Seringueiro e ativista ambiental Chico Mendes foi assassinado no Acre em 1988 - Miranda Smith/ Miranda Productions, Inc.
Seringueiro e ativista ambiental Chico Mendes foi assassinado no Acre em 1988Miranda Smith/ Miranda Productions, Inc.
Por O Dia

Rio - O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse que não conhece o ambientalista Chico Mendes e que ele não tem relevância no momento. A declaração, dada em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, na noite de segunda-feira, recebe críticas de políticos, jornalistas especializados e artistas nas redes sociais. O assunto é o mais comentado no Twitter no país. 

No fim do programa, o âncora Ricardo Lessa lembrou que o ministro viajaria nesta terça-feira para sua primeira viagem na Amazônia, que classificou como uma grande preocupação mundial. Em seguida, perguntou qual a opinião do ministro sobre Chico Mendes, líder seringueiro que liderava manifestações pela preservação da floresta, executado em 1988 pelo fazendeiro Darly Alves da Silva e seu filho.

O ministro pontuou que não conhece o ambientalista e que escuta do 'pessoal do agro (Agronegócio)' que ele 'não era o que dizem'.

Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura - Reprodução/ TV Cultura
  

"Olha, eu não conheço o Chico Mendes e tenho certo cuidado em falar de coisas que não conheço. Eu escuto histórias de todo o lado. Do lado dos ambientalistas, mais ligados à esquerda, ouço um enaltecimento. As pessoas que são do agro, da região, dizem que o Chico Mendes não era isso que é contado", disse. O 'pessoal do agro', segue o ministro, diz que ele usava os seringueiros para se beneficiar e manipulava a opinião (local)", declarou.

Ao ser provocado pelo âncora, que indagou como ele seria beneficiado, já que morreu pobre, Salles se esquivou dizendo "O fato é irrelevante. Que diferença faz saber quem é Chico Mendes neste momento?", disse.

Chico Mendes foi um dos precursores do ambientalismo no Brasil e da ideia de direitos socioambientais. Ele recebeu o Prêmio Global de Preservação Ambiental da ONU (Organização das Nações Unidas) em 1977. Uma das táticas que usava era se colocar à frente de uma área a ser devastada. Ele defendia, como alternativa econômica ao desmatamento, a criação de reservas extrativistas, protegidas e utilizadas de forma sustentável para o trabalho dos povos da floresta. 

Lembrado de que o ativista é reconhecido internacionalmente, inclusive pela ONU, ele disse que "a ONU reconhece um monte de coisa errada". 

Governo prepara pacote de obras para Amazônia

O governo vai começar o seu plano de desenvolvimento pela região amazônica e enviará três ministros ao oeste do Pará para avaliar investimentos de infraestrutura e definir grandes obras na região. A escolha não é casual. O avanço nessas áreas isoladas da floresta e na fronteira atende também a um compromisso de campanha do presidente Jair Bolsonaro de aumentar a presença do Estado no chamado Triplo A. Trata-se de uma área que se estende dos Andes ao Atlântico, onde organismos internacionais supostamente pretendem criar uma faixa independente para preservação ambiental.

A região é estratégica para os militares, que querem marcar posição contra o que chamam de "pressões globalistas". Como parte dessa estratégia, os ministros Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral da Presidência), Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) desembarcam nesta quarta-feira, 13, em Tiriós (PA) para discutir com líderes locais a construção de uma ponte sobre o Rio Amazonas na cidade de Óbidos, uma hidrelétrica em Oriximiná e a extensão da BR-163 até a fronteira do Suriname.

A hidrelétrica teria, na avaliação do governo, o propósito de abastecer a Zona Franca de Manaus e região, reduzindo apagões. A ampliação da BR-163 - construída nos anos 70, ainda inacabada e notícia por causa de seus atoleiros - cumpriria uma meta de integração da Região Norte. Já a ponte ligaria as duas margens do Amazonas por via terrestre, ainda feita por travessia de barcos e balsas. O projeto serviria como mais um caminho para o escoamento da produção de grãos do Centro-Oeste.

O movimento coincide com ação do governo para combater a influência do chamado "clero progressista" da Igreja Católica na região. O pano de fundo é a realização do Sínodo sobre Amazônia, que será organizado em outubro, em Roma, pelo Vaticano. Entre os temas que serão discutidos estão a situação dos povos indígenas e de quilombolas e os investimentos na região - considerados "agendas de esquerda" pelo Planalto.

A última série de grandes investimentos na Amazônia ocorreu ainda no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com o início das obras das hidrelétricas de Santo Antonio e Jirau, em Rondônia, e Belo Monte, no Pará. Nos governos Dilma Rousseff e Michel Temer, os canteiros foram abandonados ou perderam o ritmo.

O Planalto justifica a escolha dos projetos com o argumento de que a população dos municípios da margem norte do Amazonas está abandonada e seu objetivo é implementar um plano de ocupação para estimular o mercado regional e definir um "marco" da política do governo de incentivo econômico.

Resistências

Um auxiliar de Bolsonaro afirmou que a presença dos ministros do Meio Ambiente e dos Direitos Humanos na comitiva tem por objetivo reduzir eventuais ataques de ativistas e ambientalistas. A área delimitada para o início do plano estratégico é formada por reservas ambientais e territórios de comunidades isoladas, como a dos índios zoés, na região de Santarém.

Para tentar quebrar resistências, o governo vai incluir termos de responsabilidade socioambiental em todas as obras e firmar compromisso de diálogo com as comunidades locais. A equipe do presidente já antevê, no entanto, reações especialmente de países da União Europeia, que têm ligações com as entidades mais influentes da área de defesa da preservação da floresta.

Militares com cargo no governo recusam a comparação com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado por Lula com obras em todo o País, especialmente no Norte e no Nordeste. Ainda está prevista a retomada do projeto de revitalização dos afluentes do Rio São Francisco.

A viabilidade dos projetos de infraestrutura na Amazônia desenhados pelo Planalto esbarra numa série de dificuldades. As tentativas de se instalar uma usina no Rio Trombetas já fracassaram em outros governos por obstáculos socioambientais. O mesmo problema já comprometeu a continuidade da BR-163. A região é de mata densa, sem estradas. Seria necessário abrir uma rodovia na floresta, região marcada por áreas protegidas.

*Com Estadão Conteúdo 

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