

Na semana passada, tendo como pano de fundo o novo cenário político, o Conselho Nacional de Educação ampliou a carga horário que pode ser prestada na modalidade Ensino a Distância para até 30% no Ensino Médio, no caso dos cursos noturnos. Não foi sem divergências. Um dos conselheiros, César Callegari, deixou o órgão há um mês e se opôs à medida "por entender que "a convivência presencial está entre os direitos educacionais".

Para Bolsonaro e seu grupo, o ensino à distância (EaD) cumpre o duplo papel de combater a "doutrinação política", já que permite maior controle do conteúdo, e reduzir custos. O argumento mais lembrado é o alcance das aulas digitais, que podem atingir locais remotos e compensar a falta de professores nessas regiões. O ex-diretor de cursos online da Fundação Getúlio Vargas, Stavros Xanthopoylos, é o principal assessor de Bolsonaro na área da Educação.

*Estagiário sob supervisão de Dirley Fernandes

Você pode gostar
Comentários