STF retoma julgamento para criminalização da homofobia e transfobia nesta quarta-feira - Elza Fiúza/Agência Brasil
STF retoma julgamento para criminalização da homofobia e transfobia nesta quarta-feiraElza Fiúza/Agência Brasil
Por *LUIZ FRANCO

Rio - O STF retoma nesta quarta-feira o julgamento sobre a criminalização da homofobia. Nas redes sociais, o plenário é apoiado com as hashtags #CriminalizaSTF e #ÉCrimeSim. A torcida, no entanto, não é unânime. Para alguns especialistas e LGBTs, que vivem na pele o problema, a criminalização da LGBTfobia no Supremo está longe sanar a violência contra os LGBTs e pode até mesmo se voltar contra parcelas mais vulneráveis da população brasileira.

"O crescimento e o fortalecimento do sistema penal não reduz a violência", afirma Debora Baldin, comunicadora digital e ativista lésbica e de direitos humanos. "A Lei Maria da Penha está impedindo alguém de matar mulher no Brasil? Os números mostram que não".

Estão sendo discutidas, no STF, duas ações que classificam como inconstitucional a omissão do Congresso Nacional em votar projetos de lei que criminalizem a homofobia e a transfobia no Brasil. A primeira é a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, de relatoria do ministro Celso de Mello. Já a segunda é o Mandado de Injunção (MI) 4733, de autoria da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT). Ambas as ações pedem que os crimes de homofobia passem a se enquadrar dentro do conceito de racismo, tratado como crime no sistema penal brasileiro desde 1989.

Para Debora, "igualar o crime de homofobia ao crime de racismo não combate o problema". A lei é genérica e não chegou perto de solucionar o racismo, lembra a comunicadora. Além disso, "é um projeto que não toca nas questões de violência corporal, por exemplo". A lei nº 7.716/1989 não faz nenhuma menção à violência física.

"De que adianta uma melhoria simbólica, quando na verdade a gente tem um impacto concreto na vida de tanta gente?", indaga Debora. "A causa é estrutural, ela parte de uma cultura que produz essas pessoas", conclui.

Luciana Boiteux, professora de Direito Penal e Criminologia na UFRJ e suplente de deputada federal pelo PSOL-RJ, é outra defensora dos direitos LGBTs que olha com desconfiança para o julgamento no STF.

"Eu defendo que haja uma operação legislativa para, assim como no caso do feminicídio, se possa ter uma distinção no caso de crimes que envolvam intolerância contra a população LGBT". No entanto, ela pondera: "Isso é matéria do Parlamento. Não cabe ao Supremo". Para a professora, julgar o caso no Supremo "atinge não só o princípio da legalidade, mas também o princípio da divisão de poderes".

Luciana afirma que "autorizar o Supremo a estabelecer os critérios de criminalização" pode ser "um tiro no pé". O julgamento, segundo ela, pode abrir precedente para que outros tipos de crimes sejam tipificados "sem o devido debate por meio do Parlamento", sob o risco de atingir "justamente o lado mais vulnerável".

"O direito é racista e seletivo, e vai sempre proteger quem tem mais poder", explica a professora. "No caso do racismo, por exemplo, não foi o direito penal que trouxe nenhum tipo de proteção, muito pelo contrário". "O risco de reverter a separação de poderes pode se voltar justamente contra o lado mais fraco", completa.

Nas redes sociais, outras vozes criticam a criminalização da LGBTfobia no Supremo, ainda que sejam defensores da causa LGBT.

Para Luciana Boiteux, no entanto, ainda que a criminalização via STF seja um problema, o debate suscitado pela ADO 26 e MI 4733 é positivo para a sociedade. "Está sendo importante o julgamento e o voto do ministro, Celso de Mello, para dar essa visibilidade" ao caso.

Em seu voto, o relator da ação tocou em pontos importantes para o debate público da LGBTfobia. Ele afirmou, por exemplo, que "versões tóxicas da masculinidade e da feminilidade acabam gerando agressões a quem ousa delas se distanciar no seu exercício de direito fundamental e humano ao livre desenvolvimento da personalidade, sob o espantalho moral criado por fundamentalistas religiosos e reacionários morais com referência à chamada ideologia de gênero".

Governo Bolsonaro, Escola sem Partido e o papel do STF

Para Debora e Luciana, assim como para grande parte do movimento LGBT, a solução para o problema estrutural da homofobia e transfobia passa necessariamente pela educação, com políticas públicas eficazes e a promoção do debate de gênero nas escolas.

Neste sentido, a agenda LGBT se choca diretamente com o discurso adotado pelo presidente Jair Bolsonaro e seus ministros.

"Por que a agenda do Escola sem Partido é tão prioritária para esse governo? Por que a (ministra da Família, Mulher e Direitos Humanos) Damares fala que meninos vestem rosa, e meninas vestem azul?", indaga a ativista Debora Baldin. "O que ela está afirmando é um projeto de poder. Um projeto educacional", conclui.

O projeto Escola sem Partido proíbe que discussões sobre gênero e sexualidade aconteçam nas escolas e tramita na Câmara desde 2014. Ele foi arduamente defendido por Bolsonaro durante sua campanha.

Segundo Luciana Boiteux, "Uma das coisas mais importantes que o Supremo pode fazer", no lugar de criminalizar a LGBTfobia dentro do conceito de racismo, "é julgar a ação que pede a inconstitucionalidade do Escola sem Partido".

"É importante pressionar o STF a votar essa ação", afirma Boiteux.

* Estagiário sob supervisão de Thiago Antunes

Você pode gostar
Comentários